Pesquisa feita em Israel um dia antes do Rosh Hashaná, o ano-novo judaico – que este ano caiu em 17 de setembro – é uma triste indicação do resultado de anos de lavagem cerebral efetuada pelo movimento sionista, que governa o Estado israelense e controla quase por completo a Palestina ocupada. A maioria da população de Israel, mostrou a pesquisa, é antipalestina, ultranacionalista, racista e defende posições muito próximas do fascismo. Ou, como colocou Richard Silverstein, do site Tikun Olan, “um vasto número de judeus israelenses compartilha explicitamente a visão [da extrema direita ultranacionalista de Israel, que é semelhante à] das Leis Racistas de Nuremberg”.
Além disso, causa perplexidade o fato de grande parte dos israelenses (58%) reconhecer Israel como praticante de uma política de segregação em relação aos palestinos (regime de apartheid) e, mais do que isso, apoiá-la. Gideon Levy, do jornal Haaretz, foi duro em seu diagnóstico. Para ele, a pesquisa “põe a nu uma imagem da sociedade israelense […] muito, muito doente. Agora não se trata de críticas em casa e no exterior, mas dos próprios israelenses, que definem a si mesmos abertamente, desavergonhadamente, sem culpa, como racistas nacionalistas. Somos racistas, os israelenses estão dizendo, praticamos o apartheid e até mesmo queremos viver num Estado que pratica a segregação. Sim, isto é Israel”, escreveu Levy.
Tão surpreendentes como os resultados são os objetivos da pesquisa, que constam do sumário da versão em inglês. Está ali no parágrafo inicial, à vista de todos, o fato de que os preparadores do trabalho acenam com a possibilidade do fim da Autoridade Palestina e da anexação do que resta da Palestina a Israel. Em uma palavra, eles apostam em um Estado único na Palestina.
Os objetivos expressos da pesquisa são “examinar a atitude da população judaica em relação aos cidadãos árabes de Israel e aos palestinos nos territórios ocupados, uma vez que estamos diante de: a) possibilidades crescentes de anexação das colônias [judaicas] e de terras nos territórios ocupados; b) a eventual desintegração da Autoridade Palestina; c) o subsequente controle total, por parte de Israel, [do território que vai] do Mediterrâneo ao rio Jordão”.
O outro objetivo também chama a atenção. Quer-se “criar uma base para futuras pesquisas e informar o público sobre o nível de racismo e de apoio ao apartheid dentro da sociedade israelense”. Em outras palavras, está-se reconhecendo explicitamente que a sociedade israelense, em geral, é racista e dá apoio ao apartheid – um discurso muito comum entre a esquerda, os ativistas pró-Palestina e entre os acadêmicos que pesquisam a fundo o sionismo e a influência de suas políticas sobre o imaginário e a realidade da população de Israel.
Para judeus israelenses, palestinos não devem ter direito de voto
As conclusões da pesquisa, divulgadas ontem, 23 de outubro, mostram que praticamente a maioria dos judeus, 49%, querem que o Estado trate melhor os cidadãos judeus do que os palestinos1, que 42% não desejam morar em prédios com vizinhos palestinos e que a mesma porcentagem não aceita que seus filhos estudem em salas de aula frequentadas por crianças palestinas. Mais da metade dos judeus, 59%, prefere ver judeus, e não palestinos, ocupando cargos no governo.
Um terço da população quer leis que impeçam os palestinos (nascidos em Israel) de votar para o Parlamento e 69% rejeita que seja dado o direito de voto aos palestinos caso a Cisjordânia seja anexada por Israel. A grande maioria, 74%, é a favor de estradas separadas para palestinos e israelenses na Cisjordânia (o que, na prática, já existe; e lembremos que a Cisjordânia pertence à Palestina, não a Israel). Metade, 50%, pensa que essa separação é uma medida “necessária” e 24% julga a situação “boa”.
