China avança sobre as riquezas do Congo

Está prestes a ser concluída uma das mais importantes transações comerciais do século até o momento: em uma ação conjunta, a estatal chinesa China Molybdenum Co Ltd (CMOC) e a corporação privada chinesa BHR irão pagar 2,65 bilhões de dólares à americana Freeport McMoRan para aumentar a sua participação na mina Tenke Fungurume, na província do Katanga, região sul da República Democrática do Congo (RDS). Desta forma, a CMOC se tornará a maior acionaria da jazida de mais de 1.500 quilómetros quadrados que possui uma das maiores reservas de cobre e cobalto do planeta — o Congo já é o maior produtor de cobre do continente, com uma média de 1 milhão de toneladas por ano. A outra acionaria da mina é a estatal congolesa Gecamines.

Um relatório publicado pelo Financial Times em 2016 revelou que a China se tornará, desta forma, a líder mundial em tecnologia de bateria elétrica no futuro, graças ao seu controle de 62% do mercado de cobalto global — é esperado um aumento na demanda de dois terços nos próximos dez anos. A aquisição estrategicamente das jazidas de minério coloca a China na frente do movimento global do desenvolvimento de veículos elétricos, dando um importante passo no controle sobre o influente mercado futuro dos sistemas de transporte pessoal, comercial e militar. Os interesses chineses, no entanto, nas terras do Congo são ainda maiores. Enquanto isso, a população é massacrada pelo governo despótico de Joseph Kabili.

A DEPENDÊNCIA CHINESA

A compra acontece em um momento em que a produção de cobre tem caído no país. Na província de Katanga, região sul da RDC, a produção de cobre caiu de 11,6% no primeiro trimestre, houve uma redução de 16,3% na extração de cobalto e várias empresas pararam a produção. Algumas temporariamente, outras permanentemente. O Ministério de Minas congolês estima que as empresas de mineração eliminaram 3.000 postos de trabalho e mais de 10.000 subcontratados.

Os chineses possuem um histórico interesse nas riquezas minerais africanas, principalmente no cobalto, que é utilizado na produção de baterias para telefone celular e, especialmente, no crescente mercado de carros elétricos.

As vendas de veículos de emissão zero na China quadruplicaram em 2015 para atingir 247 mil veículos elétricos e 84 mil híbridos, de acordo com a federação da indústria chinesa, representando 1% dos 24,6 milhões de vendas no maior mercado de automóveis do mundo. Neste cenário, o cobalto congolês é central para fazer a roda girar.

“Atualmente, a maior parte do cobalto vai diretamente para China. Se o acordo para a aquisição de Tenke for concluído, as empresas chinesas irão controlar 62% da produção mundial de cobalto refinado”, disse ao jornal Le Monde, Edward Spencer, analista especialista de negociação metais.

A RDC domina o mercado global de cobalto e fornece mais de metade da produção do planeta. Em 2015, a reserva de Tenke produziu mais de 16 mil toneladas de cobalto e suas reservas são estimadas para mais de 25 anos — 93% do cobalto utilizado pela China viria diretamente do Congo, representando uma dependência da china de um único país. “O lítio, o outro componente das baterias, a China produz 17% do seu consumo. Mas no caso de cobalto, a China tem de confiar quase que exclusivamente na RDC”, observa Colin Hamilton, analista da Macquarie.

CONGO EM DISPUTA

Para garantir o controle sobre as riquezas minerais congolesas, os chineses tem sido acusados pela mídia, como o jornal Le Potentiel, e a sociedade civil do país de corromper os governantes congoleses. O gigante asiático tem financiado faraônicas obras de infraestrutura e oferecido generosos empréstimos, supostamente, em troca da exploração de um acesso preferencial aos seus recursos minerais. Os congoleses afirmam que as riquezas naturais do seu país tem sido exploradas sem nenhuma salvaguarda, enquanto o governo e as corporações estrangeiras lucram. Apenas em 2007, os chineses emprestaram 8,8 milhões do dólares para reanimar a indústria de mineração congolesa, enquanto a população continua na miséria e imersa em uma endêmico conflito civil, provocando inúmeras mortes e refugiados.

As relações sino-congolesas envolvem inúmeras parcerias entre empresas e bancos chineses, como o Exim Bank of China, na área de infraestrutura e extração dos minérios. Na RDC, há uma agência de regulação do programa sino-congolês, que tem como missão acompanhar as transações legais relacionadas à busca de financiamento, construção de infraestrutura e acompanhamento das extrações dos minérios. No entanto, o acordo entre chineses e congoleses prevê uma autonomia para a atuação das corporações chinesas em território africano. Em suma: os chineses entram com o dinheiro e o congoleses com os minérios.

Os investimentos chineses do Congo tem outro sentido estratégico para além das riquezas minerais. Os asiáticos pretendem utilizar as terras congolesas para construir um corredor transoceânico que atravesse a África, ligando as costas dos oceanos Índio e Atlântico do continente. A via traria uma enorme uma vantagem para os chineses no comércio global, diminuindo os custos para a circulação de matérias primas e mercadorias pela região.

Essa importância geoestratégica do Congo coloca o país no centro de uma disputa silenciosa entre a China e os Estados Unidos, influenciando o cenário político do país africano. Pequim é o principal aliado do regime despótico de Kinshasa. O gatilho para a atual onda de violência na RDC é o desejo do presidente Joseph Kabila para continuar a governar o país após o fim constitucional de seu mandato, no final do ano de 2016. Os Estados Unidos e a UE fazem pressão para Kabila renunciar, enquanto os chineses fazem vistas grossas. A eleição foi retardada indefinidamente depois de muitas tentativas de alterar a constituição pelo regime de Kinshasa. Manifestações populares tem sido brutalmente reprimidas pela policia e as Forças Armadas, deixando centenas de pessoas mortas.

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