“Acelerar a luta contra o trabalho infantil”. A escolha do título do novo relatório global da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Trabalho Infantil nada tem de aleatória: o estudo constatou que, entre 2003 e 2008, houve desaceleração no ritmo de redução do problema em nível mundial.
Lançado no dia 8 de maio, o documento releva que, durante o período, o número de crianças trabalhando no mundo recuou de 222 milhões, em 2003, para 215 milhões, em 2008. Ou seja, a diminuição foi de cerca de 3%. No relatório anterior (divulgado em 2006, com base no intervalo de 2000 a 2004) da OIT, houve registro de diminuição de 10%.
Do total de crianças submetidas à rotina de trabalho, pelo menos 115 milhões são vítima do que o órgão ligado às Nações Unidas classifica como “piores formas de exploração do trabalho infantil”. O relatório também alerta para o risco de que a crise econômica mundial freie os avanços em direção ao objetivo de eliminar as piores formas de trabalho infantil em 2016.
Mais 10 milhões de adolescentes (de 52 para 62 milhões), com idades entre 15 e 17 anos, passaram a trabalhar. A agricultura continua sendo a principal atividade que explora mão de obra infantil – 60% das crianças e adolescentes prestam serviços na agricultura e a maior parte trabalha para sua família sem remuneração. Somente uma de cada cinco crianças recebe salário.
O maior avanço no combate ao trabalho infantil foi registrado entre meninos e meninas de 5 a 14 anos, com diminuição de 10%. Na mesma faixa de idade, o número de meninos e meninas em trabalhos perigosos diminuiu em 31%. Entre as meninas, o trabalho infantil diminuiu 15% (cerca de 15 milhões). No entanto, aumentou entre os meninos em 7% (8 milhões).
Os números relativos ao Brasil são menos preocupantes. A porcentagem de trabalho infantil entre crianças de 5 a 15 anos caiu de 13,6% para 5,8% entre 1992 e 2008. No mesmo período, o mesmo índice para crianças do grupo de 5 a 9 anos diminuiu de 3,6% para 0,9%. Segundo a OIT, as quedas no Brasil podem ser explicadas pela mobilização da sociedade, ajudada pelos meios de comunicação, além de programas de transferência de renda ligados à permanência das crianças na escola.
Saúde
Outro estudo na área de Saúde, elaborado pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) de Piracicaba (SP), resultou em descobertas alarmantes sobre um caso particular de trabalho infantil no interior paulista.
Realizado em 22 escolas da rede estadual de ensino de Limeira (SP) em 2005, o levantamento constatou que 27% dos estudantes (8,34 mil) trabalhavam montando e soldando joias e bijuterias. “Deste quantitativo, 20% possuem idade abaixo de 17 anos; 62,1% afirmaram fazer trabalhos repetitivos e quase 12,8% relataram ter sofrido acidentes de trabalho, predominando queimaduras, alergias e cortes no dedo”, revela trecho do estudo.
As crianças e adolescentes ficavam expostas a graves situações de riscos à saúde, tais como: inalação de produtos químicos, contato com metais pesados e ácidos, além do trabalho repetitivo com posturas forçadas, utilizando mobiliário, ferramentas e instalações improvisadas.
A partir do levantamento do Cerest, uma série de ações intersetoriais foi desenvolvida para combater e prevenir o problema. A Comissão Municipal do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) em Limeira (SP) foi reestruturada. O Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) passaram a integrar o Peti e também a propor reuniões e Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com os empresários do expressivo setor econômico para regularizar a situação.
“Essa iniciativa teve impacto na vida de muitas crianças. A exploração acontecia dentro do ambiente doméstico, ou seja, longe da fiscalização”, pontua Cynthia Ramos, do Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil (Ipec) da OIT. Esse exemplo das crianças de Limeira faz parte do manual “Boas Práticas do Setor Saúde para a Erradicação do Trabalho Infantil”, lançado em abril pelo Ministério da Saúde (MS) e pela OIT.
