19-25/2/2009, Al-Ahran Weekly, Cairo, http://weekly.ahram.org.eg/2009/935/re01.htm
Semanas depois de Israel ter suspenso o ataque massivo contra Gaza (prosseguem os ataques pontuais), há milhares de gazenses sem-teto, famílias inteiras e muitas crianças, vivendo em barracas, sob frio e chuva intensos. 6ª-feira, a temperatura era de 7ºC, com muita chuva. (Saleh Al-Naami, de Gaza)
Quando a chuva começou a invadir sua barraca e acordou-a, Hanan Al-Attar, 38 anos, correu para fora, em estado de histeria, puxando seus três filhos. O marido, Ahmed, saltou para os ganchos da barraca, tentando mantê-los fixados, depois de já terem sido arrancados duas vezes pela ventania. O filho mais velho enchia sacos com areia e os dispunha sobre a barra de lona, em outra tentativa para evitar que a barraca voasse. Hanan correu pela chuva até a primeira casa que encontrou e onde entrou com os filhos, todos molhados e gelados.
Essa situação repetiu-se em vários locais no último fim-de-semana no campo de refugiados de Al-Karama, perto de Beit Lahiya, na região norte da Faixa de Gaza. Nesse campo foram instaladas as barracas de várias famílias cujas casas foram destruídas pelo exército israelense nas regiões de Al-Atatira e Al-Salatin, nos ataques de dezembro-janeiro últimos.
Hajja Fatima Al-Attar, por exemplo, enfrentou situação semelhante à de Hanan – também não conseguiu manter em pé a barraca, que também foi invadida pela chuva gelada. Contou à nossa reportagem que deixou todos os seus pertences para trás e correu para as casas mais próximas do campo. Os que estão vivendo em campos de refugiados, sem qualquer infra-estrutura, veem, bem próximas, as ruínas de suas casas.
Alguns desses que vivem expostos ao frio, sobretudo crianças e idosos, vivem sob grave ameaça à saúde. Resultado disso, há números assustadores de depressão, diarreia, problemas digestivos. Aisha, viúva de 33 anos, cujo marido foi morto por soldados da ocupação em 2007, diz que tem levado os filhos, para tratar gripe grave e reincidente, a uma clínica em Beit Lahiya. O principal problema imediato dos que vivem nos campos de refugiados é a falta de cobertores, que não chegam em número suficiente para todos, trazidos pelas organizações de assistência humanitária. Silman Khalil, 66, contou a Weekly que sua família, de 10 pessoas, só recebeu cinco lençois. Muitas famílias tentaram recuperar lençois e cobertores nas ruínas de suas casas, mas poucos conseguiram, ou porque foi tudo queimado em incêndios ou porque os objetos domésticos estão soterrados sob pedaços de concreto pesados demais para remover à mão.
Dado que as tendas não resistem ao vento, as crianças não podem dormir no campo. Muitas famílias levaram as crianças para casas de parentes em outras cidades, na tentativa de prevenir doenças, e temendo que novas tempestades façam desabar novamente as tendas.
Os habitantes dos campos não manifestam muito entusiasmo pela ajuda oferecida pelas organizações humanitárias que só proveem ajuda imediata e nunca suficiente; preferem concentrar-se em reconstruir suas casas e ver desmontado o campo, que lhes traz lembranças familiares traumáticas que remontam a 1948. Mesmo os que conseguiram alojamento em casas de parentes ou conhecidos, sentem que a vida foi destroçada.
Por exemplo, Saleh Al-Ayad, 51 anos, sente-se angustiado quando os vizinhos discutem o futuro da Faixa de Gaza, a trégua a ser firmada com Israel, o caso Shalitt e as eleições israelenses; prefere não ouvir. Al-Ayad, funcionário da universidade, que gosta de discutir política, sente-se excluído e desinformado, porque perdeu a televisão, o computador e a internet que usava para saber das notícias. Al-Ayad perdeu casa, com tudo que havia dentro, na porção leste do campo de refugiados de Al-Maghazi, no centro da Faixa de Gaza.
Na casa de Al-Ayad, de três pisos, viviam 10 pessoas. A construção, que lhe custou 150 mil dólares, foi reduzida a pó, bombardeada por 3 mísseis Hellfire disparados de um helicóptero Apache. Por sorte, nenhum dos moradores estava em casa e a família salvou-se. Mas uma vizinha, na casa ao lado, foi morta por estilhaços. Abu Ali – como os vizinhos chamam Al-Ayad – contou à Weekly que sua família passou vários dias em alojamento provisório num campo de esportes na vila; depois, uma de suas irmãs convidou-os ficar com ela, porque tinha quartos vazios. Abu Ali aceitou, mas logo descobriu que sua família era maior do que o espaço que havia em casa da irmã, e alugou um apartamento de seu irmão que está vivendo no exterior.
Abu Ali conta que perdeu todo o dinheiro que tinha – e que guardava em casa, além das joias de sua mulher. Todos os documentos escolares das crianças e universitários dos mais velhos foram queimados. A perda mais dolorosa, ele conta, a única fotografia que possuía de seu pai. Sempre a guardou cuidadosamente e teve esperança de reavê-la. Mas descobriu que a foto foi queimada também, no incêndio da casa.
O filho mais velho de Al-Ayad, Ali, foi afetado também por outros motivos, além da destruição da casa e dos bens da família. Alguns dias antes do ataque israelense, a família de Al-Ayad começara a procurar-lhe uma noiva, depois de ele há ter casa construída, um apartamento acrescentado à residência familiar, e que já estava mobiliado e equipado. Destruída a casa e todo o seu dote, Ali já não pode casar-se. Com tudo isso, Abu Ali ainda acha que teve mais sorte que muitos de seus conhecidos: “Quando me contam de mais algum amigo ou conhecido que morreu dentro da própria casa, sinto que deus ajudou-me, ao salvar todos”, diz ele.
Cerca de um mês antes do início do cessar-fogo, ainda é difícil avaliar a extensão do sofrimento que o massacre de Gaza causou aos palestinos. Sinal desse sofrimento são as ruas vazias e esburacadas, onde os carros não podem trafegar. O mecânico Nur Abu Naim, da rua Salaheddin que liga o norte e o sul de Gaza, não tem peças para consertar os carros destroçados pelos tanques israelenses.
Quem ande pela rua Salaheddin verá carros quebrados parados e jovens empurrando carros até o mecânico mais próximo. Como Nur contou a Weekly, os carros que não foram destruídos nas explosões, quebram nos buracos que as explosões deixaram pelas ruas e estradas.
Por causa do péssimo estado das estradas, o único modo de chegar à vila de Al-Qarara, a leste da área central da Faixa de Gaza e à cidade de Khazaa, a sudeste, é em lombo de burro, ou em carroça puxada a burro, ou a pé. Awad Sulaysil, que mora em Al-Qarara e tem de andar vários quilômetros cada vez que precisa sair de casa, lembrou que o exército de ocupação mirou deliberadamente os inícios de ruas e cruzamentos, claramente para impedir o tráfego de carros.
Tradução: Caia Fittipaldi