Pandemia causa “efeito devastador” na saúde mental

Para enfrentar o “efeito devastador” que a pandemia de covid-19 teve na América Latina, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) recomenda incluir cuidados de saúde mental nos seguros de saúde e redirecionar itens do orçamento aos hospitais psiquiátricos para serviços baseados na comunidade.

Os autores de uma pesquisa da Opas publicada na revista The Lancet Regional Health apontam que os transtornos que mais aumentaram foram ansiedade e depressão, enquanto um terço dos pacientes com covid-19 foram diagnosticados com problemas neurológicos ou mentais. Esta avaliação coincide com as de outras fontes e especialistas consultados pela SciDev.Net, que revelam uma drenagem adicional de recursos cognitivos e um aumento nos índices de violência doméstica na região, principalmente contra mulheres e crianças, o que agrava os índices de violência latino-americana, que já é três vezes a média mundial.

Segundo a Opas, os sistemas de saúde mental devem ser fortalecidos imediatamente, com foco na atenção primária, educação e serviços sociais, além de treinar trabalhadores na detecção e gestão de transtornos mentais e melhorar a infraestrutura dos serviços de telemedicina. Como o vírus afeta o sistema nervoso central, espera-se que uma proporção de pessoas também seja comprometida nesse sentido, explicou a agência à SciDev.Net em e-mail institucional.

Segundo a pesquisa do The Lancet, a pandemia contribuiu para a exacerbação dos sintomas de saúde mental entre indivíduos com doenças pré-existentes. Isso os coloca “em um grupo mais vulnerável, como pessoas com diabetes, hipertensão e outras doenças crônicas”, acrescentaram fontes da Opas.

Saúde mental

Um ano após o início da pandemia, 45% dos adultos nas Américas já relataram deterioração em sua saúde mental e emocional. Num momento em que os tratamentos são mais necessários do que nunca, a agência expressa a sua preocupação de que entre janeiro e março deste ano tenham sido detectadas interrupções dos serviços de saúde mental em 60% dos países. Esta emergência é exacerbada por mecanismos de proteção social fracos, sistemas de saúde fragmentados e profundas desigualdades.

“Os gastos com saúde mental na região, que são em média 2% do total em saúde, costumam ser inadequados”, enfatiza a publicação, acrescentando que desse percentual, 61%, se destina a hospitais psiquiátricos.

O relatório menciona quatro países da região que realizaram estudos e publicaram os resultados, mas fontes da Opas esclareceram à SciDev.Net que “até agora não é possível compará-los com outros países”.

No Peru, a prevalência de sintomas depressivos (34,9%) durante a quarentena de 2020 foi cinco vezes maior do que em 2018. As taxas de depressão (61%) e ansiedade (44%) no Brasil também foram altas, assim como os sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (28%) no México. Na Argentina, outro estudo descobriu que a variável mais importante relacionada aos sintomas depressivos (relatada por 33% dos entrevistados) era o sentimento de solidão.

“Quando se tornam crônicos, uma desconexão tão forte é sentida que esses eventos nem sequer são registrados”, explica Adrián Yoris, um dos autores do estudo. “Isso tem um impacto direto nos estados de depressão, ansiedade e, em casos graves, suicídio”.

Os pesquisadores também registraram “desgaste cognitivo acentuado”, com pontuações baixas para variáveis ​​como concentração, memória e velocidade de processamento, e altas para fadiga mental, cansaço e sono. Repetindo as medições 72 dias depois, eles descobriram que não havia correlação direta entre o humor e os diferentes momentos da pandemia.

A reação inicial elevou os valores dos diferentes sintomas de saúde mental. Embora as infecções por covid-19 tenham se multiplicado posteriormente, esses números permaneceram estáveis. Alguns até diminuíram. “As pessoas processam informações exagerando o risco diante do desconhecido e potencialmente agressivo. Com o tempo, essa dinâmica não se sustenta e dados alternativos começam a ser incorporados, como a eficácia das vacinas”, explica Yoris.

Crianças, adolescentes e a escola

Em relação aos transtornos mentais, “os mais atingidos foram os menores de 26 anos, cujo cotidiano era marcadamente social”, confirma o neurocientista.

Em março de 2020, mais de 154 milhões de crianças na região estavam fora da escola devido à pandemia. Um ano depois, 114 milhões ainda não haviam retornado, segundo as Nações Unidas (ONU). Além das alterações no aprendizado e na socialização, os menores têm sofrido adversidades em suas famílias. Registros de linhas de atendimento telefônico e relatórios policiais de vários países da região indicam um aumento nos casos de violência doméstica.

Yoris argumenta que fortalecer as campanhas de comunicação é outra recomendação importante. “Seja em relação às vacinas ou à utilização de máscaras, costumamos decidir como nos comportar com base em crenças anteriores”, lembra.

Uma comunicação governamental e midiática responsável, capaz de alterar percepções errôneas, surge como um dos grandes desafios para o futuro.

Acesso ao relatório da Opas na revista The Lancet

Anexo: Bruno Cecim/Ag.Pará/Fotospublicas.com

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