Leia Cobertura completa do Encontro Pan-Amazônico de 14 a 17 de Julho de 2009
Duas mesas destacadas na programação dos dias 15 e 16, sobre racismo e machismo, foram particularmente importantes para que movimentos, organizações e comunidades presentes ao Encontro de Belém percebessem que a riqueza da diversidade cultural da Pan-Amazônia também cobra doses generosas e recíprocas de abertura para abordagem sincera desses temas.
Uma delas foi conduzida pelo cacique Bekwai Kaiapó, da comunidade indígena Aldeia Goroti-re e mostrou que a vontade de se conhecer existe mas a caminhada é longa até que feministas e indígenas de muitas comunidades compreendam o que cada qual quer dizer quando fala em respeitar direitos das mulheres.
“Não sabemos se respeitar o cacique, o marido e a hierarquia na tribo é machismo para vocês. Para nós este é um assunto novo”, diz a brasileira Ângela, liderança indígena de Altamira, no Pará. É mais claro para seu povo que há muito machismo e racismo vindos de fora. Ela cita como exemplo o fato de soldados do Exército que trabalham na região muitas vezes se aproximarem da sua comunidade para abertamente tentar aliciar as jovens para sexo. Ângela se ressente de não encontrar o apoio necessário para acabar com essa agressão.
O jovem indígena Nadino Calapucha diz que sua comunidade, no Equador, não aceita os termos machismo ou racismo, por serem de outras culturas “Preferimos falar em discriminação”. Ele revela a contrariedade de seu povo quando “mulheres querem fazer sua própria organização. Achamos que querem dividir, porque em nossa cosmovisão somos um todo, homem, mulher, jovens e crianças”.
A contrariedade indica, por outro lado, que o desejo de auto-organização das mulheres existe. “No movimento feminista, mulheres indígenas nos procuram para saber como podem reagir à violência que sofrem dos seus maridos”, explicou Nilde Souza, do Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia (MAMA). Nos espaços mistos, elas não podem fazer esse tipo de queixa, ou sofrem mais violência, explicam as feministas.
A novidade do encontro foi que todas as falas demostraram interesse em mais diálogo sobre o assunto. “Deve ser um diálogo sem preconceito”, pediu o cacique Gersen Baniwa, da UFAM, estudioso das culturas dos povos indígenas brasileiros. “Não podemos falar em uma cultura só. Há muitas tribos matriarcais também, com caciques mulheres”, explicou.
Na opinião de Luiz Arnaldo, que participou da organização do evento e do convite às representações indígenas, o debate mostrou diferenças entre comunidades mais isoladas e aquelas próximas das cidades ou inseridas nas relações do campo. Também há diferenças entre comunidades andinas e comunidades da Amazônia, a serem consideradas.
O movimento das indígenas no continente hoje é um fato, como foi demonstrado no I Encontro de Mulheres Indígenas de Abya Ayala, realizado em maio, no Perú, com 2 mil participantes de 21 países.
No Encontro de Belém, a força do feminismo indígena ficou evidente no depoimento dramático de Lourdes Huanca Atencio, da comunidade peruana Moquegua, sobre a vida das camposenas indígenas e suas famílias. Elas não têm acesso a condições dignas de trabalho e educação no meio rural e se vão às cidades são exploradas e humilhadas. Liderança feminista da Federação Nacional de Mulheres Camponesas, Artesãs, Indígenas, Nativas e Assalariadas do Perú, Lourdes apontou que a defesa da terra e da casa é muito mais importante para as mulheres, porque se o homem vai pra longe em busca de trabalho, ela não deixa a casa e os filhos. E se perde a terra onde vive, não tem para onde ir. Ela explicou que as peruanas precisam lutar todos os dias pelos direitos básicos, e também contra o machismo que promove a violência sexista e que faz os homens acreditarem que podem fazer sexo sem se importar com o prazer de suas parceiras.