A atuação em parceria entre o MS, a OIT e o Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Nesa/UFRJ) começou em 2004. “O primeiro passo foi um levantamento sobre a visão dos profissionais de saúde em relação ao trabalho infantil e como eram encaminhados os casos suspeitos ou confirmados”, conta Cynthia.
Depois disso, a rede consolidou um estudo com dez casos práticos para ajudar a estabelecer uma relação entre problemas de saúde e trabalho infantil, como problemas de ergonomia ou na coluna, consequência direta de carregar excesso de peso. Após essa etapa, cerca de 50 profissionais, de dez estados distintos com atuação da OIT, foram treinados e se tornaram multiplicadores do conteúdo nos seus locais de trabalho.
De 2006 e 2008, mais de 2,5 mil pessoas foram capacitadas. O curso é ministrado semestralmente para 100 profissionais da rede pública e particular, em como integrantes da rede de proteção às crianças e adolescentes. “Boas Práticas do Setor Saúde para a Erradicação do Trabalho Infantil” é, portanto, a consolidação desse esforço conjunto entre as partes. “É preciso tratar a consequência e identificar a relação com o trabalho infantil para que seja prestada toda a assistência à criança e sua família”, relata Cynthia.
A publicação ainda não está sendo distribuída na Rede Nacional de Saúde do Trabalho. Quando algum caso é identificado por um agente da área de saúde, há um procedimento a ser seguido. O MPT pode ser notificado para ir verificar a situação. Há casos mais complexos, como o trabalho doméstico, em que não é possível fiscalizar. “Nesse caso, a comunicação com o Conselho Tutelar do município pode ser a melhor saída para tirar a criança desta situação”, recomenda a representante da OIT.
Educação
Na mesma linha das ações intersetoriais, foi lançado o “MPT na Escola”, programa que oferece capacitação para educadores do país sobre trabalho infantil, além de distribuir o material didático para ser utilizado em sala de aula. Muitas vezes, os profissionais dessas áreas (Educação e Saúde) são os únicos a terem acesso às crianças e adolescentes, além da família.
O “MPT na Escola” busca levar o tema do trabalho infantil para as salas de aula e envolver pais, professores e alunos. As crianças do Ensino Fundamental recebem uma cartilha com informações sobre seus direitos e como requerê-los. Os professores recebem material específico com instruções de como abordar o assunto durante as aulas, com dicas de sinais que podem indicar que a criança trabalha e com procedimentos diante de um caso.
Rafael Dias Marquês, vice-coordenador da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do MPT, ressalta a importância de se trabalhar o tema dentro da sala de aula, já que há “um dogma cultural que acredita ser bom para as crianças trabalharem”. “Por ser um componente cultural, devemos debater em sala de aula para mostrar justamente o contrário”, declara.
São diversos os danos causados pelo trabalho infantil. Desde consequências psicológicas – como em casos de exploração sexual, plantio e tráfico de entorpecentes e situações de trabalho escravo – até problemas físicos graves e permanentes. No trabalho doméstico, a criança está sujeita a queimaduras, cortes, quedas, exposta a produtos químicos que podem trazer problemas respiratórios e alergias. “Há crianças de cuidam dos irmãos menores e podem ter um comprometimento sério com na coluna, já que estão em fase de formação”, explica Cynthia Ramos, da OIT.
O programa “MPT na Escola” teve início com a convocação dos gestores municipais – em outubro de 2009, por meio das Procuradorias Regionais do Trabalho (PRTs), para a assinatura de um Termo de Compromisso, no qual se prontificam a executar o projeto por meio das Secretarias de Educação.
“Foram realizadas oficinas de formação com os coordenadores indicados pelo município sobre o tema, com orientações sobre como utilizar os materiais. Depois, as informações foram repassadas aos professores e diretores das escolas. A etapa atual é a de trabalhar o tema em sala de aula”, explica Rafael. O projeto termina em junho de 2010, na Semana de Combate ao Trabalho Infantil, ocasião em que serão divulgados os trabalhos feitos pelos alunos que participaram do “MPT na Escola”.