A capacidade de unir os movimentos sociais e entidades os mais diversos é um dos maiores méritos do processo Fórum Social Mundial, e para isso contribui muito o “método FSM”, que faz do Fórum um processo livre de debate e um espaço aberto de articulação mundial antineoliberal e antiimperialista. O FSM em Mumbai uniu, talvez de forma inédita, os movimentos sociais da Índia com as mais distintas orientações políticas.
O 4° Fórum Social Mundial confirmou a tendência de acentuar sua característica antiimperialista e de defesa da paz, em um momento de maior agressividade do imperialismo. O Fórum de Mumbai combinou ampliação e radicalização, foi mais participativo, plural, e politizado que os anteriores.
Desde as mobilizações de Seattle, nos EUA, em 1999, contra a “mercantilização do mundo”, que combateram os acordos da Organização Mundial do Comércio, a OMC, e as transnacionais, até a extraordinária e sincrônica mobilização mundial de 15 de fevereiro do ano passado, outro marco importante da luta contra a globalização neoliberal, houve um avanço da consciência antiimperialista. De acordo com a Rede Mundial de Movimentos Sociais atualmente as maiores mobilizações mundiais, e até mesmo regionais e nacionais, são contra a guerra imperialista, mais do que contra os acordos da OMC (esta avaliação consta do relatório da reunião da Rede Mundial de Movimentos Sociais realizada em Paris, em 17 de novembro de 2003).
Do 1º FSM em 2001 ao 4º FSM há uma crescente necessidade de discutir estratégias e alternativas, indo mais além do diagnóstico e da crítica de neoliberalismo e do imperialismo. Aprofundando uma marca que já foi do 3º FSM, este 4º Fórum focalizou seu alvo de ataque no imperialismo dos EUA, mais precisamente no governo de George W. Bush e em sua política guerreira.
Como se sabe, o FSM não pode, pela sua Carta de Princípios, emitir uma declaração final, definir diretrizes e orientações ou definir uma agenda de mobilizações enquanto FSM. Somente as redes, campanhas e articulações participantes do FSM podem fazê-lo, mas não em nome do FSM. Por isso foi criada, em janeiro de 2003 em Porto Alegre, a Rede Mundial de Movimentos Sociais, a principal organizadora da exitosa mobilização de 15 de fevereiro de 2003, que repercutiu fortemente neste FSM. A Aliança Social Continental, que coordena a campanha continental contra a Alca, e que vem realizando encontros anuais em Havana, Cuba, também faz parte da Rede.
Reunida em quatro assembléias de ativistas durante o 4º FSM, a Rede dos Movimentos Sociais aprovou nova declaração política em Mumbai e convocou todos os movimentos sociais para realizar maciças manifestações pela paz, contra a guerra imperialista e pela retirada das tropas de ocupação do Iraque no dia 20 de março, data em que completa um ano a invasão do Iraque.
A capacidade de unir os movimentos sociais e entidades os mais diversos é um dos maiores méritos do processo Fórum Social Mundial, e para isso contribui muito o “método FSM”, que faz do Fórum um processo livre de debate e um espaço aberto de articulação mundial antineoliberal e antiimperialista. O FSM em Mumbai uniu, talvez de forma inédita, os movimentos sociais da Índia com as mais distintas orientações políticas. O Comitê Organizador Indiano, com dezenas de organizações, também dá uma lição para o próximo FSM em Porto Alegre, já que nos três primeiros a organização ficou por conta de apenas oito organizações brasileiras.
Na relação partidos e movimentos sociais é preciso estabelecer parâmetros. O Fórum Social Mundial, por natureza e definição, é um espaço dos movimentos sociais e ONGs e deve ser respeitado enquanto tal, assim como o Fórum de São Paulo é um espaço de partidos políticos. Os partidos podem participar do FSM na qualidade de conferencistas, convidados e observadores.
Dito isso, é claro que grande parte dos ativistas e das lideranças dos movimentos sociais são ao mesmo tempo militantes e dirigentes partidários, e não precisam e nem devem esconder a sua condição de membros de partidos políticos.
Valorizar o que une os participantes do Fórum Social Mundial é fundamental, mas não menos importante para os marxistas é contribuir com o debate e participar ativamente da fraternal luta de idéias que acontece no processo FSM.
Para Sitaram Yechury, dirigente do PCI(M) que foi painelista no FSM, o surgimento e o crescimento do Fórum “refletiu o desejo de muitos movimentos de massas em diversos países que reconhecem a necessidade de ações globais contra a globalização imperialista. Conseqüentemente, seria errado concluir que o FSM representa uma tentativa homogênea de oferecer uma alternativa à globalização imperialista”. Nesse sentido, o FSM é tanto um espaço aberto quanto um espaço de disputa de idéias, do qual os comunistas devem participar. Para o indiano “foi esta participação comunista que radicalizou grandemente o movimento contra a globalização e se opôs às tentativas das forças social-democratas de homogeneizar as lutas contra a globalização”.
Segundo o editorial de 25 de janeiro deste ano do People’s Democracy, jornal do PCI(M), o Fórum, além de uma plataforma unitária dos que lutam contra a globalização neoliberal e imperialista, é também “um campo de batalha de debates ideológicos na questão da alternativa à globalização imperialista”. O jornal identifica quatro tendências mais importantes no processo FSM: “social-democratas; ONGs; anarquistas, trotsquistas etc; e os comunistas. Algumas das melhores cabeças e personalidades do mundo destas tendências participaram dos debates”. Entre a as ONGs a que se refere o editorial estão as que recebem financiamento do exterior, e que compartilham, conscientemente ou não, a orientação do Banco Mundial.
Cresce a compreensão, desde o 1º FSM até aqui, de que é necessária uma convivência frutífera e uma ampla e sólida unidade entre os partidos anti-neoliberais e antiimperialistas e os movimentos participantes do FSM. Antonio Martins, da ATTAC-Brasil e membro da Secretaria Internacional do FSM, propôs unir e articular “tanto os ‘novos movimentos’ quanto as lutas sociais históricas -em especial as do mundo do trabalho- e os partidos políticos”.
Houve muitas outras propostas de aproximação e de cooperação política entre os partidos e os movimentos sociais, para o que a realidade política indiana ajudou. Na Índia a esquerda tem forte presença nos movimentos sociais e a esquerda é em sua maior parte comunista.
Ricardo Abreu – Alemão, Economista e Secretário de Juventude do Comitê Central do PCdoB.
[Artigo tirado do ‘Diário Vermelho’ do Brasil, 1 de maio de 2004]