Praticamente a metade dos judeus, 47%, prefere que os palestinos sejam “transferidos” para a Autoridade Palestina (provavelmente para os territórios administrados pela ANP) e 36% aceitam que algumas cidades palestinas localizadas dentro de Israel sejam concedidas à ANP, em troca de algumas colônias judaicas ilegalmente construídas na Cisjordânia.
Israelenses reconhecem que seu país pratica o apartheid
A maioria, 58%, reconhece que Israel pratica o apartheid contra os palestinos e 31% acham que esse regime inexiste. Mais de um terço da população, 38%, deseja que Israel faça a anexação dos territórios palestinos onde foram construídas as colônias ilegais; 48% discordam dessa solução. De um terço até metade dos judeus querem viver num Estado que pratique discriminação aberta e formal contra os palestinos que nasceram e moram nele, ao passo que a ampla maioria deseja que Israel adote o regime do apartheid caso haja a anexação da Cisjordânia.
Realizada com 503 pessoas, a pesquisa distingue os vários grupos existentes no Estado sionista, como os imigrantes vindos da extinta União Soviética, os ultraortodoxos, os ortodoxos, os que observam a religião judaica e os seculares (sem religião). Os que têm posições mais extremadas contra os palestinos são os ultraortodoxos – não à toa, a grande maioria dos colonos que vive ilegalmente em território palestino roubado por Israel e que persegue os palestinos, ferindo-os gravemente, destruindo suas plantações, suas mesquitas e tomando de assalto suas vilas, é composta de judeus ultraortodoxos nacionalistas, os Haredim.
Desse grupo, 83% aprovam estradas para uso exclusivo de judeus e 71% são a favor da transferência dos palestinos para o exíguo território que ainda resta à Palestina. Para 70% deles, os palestinos não devem ter direito a voto, 82% defendem que o Estado trate de maneira preferencial os judeus e 95% pensam que deve haver discriminação contra palestinos na admissão a postos de trabalho.
Os ortodoxos são os mais antipalestinos depois dos Haredim, segundo a pesquisa. Já os novos imigrantes vindos da Rússia têm posição semelhante à dos israelenses seculares, sendo bem menos extremistas do que os ultraortodoxos. Entre os “russos”, porém, está a maioria dos que responderam “não sei” às questões da pesquisa.
Eles são os que mais recusam a classificação de Israel como Estado de apartheid. Um terço deles, 35%, acredita que seu novo país não pratica a segregação. Essa porcentagem cai para 28% entre os seculares e os ultraortodoxos, para 27% entre a comunidade ortodoxa e vai a 30% entre os que observam a religião. Em conjunto, 58% de todos esses grupos avaliam que Israel pratica o apartheid “em alguns campos” (39%) ou “em muitos campos” (19%); os que “não sabem” somam 11%.
Entre os seculares, 68% não se importam em ter vizinhos palestinos, 73% aceitam que seus filhos estudem com crianças palestinas e 50% pensam que os palestinos não devem sofrer discriminação em relação a empregos.
A pesquisa foi conduzida pelo instituto Dialog, dirigida pelo professor Camil Fuchs, da Universidade de Tel Aviv, um dos mais respeitados pesquisadores de Israel, e encomendada pelo Yisraela Goldblum Fund (Fundo Nova Israel), considerado “sionista liberal”. As questões foram formuladas por acadêmicos e ativistas de direitos humanos e civis de Israel.
As críticas dentro de Israel: devastadoras
Para o jornalista israelense Noam Sheizaf
Richard Silverstein, do Tikun Olan – site progressista pioneiro, que desde 2003 defende, on-line, uma solução negociada para o conflito que os sionistas impuseram aos palestinos –, foi ainda mais incisivo. “A maioria dos judeus israelenses tem posições claramente contrárias à democracia. Na verdade, eles abraçaram amplamente a agenda de Meir Kahane [1932-1990, fundador da Liga de Defesa Judaica, grupo extremista considerado terrorista até mesmo dentro de Israel], para quem a democracia era um tipo de doença importada do Ocidente e estranha ao Oriente Médio. Kahane defendia um Estado judeu que não oferecesse direitos democráticos a não judeus. A pesquisa mostra que os judeus israelenses afluem rapidamente a esse ponto de vista. Judeus defendem direitos superiores para eles mesmos, não para os cidadãos não judeus”, escreveu Silverstein no Tikun.
Sheizaf acrescenta que as conclusões da pesquisa “são o resultado da discriminação legal e do status quo na base [da sociedade israelense]. Ao mesmo tempo que o governo de Israel está pronto para fazer um esforço e promover os palestinos em algumas áreas, a narrativa da desumanização domina a conversa política, e há boa vontade zero para desafiar a discriminação inerente ao sistema em si (para não mencionar a ocupação). A pesquisa, portanto, não mostra uma falha na educação – como alguns aventam – mas um problema constitutivo do próprio sistema. Somente o fim da ocupação e o movimento na direção de um modelo igualitário de cidadania – “um Estado para todos os cidadãos” – pode trazer a desejada mudança na atitude dos judeus. Quando o sistema tratar os palestinos como iguais, a percepção do público o seguirá”.
Gideon Levy e Richard Silverstein não são nada otimistas em relação às mudanças que Sheizaf aponta. Levy escreve, em tom acusatório: “Os israelenses admitem que são assim e não se envergonham disso. Pesquisas desse tipo foram feitas antes, mas os israelenses nunca pareceram tão satisfeitos consigo, mesmo quando admitem o próprio racismo. A maioria pensa que Israel é um bom lugar para viver e a maioria pensa que este é um Estado racista. É bom viver neste país, a maioria deles diz, não a despeito do racismo, mas talvez por causa dele”.
Silverstein é ainda mais pessimista. “Não acredito que Israel seja um país que possa salvar a si mesmo”, afirma ele. “Uma vez que deixou de ser uma democracia [comentário da autora da matéria: Israel nunca foi uma democracia], a solução para seus problemas não pode vir de dentro. Temo que devamos esperar por um país disfuncional que perpetre um ato tão horrendo que o resto do mundo nada mais possa fazer senão intervir para impedir algo muito pior. A Sérvia atraiu esse destino por meio do massacre de Srebenica e o subsequente genocídio em Kosovo. A Síria vem para a mesma encruzilhada com o recente assassinato do chefe da segurança libanesa. Israel seguirá os passos de Assad. É só uma questão de tempo. E de quanto derramamento de sangue o mundo pode absorver antes de repreender Israel por seu comportamento”.
Eu diria que o mundo está cansado de “repreender Israel por seu comportamento”. Um comportamento “beligerante”, como o classificou o documento “Preparando um Oriente Médio sem Israel”, elaborado por 16 órgãos dos Estados Unidos, entre forças armadas, secretarias de Estado e agências de segurança. O que falta aos governos do mundo é, mais do que impor sanções aos sionistas, corrigir o erro cometido em 1947, quando, cedendo a ameaças e pressões do sionismo e do governo Truman, recomendaram (e não “decidiram”, como os sionistas espalharam e a maioria acreditou) a partilha da Palestina.
A sociedade civil internacional enfrenta o sionismo sem medo, apesar das intimidações psicológicas, físicas, políticas e financeiras, e das agressões em plena rua a ativistas pró-Palestina, como aconteceu recentemente na França a Olívia Zeymour e a outros membros do grupo que promove a ação “Bem-Vindo à Palestina”, de desafio ao bloqueio aéreo imposto por Israel à Palestina. Os movimentos sociais do mundo inteiro estarão reunidos de 28 de novembro a 1º. de dezembro deste ano em Porto Alegre, no Fórum Social Mundial Palestina Livre, para pensar estratégias visando o fim da ocupação. É um bom momento para os governos começarem a agir de maneira decisiva e definitiva para impedir a continuação dos crimes cometidos pelo governo israelense, entre os quais está levar uma sociedade inteira a defender o racismo, como a pesquisa do Dialog mostrou.