Costumes e ritos se fundem na interpretação de diferentes povos andinos nessa relação de significados e ressignificados. Segundo a literatura à respeito, o “Dia da Pachamama” é comemorado em 1º de agosto, em vários países (Bolívia, Equador, Peru e parte do Chile e da Argentina), por comunidades que fazem oferendas, com alimentos, bebidas, cigarros e cordeiros – o que pode parecer conflitante com os princípios socioambientais, mas que são fundamentados em uma cultura ancestral nessa região. A relação espiritual e religiosa também é incorporada nesse processo de integração, que teve o sincretismo, ao longo das décadas de colonização, como o culto à Virgem Maria (que recebe diferentes nomes, dependendo do país).
Mas existe algo mais profundo, que transcende a materialidade e as crenças específicas, nesse processo. Quando tive a oportunidade de conhecer os Andes, pela primeira vez, ao viajar para Machu Picchu, Cuzco, Ollantaytambo, Águas Calientes e Lima, no Peru, entre 1998 e 1999, senti na atmosfera que irradiava por lá, uma energia inexplicável, que me levou à imersão sobre o meu papel nesse mundo. Reflexão que tenho até hoje.
Durante a vivência nos Fóruns Sociais Mundiais, que participei desde 2009, em Belém e em Porto Alegre, os breves contatos que tive com os povos originários de nossos países vizinhos também me contagiaram de forma permanente. Eu me embebi em seus relatos, ao mesmo tempo, simples e complexos, sobre a nossa relação com o meio e com o outro. Sempre me emociono ao recordar da união de mais de 2 mil indígenas de várias partes do mundo e presenciar a assembleia, em Belém, em que os representantes latinos traziam em seus discursos essa sintonia com a “Pachamama”, como também no Fórum Pan-Amazônico, em Santarém, em novembro de 2010.
Em miúdos, fui cativada nesse processo de aprendizado. Isso me proporcionou em minhas andanças pelo Brasil, ao longo dos anos (durante férias, trabalho e ativismo), essa vontade incansável de querer aprender e me sintonizar com a natureza e com as comunidades locais. Tirar a manta de “forasteira” e me sentir parte de cada cultura e ambiente. Trocar energias e somar.
No ano passado, durante a viagem que fiz à Patagônia Argentina, em abril, mais uma vez esse sentimento de pertencimento à América do Sul e à América Latina veio à tona. O “filme” mental de imagens e contatos estão ainda perfeitos nessas recordações que mantenho sobre o percurso ao longo da Cordilheira, dos glaciares, de Perito Moreno e dos lagos andinos…Essa experiência me levou a mais reflexões de que somos parte de tudo isso, algo que transcende os limites da Terra e segue pelo universo.
Essa é a minha leitura sobre a “Pachamama”, que me aflora sensações, de tempos em tempos e se traduzem em novos sentimentos que me impulsionam a novos projetos de vida. Eu me vejo paulistana, brasileira, sul-americana, latino-americana e cidadã desse mundo sem fronteiras, que ao mesmo tempo me possibilita respeitar as raízes, mas me dá a liberdade de condor. Às vezes, me pergunto – será que tudo não passa de um sonho ou o sonho é a realidade nessa relação metafísica?
Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk