A editoria especial do JCN desta sexta-feira destaca a crise global e crescente dos resíduos plásticos e conclama a participação de todos para a urgente criação e implementação de políticas públicas locais e internacionais visando à redução da produção de plásticos
A crise dos resíduos plásticos configura-se em uma das maiores ameaças ambientais do nosso tempo, um desafio que atravessa fronteiras, impactando ecossistemas terrestres e marinhos, a saúde humana e todo o equilíbrio climático do nosso planeta. Um relatório do Center for Climate Integrity (CCI – Centro para a Integridade Climática, em português), divulgado há menos de dez dias, apresenta décadas de desinformação perpetrada pelas indústrias petroquímicas e de plásticos, e é um chacoalhão para que os países do mundo cheguem o quanto antes a uma versão definitiva do Acordo Global sobre os resíduos plásticos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Por décadas, essas empresas promoveram o discurso de que a reciclagem de plásticos era uma solução viável para a gestão de resíduos, mas o relatório do CCI e outras análises comprovam que eles estavam plenamente conscientes todo esse tempo de que a reciclagem técnica e economicamente viável em escala global era uma promessa impossível de cumprir. Como consequência, vimos um aumento exponencial dos resíduos plásticos que se acumulam em nosso planeta, e pior: essa mentira desviou a atenção de soluções mais sustentáveis.
Os dados são alarmantes: entre as décadas de 1950 e 2015, geramos 6,3 bilhões de toneladas métricas de resíduos plásticos, um número que, se mantivermos a escalas atuais de produção, saltará para 26 bilhões de toneladas métricas até 2050 – parece muito tempo, mas duas décadas e meia passam muito rápido, especialmente em um cenário muito preocupante de emergência climática.
Os plásticos, em suas diversas formas, incluindo microplásticos, estão invadindo todos os cantos do nosso planeta, da atmosfera às profundezas dos nossos oceanos, afetando a formação de nuvens e a biodiversidade marinha, e chegando até mesmo a contaminar o corpo humano. Microplásticos foram encontrados na placenta, em vários órgãos do copo humano, em peixes e a maioria dos organismos marinhos e em nuvens na alta atmosfera.
O relatório do CCI não apenas destaca a extensão do engodo perpetrado pelas indústrias do setor, mas aponta para o urgente fortalecimento das políticas públicas e regulamentações que visem à redução da produção e uso de plásticos e à promoção de alternativas sustentáveis que superem a utilização desses materiais.
Ao passo em que o Brasil elabora suas contribuições para o Acordo Global de Plásticos da ONU, o que deve incluir a definição de critérios técnicos para identificar os tipos mais problemáticos e promover a educação ambiental, a reciclagem e o reuso, a comunidade científica, incluindo nós da SBPC, tem um papel crucial a desempenhar também.
É imperativo que continuemos a pesquisar e divulgar os impactos da poluição por plásticos, apoiando iniciativas que busquem soluções viáveis. Além disso, devemos ser defensores ativos de uma mudança sistêmica, que aborde o problema em sua raiz, incluindo o desenvolvimento de alternativas, o fomento à economia circular e a defesa de políticas rigorosas de redução de resíduos e sua implementação plena.
Precisamos da ação coletiva e de soluções inovadoras para enfrentar a crise dos resíduos plásticos. Estes são passos importantes, mas apenas o início do que precisa ser um esforço global concertado na construção de uma sociedade sustentável.
Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC
Paulo Artaxo, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC
Veja as notas abaixo do Especial da Semana – Resíduos plásticos
The Guardian, 15/02/2024 – “Eles Mentiram”: produtores de plásticos enganaram público sobre reciclagem, revela relatório
Center for Climate Integrity, 15/02/2024 – Novo relatório defende ação judicial contra fraude na reciclagem de plástico
Valor, 15/01/2024 – Superabundância de petroquímicos faz plástico novo ser mais barato do que reciclado
Yale Environment 360, 01/02/2024 – Os microplásticos estão enchendo os céus. Será que eles afetarão o clima?
Galileu, 21/02/2024 – Estudo encontra microplástico em mais de 60 amostras de placentas humanas
Earth.Org, 10/01/2024 – Um litro de água engarrafada contém cerca de 240 mil partículas de plástico, revela novo estudo
Euro News, 02/10/2023 – Poeira tóxica dos pneus: esta fonte de poluição por microplásticos pode ser a pior de todas
Capes, 15/02/2023 – Cientista encontra rochas de plástico na Ilha da Trindade
G1, 09/02/2023 – Pesquisadores descobrem rochas de plástico no arquipélago quase inabitado mais distante do litoral brasileiro
Agência Brasil, 25/01/2023- Estudo encontra rochas compostas de plástico na Ilha da Trindade
Jornal da USP, 12/07/2023 – Poluição plástica em recifes profundos é generalizada e preocupa biólogos
Folha de S. Paulo, 12/07/2023 – Plástico já chegou a 92% dos recifes de corais oceânicos, revela estudo
ClimaInfo, 20/06/2023– Poluição plástica prejudica mais de 92% dos recifes de corais do planeta
Valor, 04/10/2023 – Poluição plástica em oceanos pode causar prejuízo de US$ 100 bilhões
Terra, 10/01/2024 – Plástico reutilizável pode reduzir lixo que vai para os oceanos em 20% ao ano, aponta relatório
Giz-UOL, 26/01/2024 – Proibir sacolas de plástico elimina o uso de 6 bilhões de sacolas por ano, diz estudo
Público.pt, 09/11/2023 – Podemos reduzir o lixo plástico em 89% até 2040 com a ajuda da inteligência artificial
O Eco, 15/12/2023 – Por dentro dos bastidores do Tratado Global contra Poluição Plástica: estamos mesmo no meio do caminho?
Agência Brasil, 08/12/2023 – Brasil prepara sugestão de ações para diminuir efeitos do plástico
Poder 360, 27/11/2023 – Lobby do petróleo, tratado dos plásticos e COP28