Tais como os mitos, as lendas populares são histórias que têm raízes longínquas. Elas foram transmitidas século após século, quer pela via oral, quer pela escrita. E aqueles que as decoraram (“de-cor”, na acepção do que é apreendido pelo coração) e seus compiladores contribuíram, significativamente, para resgatar uma parcela do imaginário humano.
Há quase quatrocentos anos, Giambattista Basile usou o dialeto napolitano para remanejar conteúdos originários de novelas, de mitos, de jargões, de poemas cômicos, de histórias antigas e de momentos de seu povo, principalmente aquele da região de Nápoles, para organizar uma coletânea de histórias populares que ele intitulou de “Lo cunto de li cunti, ovvero lo trattenemiento de peccerille” (“Conto dos contos, o entretenimento para pequenos”).
Basile, homem de seu tempo, se inclina claramente pelos princípios renascentistas seguindo um raciocínio lógico, dentro de uma retórica primorosa, associado à ética cristã. No entanto, certo “cultismo barroco” será o responsável pelo uso da linguagem rebuscada, culta, extravagante, repleta de jogos de palavras e do emprego abusivo de figuras de estilo. E a organização de cada composição tem por intuito sempre o convencer e ensinar, enquanto as figuras de estilo mais comuns nos textos reforçam a tentativa de realizar a apreensão da realidade por meio dos sentidos.
Muitas das fábulas partem da situação de miséria, da fome e da falta de trabalho e das perspectivas pessoais de muitos dos personagens. E essas situações são uma espécie de trampolim para o salto no mavioso, um elemento de contraste com a realeza e o sobrenatural.
Giambattista Basilese está inserido nos experimentos de intelectuais interessados em resgatar as tradições culturais de seus povos, e o realiza numa linguagem capaz de revelar os grandes tesouros da sabedoria popular.
Sua produção literária ademais do “Lo Cunto de li cunti”, incluiu “A musa napolitana” além de várias odes, poemas, canções e composições para a corte.
“Lo Cunto de li cunti”, também denominado “Pentamerone”, foi a primeira grande coleção europeia de contos maravilhosos. O trabalho é estruturado dentro de uma história-quadro no seio da qual se organizam cinco jornadas narrativas protagonizadas por dez contadoras.
Charles Perrault, no final do século XVII, teve como base Basile para criar um conjunto de fábulas a serem contadas na corte de Luís XIV, como é o caso de “A Bela Adormecida”, de “O Gato de Botas” e da “Cinderella”. Do mesmo modo, as versões dos Irmãos Grimm para “A Bela Adormecida” e “Rapunzel”, dentre outras, possuem uma clara influência direta de “Lo Cunto de li cunti”.