Foto: John Bwakali
Os conflitos no Quênia
No dia 31 de Dezembro do ano de 2007 podemos observar a aflição do Queniano participante da corrida de São Silvestre quanto à situação de sua família em seu país, o Quênia, já que não havia estabelecido contato com a mesma, para entendermos melhor o que está ocorrendo por lá devemos recorrer a história, afinal o Quênia possuí um passado violento, desde de sua independência em 1963, a divulgação do resultado das eleições presidenciais do Quênia, realizadas no último dia 27 de dezembro, provocou protestos da oposição e mergulhou o país na pior onda de violência dos últimos anos. Centenas de pessoas morreram ou ficaram feridas em confrontos em diversas cidades do país e dezenas de milhares foram obrigadas a deixar suas casas para fugir da violência. Logo no início de 2008, os mortos no Quênia chegam ao número de 486.
O Quênia é a economia mais desenvolvida do Leste da África e é famoso entre os turistas por suas reservas e praias no Oceano Índico. O país faz fronteira com vizinhos mergulhados em conflitos, como a Somália, a Etiópia e o Sudão. Durante o primeiro mandato de Kibaki, a economia do país cresceu de maneira estável, mas muitos quenianos ainda não foram beneficiados por esse crescimento. Nas favelas superlotadas de Nairóbi, os moradores são obrigados a conviver com gangues violentas. As condições sanitárias são precárias e calamitosas. Não há esgotos, e os banheiros são substituídos por sacos plásticos, depois jogados pela janela. Essas são algumas das pessoas que esperavam que Odinga trouxesse mudanças para o país. Essas pessoas afirmam que Kibaki não manteve sua promessa de acabar com a corrupção, um problema que há anos atrasa o desenvolvimento do Quênia.
A política queniana foi muito influenciada pela questão étnica. Os membros do grupo étnico de Odinga, o Luo, concentrados principalmente no oeste do país e nas favelas de Nairóbi, votaram em sua maioria no “seu” candidato.Da mesma maneira, a maioria dos Kikuyus, que vivem principalmente na região central do Quênia, votou em Kibaki. A corrupção ainda é comum no Quênia, o que leva muitas pessoas a acreditar que ter um parente no governo pode trazer benefícios diretos, como um emprego no serviço público, como conhecemos por aqui,o chamado nepotismo. Em algumas regiões do país, há confrontos entre Luos e Kikuyus. Na década de 90, o partido Kanu foi acusado de incitar tensões étnicas e colocar seus grupos rivais uns contra os outros, mantendo-se desta maneira no poder.
A Comissão Eleitoral deu a vitória ao presidente, Mwai Kibaki, reeleito para um segundo mandato de cinco anos. No entanto, o principal candidato de oposição, Raila Odinga, contesta o resultado e afirma que houve fraude. Entenda o que aconteceu.
Um pouco da história do Quênia
O Quênia tem sido denominado por alguns antropólogos como o “Berço da humanidade”, pois lá foram encontrados os fósseis, os “restos” dos nossos antepassados mais primitivos. A partir do século VII começaram a chegar às costas do Quênia os comerciantes árabes e persas que terminariam fundando os “prósperos” portos comerciais. Esta influência se prolongou até o século XVI, quando os primeiros portugueses fizeram ato de presença, pouco depois de que Vasco de Gama dobrara o Cabo de Boa Esperança.
Durante os dois séculos seguintes os lusos dominariam as rotas comerciais do leste da África, após numerosas revoltas, foram derrotados pelos muçulmanos, retirando-se definitivamente em 1698.
A partir de 1880 iniciou-se a expansão européia pela África, sobretudo alemães e britânicos. Estes últimos fizeram do Quênia uma de suas colônias, apesar da forte oposição dos valorosos masais e dos kikuyus que seriam sufocados definitivamente em finais do XIX e princípios do XX, forçando estas tribos a abandonar suas terras e viver em reservas no sul do país. Nesse momento os ingleses consumaram a ocupação com a construção de grandes fazendas e uma linha ferroviária que percorria todo o país, também fundaram Nairóbi.
