Uma viagem contra o esquecimento

O cinema associativo La Grange, no centro histórico de Delémont, capital do combativo e autonomista Cantão de Jura, abriu suas portas no último domingo, 5 de dezembro, para convocar o público e a memória.

Finalmente, depois de duas tentativas anteriores fracassadas devido à pandemia, foi possível realizar a apresentação pública do livro Ni fous ni morts (Nem loucos, nem mortos), uma tradução da obra original Del otro lado de la mirilla. Olvidos y Memorias de ex Presos Políticos de Coronda 1974-1979 (Do outro lado do olho mágico. Esquecimento e Memórias de Ex-Prisioneiros Políticos de Coronda 1974-1979). (https://elperiscopio.org.ar).

Mais de cinquenta pessoas participaram da apresentação de Ni fous, ni morts, (https://nifousnimorts.com/), publicado na Suíça (Editions de l’Aire, Vevey) no ano passado, com uma tiragem de mil exemplares já praticamente esgotados. A atividade foi completada com a exibição do filme Yo, Sor Alice (Eu, Irmã Alice), do cineasta argentino Alberto Marquardt, ex-preso político da Prisão de Coronda, residente na França e presente na atividade (https://vimeo.com/user32893071/download/393973056/dc68a51415).

As emoções resultantes desse exercício da MEMÓRIA – livro e filme – transbordaram os assentos de La Grange. Os depoimentos de dois dos ex-prisioneiros deste centro de detenção de segurança máxima durante a última ditadura atualizaram essa história de resistência coletiva, unitária e fraterna.

A rica troca com um público atento e solidário permitiu reviver essa história de horror de um regime prisional brutal (“eles sairão daqui loucos ou mortos”, dizia um dos comandantes da Guarda Nacional que dirigiu a Prisão). E o contraponto: a luta diária dos 1.153 presos políticos que passaram por aquela prisão na província de Santa Fé. Luta pela sobrevivência com dignidade, sem resignação ou derrota, com a convicção de que os militares e seus planos carcerários não alcançariam o objetivo de destruição física, psíquica e ideológica, como enfatizaram os ex-detentos na noite jurássica.

A apresentação de Ni fous, ni morts e a projeção dessa joia testemunhal que é Yo, Sor Alice (sobre a vida e a luta da freira francesa Alicia Domon, desaparecida na Argentina pelos militares “constitui um grito contra o esquecimento, pela memória, verdade e justiça”, enfatizou um dos participantes. Um momento-espaço a mais de 10 mil quilômetros de Coronda, Argentina, para afirmar que a luta pela memória é universal e não tem fronteiras. “Constitui uma das lutas mais dignas da civilização planetária. Aquele que esquece, acaba dobrando-se aos poderes de turno”, disse ele.

Os dois ex-presos políticos argentinos informaram sobre a publicação na Argentina, em março passado, da 3ª edição do Del otro lado de la mirilla (3.000 exemplares, com mais de 2.200 livros já vendidos). Eles anteciparam um novo lançamento, no início de 2022, na Itália, da versão italiana do livro depoimento, coletivo e anônimo. Também informaram que a tradução completa do livro para o português acaba de ser concluída, aguardando a conclusão de uma editora interessada em publicá-lo.

A palavra final, encerrando a atividade de Delémont, atualiza o espírito da resistência em Coronda: “não fomos heróis, nem fomos vítimas. Éramos simplesmente seres humanos – muito jovens – confrontados, sistematicamente, com situações extremas. Hoje, nossa maior recompensa é saber que contribuímos com um grão de areia para a longa tarefa de reconstruir a memória”.

Memória, verdade, justiça e reparação: o ABC da luta pelos direitos humanos na Argentina. Foi isso que, nos últimos 20 anos, permitiu que cerca de mil militares de alto escalão fossem julgados em tribunais comuns e condenados por crimes cometidos durante a ditadura, entre 1976 e 1983. Entre outros, dois dos três comandantes da Guarda Nacional, que dirigiram essa prisão de segurança máxima. Penas severas: 22 e 17 anos de prisão. As acusações, indefensáveis: o regime prisional brutal aplicado, considerado pelos juízes como crime contra a humanidade.

Anexo: Anúncio da apresentação do livro sobre Coronda na imprensa local de Delemont

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