Foto: Ex-premiê israelense Benjamin Netanyahu e ex-Ministro da Defesa Ehud Barak durante coletiva de imprensa em Jerusalém ocupada, 12 de novembro de 2012 [Lior Mizrahi/Getty Images]
É fato que o sionismo é uma ideologia política moderna que explorou a fé para conquistar seus objetivos coloniais na Palestina histórica; não obstante, profecias continuam a exercer um papel contundente na percepção de Israel sobre si próprio. O discurso religioso projeta-se ainda ao relacionamento da ocupação sionista com grupos estrangeiros, sobretudo cristãos messiânicos nos Estados Unidos e restante do mundo.
A pauta das profecias e sua centralidade no pensamento político israelense tornou-se mais outra vez evidente por comentários do ex-primeiro-ministro Ehud Barak, em entrevista recente concedida ao jornal em hebraico Yedioth Ahronoth. Barak expressou receios sobre a “desintegração” do Estado de Israel antes do 80° aniversário de sua criação — isto é, na ocasião da Nakba ou “catástrofe”, mediante limpeza étnica do povo palestino, em 1948.
“Ao longo da história, os judeus jamais governaram por mais de 80 anos, salvo o reino de Davi e a dinastia dos asmoneus; em ambos os períodos, sua desintegração começou na oitava década”, declarou Barak — certa vez líder do Partido Trabalhista, considerado “progressista”
Fundamentada em uma análise pseudo-histórica, a profecia de Barak parece associar fatos com devaneios messiânicos, como fez o também ex-premiê Benjamin Netanyahu, em 2017. Na ocasião, Netanyahu expressou preocupação sobre o futuro de Israel e uma iminente “ameaça existencial” — pedra angular da propaganda israelense (hasbara) há anos. Em uma sessão de estudo bíblico em sua residência em Jerusalém, Netanyahu alertou que a dinastia dos asmoneus — ou macabeus — sobreviveu somente oito décadas antes de ser conquistada por Roma, em 63 a.C.. “O estado asmoneu durou 80 anos e precisamos superá-los”, afirmou o premiê segundo um membro do grupo, como reportou o jornal israelense Haaretz. Netanyahu prometeu então exceder a longevidade dos reinos antigos, ao assegurar que a ocupação chegaria a um século de idade. Trata-se, no entanto, de apenas 20 anos adicionais.
A diferença entre as declarações de Barak e Netanyahu é quase irrisória: a perspectiva do primeiro é supostamente “histórica”; o segundo evidencia seu fundamento religioso. Entretanto, ambos os líderes — oriundos de escolas políticas distintas — convergem em pontos similares: a sobrevivência de Israel está em jogo; a “ameaça existencial” é verdadeira; e o fim de Israel é questão de tempo.
Não obstante, o pessimismo israelense dificilmente restringe-se à liderança política, conhecida por exagerar e manipular fatos para instilar pânico e instigar seu eleitorado, sobretudo comunidades coloniais de caráter messiânico. Embora seja notavelmente presente, as previsões sobre o futuro obscuro do projeto sionista atravessam a barreira das elites.
Em entrevista concedida ao Haaretz em 2019, um dos mais respeitados historiadores canônicos de Israel, Benny Morris, comentou sobre o horizonte de seu país. Diferente de Barak e Netanyahu, o acadêmico não emitiu sinais, mas constatou que — conforme sua perspectiva — parece inevitável uma crise política em Israel proveniente da evolução demográfica.
“Não vejo escapatória”, declarou Morris. “Atualmente, há mais árabes do que judeus entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Jordão. O território como um todo torna-se gradual e inexoravelmente um único estado com maioria árabe. Israel pode se autoproclamar como estado judaico, mas essa conjuntura, na qual governamos uma população ocupada sem direito algum, é certamente insustentável no século XXI”.
As análises de Morris — embora ainda comprometidas com a fábula da maioria judaica — são muito mais articuladas e realistas do que as declarações de Barak, Netanyahu e outros. O homem que certa vez lamentou que David Ben-Gurion — fundador de Israel — não expulsou a totalidade dos nativos palestinos de suas terras, entre 1947 e 1948, pareceu resignar-se ao colapso de Israel, em sua forma presente, dentro de apenas uma geração.
É notável em seus comentários a compreensão precisa de que “os palestinos olham para tudo de uma perspectiva abrangente de longo-prazo” e que os cidadãos nativos continuarão a reivindicar o direito de retorno dos refugiados. Mas quem são os “palestinos” mencionados por Morris? Certamente, não se trata da Autoridade Palestina, cujos líderes marginalizaram o direito de retorno, sem qualquer perspectiva senão imediata. Os “palestinos” de Morris são o próprio povo palestino, cujas gerações e gerações servem e serviram de vanguarda a seus direitos nacionais, apesar de sucessivos obstáculos, derrotas e concessões políticas.
As profecias em torno de Israel e Palestina não são novidade. A Palestina foi colonizada pelos sionistas com ajuda do Reino Unido, também sobre pressupostos religiosos. Então, foi repovoada por colonos estrangeiros com base em presságios bíblicos da restauração de antigas dinastias e do “retorno” de ancestrais que supostamente teriam direito sobre a “terra prometida”. Embora o estado israelense tenha adotado diversas concepções fantasiosas no decorrer dos anos — utopia socialista, paraíso liberal e muitas outras — sempre esteve envolto em narrativas religiosas, epifanias espirituais e profecias abundantes. A expressão mais tenebrosa desta realidade é o apoio contemporâneo de milhões de fundamentalistas cristãos, radicados em países ocidentais, à ocupação sionista, motivados sobretudo por delírios messiânicos e apocalípticos.
As mais recentes previsões sobre o futuro obscuro de Israel possuem, contudo, uma lógica distinta. Dado que Israel sempre se autoproclamou estado judaico, seu futuro está intrinsecamente ligado à capacidade de conservar uma maioria judaica na Palestina histórica. Como reconhece Morris e muitos outros, essa miragem agora desmorona sob a derrota manifesta da “guerra demográfica” travada pelo projeto colonial sionista.
Naturalmente, a coexistência em um único estado democrático será sempre uma possibilidade. Para desgosto dos ideólogos sionistas, uma democracia universal jamais cumpriria as expectativas dos fundadores de Israel, dado que não mais existiria um estado supremacista judaico. Para se materializar tão esperada coexistência, no entanto, a própria ideologia colonial sionista tem de ser superada.
Barak, Netanyahu e Morris estão todos certos: Israel não poderá sobreviver como “estado judaico” por muito mais tempo. Rigorosamente em termos demográficos, Israel não é mais um estado de maioria judaica. A história nos ensina que muçulmanos, cristãos e judeus podem conviver e prosperar pacificamente, como fizeram no Oriente Médio e na Península Ibérica por milênios. De fato, esta é nossa previsão, ou mesmo profecia, a qual vale a luta.