Alemães e britânicos dominaram à África durante a Primeira Guerra Mundial combatendo neste continente e servindo-se da habilidade dos nativos para esta guerra. Ao término da guerra, Tanganika, ou África Oriental Alemã, “passou” para o domínio britânico. Depois deste conflito bélico, começaram a florecer os movimentos voltados para a independencia. Depois da Segunda Guerra Mundial aumentaram os enfrentamentos entre os colonos e a população local. Nasceu um partido político com os kikuyus como máximos promotores e os mais radicais, sob o nome de Mau-Mau, e começaram a atentar contra as fazendas e as plantações. Esta revolta foi sufocada duramente pelo exército britânico em 1959, mas a situação mostrou que o Quênia não poderia mais ser governado pelos brancos e muitos colonos abandonaram o país. A administração colonial anunciou então a realização de eleições democráticas na Conferência de Lancaster celebrada em 1960 em Londres. Em Janeiro de 1960, o renomado advogado americano especialista em direitos civis, Thurgood Marshall, foi ao Quênia tentar uma mudança de leis em um novo contexto. Marshall foi convidado por Tom Mboya, um jovem líder nacionalista queniano, para ajudar seus compatriotas nas negociações sobre uma nova constituição para o Quênia. Marshall havia conseguido uma mudança de lei histórica nos Estados Unidos, sobre a inconstitucionalidade da segregação racial em escolas públicas. As leis na África, no entanto, eram completamente novas para ele.
Marshall encontrou um cenário político tenso, o governo colonial do Quênia havia reagido ao movimento de resistência Mau-Mau decretando estado de emergência, prendendo o principal líder nacionalista, Jomo Kenyatta e restringindo a organização política. Apenas em 1960, dezessete nações africanas conseguiriam a independência, e em janeiro deste mesmo ano o governo britânico sediou uma conferência, na qual, pela primeira vez, africanos quenianos tomaram parte nas negociações constitucionais, representando um passo rumo à independência (Lancaster).
12 de dezembro de 1963: O Quênia se torna independente da Grã-Bretanha, depois da sangrenta rebelião nacionalista dos Mau-Mau.
Em 1963 celebram-se as primeiras eleições livres do país com dois partidos importantes, o KANU, União Nacional Africana do Quênia, partidário de um governo unitário e o KADU, que preferia o federalismo. Marshall e Mboya foram a Kiambu, fora de Nairóbi, para se reunir com líderes nacionalistas. Muito embora tivessem recebido a permissão exigida para a reunião, uma autoridade colonial impediu a participação de Marshall. Esse imprevisto auxiliou Marshall em sua avaliação das dificuldades que os africanos vinham enfrentando diariamente sob as normas coloniais. Em uma declaração à imprensa, Marshall afirmou: “chegou a hora da independência e da liberdade para o Quênia”. “Essas pessoas já agüentaram demais”, escreveu à sua esposa, “e não estão dispostas a tolerar mais nada”.
Mais tarde, Marshall e um grupo de líderes nacionalistas deixaram o Quênia para participar da Conferência de Lancaster House, em Londres, sobre a Constituição do Quênia. Quatro delegações estavam presentes. Elas representavam os nacionalistas africanos; um partido só de brancos; indígenas asiáticos – grupo minoritário no Quênia; e um grupo racial misto. Marshall era o único presente que não era britânico nem queniano.
Os conferencistas chegaram a um acordo preliminar sobre direito de voto e representação africana majoritária na legislatura. Isso fez com que a questão da proteção dos direitos das minorias se tornasse notadamente importante. Na conferência, o líder nacionalista Ronald Ngala disse que “a melhor forma de salvaguarda para todas as raças no Quênia seria uma Declaração de Direitos imposta por um judiciário independente”. Ele anunciou que Marshall, “especialista em minorias e direitos civis, havia sido contratado” pelo seu grupo para elaborar uma proposta de Declaração de Direitos.
A Declaração de Direitos de Marshall oferecia uma visão idealizada de direitos que continha algumas proteções não incluídas no direito constitucional americano. O preâmbulo frisava que “todas as pessoas são iguais perante a lei”, e proibia a discriminação com base em raça, cor, sexo, religião e outros fatores. Indicava direitos que garantissem a liberdade de religião, de expressão e de imprensa; direito de não ser escravizado ou privado de liberdade; e direito ao voto. Direitos de bem-estar social, desconhecidos no contexto dos EUA, foram explicitados: direito à saúde, educação e bem-estar social e direito ao trabalho, inclusive “remuneração justa e favorável garantindo… uma existência à altura da dignidade humana”.
