Da brutalidade e leveza da ideologia

Britt-Ingrid Persson, apelidada de BIP, é uma artista sueca que nasceu em 1938 na cidade de Stensele, vive e trabalha em Estocolmo. Em sua técnica, é recorrente o uso de materiais pesados e duros — como o bronze, concreto e faiança (uma cerâmica resistente e esmaltada) — mas que, pelas formas expressivas e submetidos a um fino acabamento, ganham sutileza e mobilidade.

A desmaterialização da dureza e imobilidade da matéria bruta não é novidade na história da arte: alguns escultores do século XIX já se dedicavam à pesquisa sobre a translucidez e movimento dos tecidos sobre o corpo — por exemplo Giovanni Strazza (1818-1875), Rafaelle Monti (1818-1881), Giovani Benzoni (1809-1873) e outros — e conseguiram reproduzir tão fielmente os véus, que pareciam fazer com que o mármore esvoaçasse transparente, bem diante dos nossos olhos.

O que BIP parece mostrar, entretanto, é de outra ordem e muito mais difícil de ser percebido: não é a delicadeza do movimento dos corpos ou tecidos que é revelada, mas a sutileza e translucidez da opressão que reveste os gestos de constrangimento. Ao invés de figurar e reproduzir com fidelidade os objetos do mundo, a artista consegue mimetizar os momentos paradoxais de leveza e brutalidade de uma das mais importantes características humanas: a certeza! Mas não a transparência de sua verdade, mas a invisibilidade e ocultamento da brutalidade com que é contrita e limitada em seu movimento aparentemente autônomo e livre.

Faz isso por meio de figuras insólitas como o cérebro-músculo, cuja força de convicção de pensamento é sua própria cegueira (imagem 1), a série sobre a memória, esférica (2), umbilical (3) e como facho de luz (4), aparentemente acalentada, mas de fato prisioneira e restringida por braços que a controlam e limitam seu foco de luz a uma luminosidade intensa, porém de pouca amplitude.

Chega, por fim, à própria intuição — o momento da descoberta ou do insight — que não passa de um desenho estranhamente rabiscado em um rosto cujo ouvido é a garatuja da escuta de seu próprio nariz (5).

Através das diversas faces da certeza — a opinião, a memória de si e a intuição — consegue expressar a ideologia justamente onde ela mais se manifesta: em sua insensibilidade, sua falta de peso e, como que uma face oculta de tal insensibilidade e leveza, sua imensa materialidade, brutalidade e peso sobre a contrição dos corpos.

Revela que a aparente falta de peso ou constrangimento no movimento do corpo estão encobertos por uma sólida insensibilidade que se transforma em… certeza! Que vê na propriedade um bem maior que o direito à moradia. Constrói a convicção de que é natural as pessoas pretas serem discriminadas. Traveste o peso e o esmagamento da alteridade de autoestima. E tem a convicção de sua própria neutralidade olhando para o outro lado diante do discurso de ódio, impregnando a si mesmo com um jorro de autocomiseração capaz de deixar surda a própria consciência.

A artista parece nos atingir em cheio com uma pergunta incômoda, mas inevitável: como estar fora da ideologia se, quanto mais nos consideramos fora, mais podemos estar atolados na ignorância de estarmos imersos nela?

As obras:
1. Muskelhjärna. Stengods, 1970-tal
Músculo-cérebro. Faiança, década de 1970

2. Minne — sfär. Betongoch brons, 2000-tal
Memória – esfera. Concreto e bronze, anos 2000

3. Minne — navelsträng. Betongoch brons, 2000-tal
Memória – cordão umbilical. Concreto e bronze, anos 2000

4. Minne — ljuskrets. Betong, 2000-tal
Memória – circuito de luz. Concreto, anos 2000

5. Anteckning av aha-upplevelse. Stengods, 1970-tal

Nota de experiência aha*. Faiança, década de 1970
* experiência aha: uma forma de Insight, do alemão Aha-Erlebnis, termo cunhado pelo psicólogo e linguista alemão Karl Bühler (1879-1963)

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