“Sou humilde e orgulhoso, sinto e reclamo respeito, embaixo de mim, o cavalo; sobre mim, meu chapéu”. Atahualpa Yupanqui. Coplas de Baguala.
Em uma conferência de imprensa realizada no dia 15 de maio de 2009, o presidente da Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (AIDESEP), Alberto Pizango Chota, declarou que não reconhece a autoridade do presidente Alan García para violar a Constituição do Peru, com a promulgação de duas leis e sete decretos legislativos, que permitem o rastreamento e a exploração por capitalistas dos recursos naturais amazônicos em territórios das comunidades nativas, apropriando-se de suas terras sob diversos mecanismos – entre eles a concessão. Ademais, infringem o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho, pelo qual o Estado deveria informar e consultar as comunidades quanto a convênios e contratos com empresas transnacionais e outras que desejem apropriar-se de territórios pertencentes aos nativos amazônicos. O Peru ratificou o Convênio 169 OIT em 1993 através da Resolução Legislativa nº 26253.
As leis e decretos legislativos foram elaborados por pessoas que desconhecem a realidade dos habitantes da selva peruana, foram promulgados abruptamente sem ter levado em conta a opinião das comunidades amazônicas, com o objetivo de adequar a normatividade peruana ao Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, facilitar a espoliação dos recursos naturais por parte das transnacionais do petróleo, da madeira, e da indústria farmacêutica, apropriando-se do conhecimento ancestral em todos os campos, patrimônio destas comunidades.
Presidente, ministros e congressistas enganam as comunidades amazônicas.
“Eu perguntei à verdade e a verdade me mentiu. E se a verdade me mente em que posso fiar-me?”. Atahualpa Yupanqui, Coplas de Baguala.
Desde o dia 9 de abril os povos amazônicos vêm paralisando as atividades na região, ocupando estradas e exigindo a supressão das leis e decretos mencionados. Nas manifestações e ocupações participam milhares de indígenas. Contra eles está o governo da aliança APRA-Fujimorismo-Unidade Nacional, que em resposta somente cogita declarar o Estado de Emergência nas regiões do oriente peruano. Se isto ocorrer, os direitos fundamentais das pessoas ficarão suspensos, o que será o primeiro passo para declarar ilegal a paralisação e logo desatar uma grande repressão, para a qual já deslocaram para o local milhares de policiais, soldados e comandos da marinha. Seguramente contarão com o apoio da base militar, instalada na região Ayacucho, do Comando Sul dos Estados Unidos.
As mesas de diálogo fracassaram por causa dos ouvidos surdos e os olhos cegos do presidente Alan García, fanático aprista [membro da conservadora Aliança Popular Revolucionária Americana] neoliberal. O primeiro ministro Yehude Simon, se seguir no ritmo que está, baterá o recorde de seu predecessor no cargo, o congressista Jorge del Castillo, em acordos descumpridos e viagens de turismo. E com sua submissão ao Executivo, os congressistas confirmaram que o Congresso da Sra. Susy Díaz não foi o pior da história do Peru. Tanto o Executivo como o Congresso responderam aos representantes da AIDESEP que não anularão os dispositivos legais em questão.
Cansados de esperar, os indígenas declararão seu próprio Estado de Emergência nos territórios de suas comunidades. As medidas que adotarão em conformidade com esse acordo são um mistério, mas os povos são sumamente criativos. As duras declarações de Pizango contra as petroleiras, madeireiras e mineradoras indicam que os indígenas não darão um passo atrás.
Entretanto, há que se alertar à comunidade nacional e internacional da possibilidade de um massacre na selva, ao estilo de outros países latino americanos.
Um desenvolvimento diferente
“O homem contemporâneo sente a imperiosa necessidade de um mito. O ceticismo é infecundo e o homem não se conforma com a infecundidade”. José Carlos Mariátegui, La Chira. El alma matinal.
A conferência de imprensa das comunidades indígenas dos povos amazônicos não se limitou ao tema dos dispositivos ilegais; tocaram em assuntos além dos que eram esperados. Um deles é o do desenvolvimento. O pronunciamento da AIDESEP mostra-se muito mais avançado que a própria plataforma da CGTP [Confederação Geral dos trabalhadores do Peru] apresentada para a próxima Paralisação Nacional – uma organização que tem oitenta anos de existência e que deve convocar um Congresso Programático do sindicalismo peruano. Os povos indígenas têm se autoexcluído do modelo de desenvolvimento capitalista. Perguntavam aos jornalistas presentes e ao público nacional e internacional pontos que os colocam na vanguarda do movimento mundial: de que nos servem os telefones celulares, a televisão a cabo, a eletricidade, as estradas, um trabalho em uma transnacional, etc., se a exploração dos recursos naturais, o petróleo, a madeira, o ouro destroem o meio em que vivemos, nos tiram nossa dignidade, nossas terras, desintegram nossas famílias? Não estamos contra o desenvolvimento. Estamos contra esse tipo de desenvolvimento.
O amauta [sábio, em quéchua] José Carlos Mariátegui, analisando a alma da geração anterior à guerra, considerou que o bem-estar material, a potência física das cidades, haviam engendrado um respeito supersticioso pela ideia do Progresso. A humanidade parecia ter descoberto uma via definitiva. Conservadores e revolucionários aceitavam, na prática, as consequências das teses evolucionistas. A geração atual sente fanatismo e superstição pela ideia do desenvolvimento capitalista, pelas ideias de crescimento e democracia representativa. Mas além do Peru profundo, cruzando os Andes, na Amazônia, os povos selvagens – para os ocidentais – compreendem que o desenvolvimento capitalista somente traz desolação; estes povos o deixaram de venerar. Ou simplesmente, nunca o veneraram.
A humanidade está obrigada a fazer uma pausa, a entrar em um retiro espiritual, para repensar o caminho a seguir, para se fixar em novos objetivos, novas formas de organização social, se como espécie não quiser desaparecer. O capitalismo é culpado do desaparecimento de milhões de espécies. De 100% de espécies vivas que povoavam a terra somente resta 1%. É certo que nem todas foram extintas nos 400 anos de capitalismo; os períodos de extinção massiva natural são também responsáveis por uma alta porcentagem; mas somente na era do capitalismo é que os burgueses conscientemente buscam a exterminação de milhares de espécies com o intuito de obter lucros nas suas empresas – empresas estas que, por onde passam, não volta a crescer a vegetação. Conscientemente, os capitalistas conduzem a extinção de sua própria espécie, a humanidade.
Por freio à febre de lucro do capital para evitar a extinção da humanidade é a tarefa mais importante; o primeiro passo já deram os indígenas da selva peruana, que transformaram o sentido de indígena, assim como a história transformou os termos bárbaro e Atila.
(tradução de Rodrigo Oliveira Fonseca para Agencia Nova Colômbia )