O texto que garantia direitos de propriedade provou ser o mais controvertido. Propriedade era uma questão de intenso conflito no Quênia. As terras mais valiosas haviam sido originalmente tribais e agora eram propriedades exclusivas de colonizadores brancos. Os colonizadores acreditavam que seus direitos de propriedade deveriam ser protegidos, mas os nacionalistas queriam a reforma agrária e reassentamento. Marshall recomendou que as disposições da Constituição nigeriana fossem adaptadas às condições do Quênia. O confisco de propriedade privada pelo governo poderia ser feito apenas para fins públicos e exigiria compensação justa. A intenção era proteger a minoria dos colonizadores de abusos do governo.
Um argumento irrompeu no comitê: Que “finalidade pública” permitiria o confisco de terras pelo governo? Alguns colonizadores brancos queriam essa explicação redigida de maneira bem clara. Mas isso exigiria que os africanos desenvolvessem uma política de reforma agrária de imediato; o que eles não estavam em condições de fazer. As diferenças sobre essa questão eram muito profundas, para serem resolvidas em Lancaster House, e a reunião terminou deixando o assunto em aberto. Mais tarde, um esquema de compra de terras com financiamento do Banco Mundial suavizou a pressão para a resolução da questão dos direitos de propriedade, permitindo que as negociações constitucionais subseqüentes focassem outros temas.
Em 1963, Marshall retornou como convidado do primeiro-ministro Kenyatta para as cerimônias de independência do Quênia.A vitória do KANU supôs a independência do Quênia, dentro do âmbito da Commonwealth, e a conversão do país em uma República em 1964 com Jomo Kenyatta como presidente. Com este passo se logrou que a convivência entre nativos e europeus seria pacífica e muitos brancos continuaram residindo no país, ocupando, sobretudo, postos administrativos.
O governo queniano teve que enfrentar os problemas de uma economia fraca, tendo a reforma agrária como principal problema a ser resolvido. O maior objetivo era a industrialização, que continuou pendente. O governo, encabeçado por kikuyus, começou a ser criticado, especialmente pelos seus rivais, os luos que pediam uma participação mais ampla. Surgiram algumas denúncias de corrupção e os assassinatos de líderes populares em 1975, mas Kenyatta se prendeu ao poder transformando-se em um verdadeiro ditador. Com a sua morte em 1978 inicia-se a “Harambee” (“tirar juntos”).
Novembro de 1978: as autoridades revelam um complô para assassinar vários dirigentes, entre eles o presidente do país, Daniel Arap Moi, e o então vice-presidente Mwai Kibaki. O caso foi arquivado um ano depois
Os luos conseguiram participação no governo, mas as pequenas tribos não se sentiram representadas, ainda que o novo presidente, Daniel Arap Moi, pertencesse a uma delas, os kalejin. O novo governo iniciou então uma luta contra a corrupção e a tentativa de melhora das relações internacionais. Em 1º de agosto de 1982: soldados e suboficiais da aviação tomaram a rádio nacional e anunciaram a derrubada do governo. As tropas leais a Moi arrasaram a rebelião. O saldo oficial foi de 159 mortos, mas fontes diplomáticas falaram em mais de 500. Em 1983 Daniel Arap Moi foi reeleito. No mês de Fevereiro de 1984, as forças de segurança intervieram no nordeste do país, após enfrentamentos entre os membros da etnia somali: 57 mortos oficiais e 300 segundo fontes locais. Em 1987 reformou-se a Constituição. No ano de 1988, mas precisamente no mês de Setembro, as autoridades denunciaram uma conspiração com o apoio da Líbia para derrubar o regime de Moi. Fevereiro-julho de 1990:mais uma onda de protestos com enfrentamentos, manifestações violentas e inúmeras prisões em favor do multipartidarismo, que se restabeleceu no final de 1991, e ainda no cargo, Moi, aboliu a disposição que consagrava o sistema de partido único. No dia 29 de dezembro de 1992, Moi foi eleito presidente no primeiro turno de eleições marcadas pela divisão da oposição e precedidas por violências de caráter étnico, que deixaram centenas de mortos na região do vale do Rift. Nos meses de Agosto à outubro de 1997 ocorreram centenas de mortes em distúrbios de caráter político-étnico em Mombasa, a segunda cidade do país e o principal porto de toda a África Oriental.
No ano de 1998 Janeiro à fevereiro mais de 127 pessoas foram mortas em novas violências étnicas no vale do Rift. Em 7 de agosto de 1998: a explosão de uma bomba na embaixada americana em Nairóbi deixou 213 mortos e 5.000 feridos.28 de novembro de 2002: 18 mortos em um atentado antiisraelense perto de Mombasa (sul).3 e 7 de julho de 2004: primeiras manifestações contra o presidente Mwai Kibaki, no poder desde o fim de 2002. 25 de janeiro de 2005: Kibaki promete acabar com os confrontos entre clãs pelo acesso à terra e à agua que deixaram pelo menos 47 mortos em um mês.
12 e 14 de julho: pelo menos 82 mortos nos atos de violências entre etnias rivais em Borana e Gabra (nordeste). 4 de junho de 2007: a polícia executa uma ampla operação de repressão contra a seita proibida Mungiki, acusada de uma série de assassinatos. 17 de dezembro: a comissão nacional dos direitos humanos anuncia a morte de 70 pessoas desde julho em uma onda de violência pré-eleitoral. 27 de dezembro: data das eleições gerais. Após o anúncio da reeleição de Kibaki, que a oposição contesta, mais de 300 pessoas morrem em seis dias em uma nova onda de violência.
O presidente Mwai Kibaki foi eleito em 2002 com a promessa de mudança, encerrando 40 anos de domínio de um único partido, o Kanu, no governo.As eleições de 2002 foram largamente elogiadas, depois de votações anteriores marcadas por alegações de irregularidades e violência étnica. O presidente do Quênia na época, Daniel arap Moi, concordou em deixar o poder depois de 24 anos de governo. O candidato apoiado pelo presidente também aceitou a derrota. No entanto, nas eleições atuais a impressão é de que o Quênia retrocedeu. Observadores da União Européia criticaram o pleito e disseram que alguns dos resultados divulgados na capital, Nairóbi eram diferentes dos apurados nos distritos eleitorais. Em algumas regiões, o número de votos foi maior do que o número de eleitores registrados.
No início da semana li em um jornal que um comunicado do ministério de Programas Especiais contabilizou além dos 486 mortos também 255 mil desalojados devido aos conflitos. Os números foram reunidos por um comitê especial de serviços humanitários, que percorreu as áreas mais afetadas pela violência, saques, incendios,pessoas queimadas vivas dentre outras atrocidades. A oposição do Quênia anunciou a suspensão de uma manifestação que seria realizada na terça-feira em Nairóbi para permitir que haja negociações “em paz e harmonia” a fim de resolver a grave crise que atinge o país. O líder da oposição, Raila Odinga, afirmou em entrevista coletiva que o partido está disposto a se sentar para negociar “a partir de agora”, levando em conta que o governo aceitou a mediação do presidente da União Africana, John Kufuor, chefe de Estado de Gana. “Anulamos a manifestação prevista para amanhã para poder trabalhar e negociar em um ambiente de paz e harmonia”, afirmou o líder da oposição. “Estamos dispostos a nos sentar para negociar a partir de agora”, acrescentou. Os distúrbios começaram depois da vitória eleitoral do atual presidente, Mwai Kibaki. Odinga contesta o resultado e afirma que houve fraude. O impasse despertou conflitos étnicos, uma vez que dois grupos tribais rivais apoiaram cada candidato. Os Luo são favoráveis a Ludinga e os Kikuyus defendem o presidente reeleito.
Odinga e seus apoiadores esperam ser conduzidos ao poder pela força do povo nas ruas.No entanto, as autoridades já estão em alerta na capital e deverão reforçar a segurança.Odinga tem também a opção de entrar com um recurso legal contra o resultado das eleições. Mas como Kibaki foi empossado imediatamente após a divulgação do resultado oficial, são poucas as chances de que essa alternativa trouxesse resultados para o candidato derrotado.
A pressão internacional foi crucial para que o ex-presidente Daniel arap Moi deixasse o poder após as eleições de 2002. O Fundo Monetário Internacional suspendeu a ajuda financeira ao país devido à preocupação com a corrupção.A União Européia e a Grã-Bretanha criticaram o processo eleitoral. Os Estados Unidos, que já receberam algumas vezes ajuda do governo queniano em sua luta contra extremistas islâmicos na vizinha Somália, fizeram críticas menos veementes. A pressão internacional sobre o Quênia só vai ter resultado se as principais potências mundiais se unirem e estiverem determinadas a agir.
Referências:
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/
http://jc.uol.com.br/2007/12/31/not_157877.php
http://jbonline.terra.com.br/extra
http://www.correiodobrasil.com.br/noticia.asp?c=131744