“Nenhuma mulher faz aborto porque gosta. Um aborto acontece porque, naquele momento da vida, é a única saída frente a uma gravidez indesejada.” Este é o primeiro parágrafo do folheto distribuido pela Frente em São Paulo, em manifestação realizada na Praça João Mendes, próxima ao Fórum e vários órgãos ligados ao Poder Judiciário. Todas as organizações feministas de São Paulo, e várias organizações que lutam pelas mulheres, sucederam-se ao microfone, esclarecendo nossa luta para a população passante, que também recebia os boletins. Apesar de continuarem habituais recusas, os debates olho no olho sobre Deus, vida, pecado se ampliam, o que mostra que a população está mais aberta para discutir essa questão.
“As mulheres tem o direito de decidir se querem ou não ser mães. A maternidade não deve ser uma obrigação nem um castigo”. Para Dulce Xavier, responsável pelas políticas públicas para as mulheres na Prefeitura de S. Bernardo do Campo, “as pessoas não estão informadas do que está acontecendo, falta interlocução das feministas com os movimentos populares”. Por isso, Sônia Coelho, da Marcha Mundial de Mulheres e uma das coordenadoras do ato e da Frente Paulista, informa que a organização vai fazer debates itinerantes, com vídeos, para informar e formar a respeito da questão da maternidade responsável e da descriminalização do aborto, e vai começar pelas universidades.
Dagmar Marie, advogada e poetisa, 58 anos, ia passando e resolveu contar sobre os oito abortos que fez na vida, mais de trinta anos atrás. “Eu não podia tomar anticoncepcional e a tabelinha furava”. Primeiro ela diz que tomou um remédio que se usava na época, e que servia também para teste de gravidez. Depois, foi sempre em boas clínicas, sempre ficou muito bem. “Nós temos que ter o direito de nos livrar do filho que não queremos. É absurda a lei neste país, na maior parte do mundo o aborto não é crime, aqui você é estuprada e não pode se livrar do filho!”
“Bolsa estupro” incentiva crime hediondo
A Comissão de Seguridade Social e Família (olha só o nome…), da Câmara Federal, aquela onde dominam os conservadores, aprovou na semana passada, junto com o Estatuto do Nascituro, o PL 1.763/07, que dispõe sobre a assistência à mãe e ao filho gerado em decorrência de estupro. Batizada pelas feministas de “bolsa estupro”, a proposta prevê um benefício a ser pago às mulheres violentadas e que engravidem em decorrência e que não tenham condições de cuidar da criança.
Para muitos, a proposta é insana e levará o Estado a incentivar um crime hediondo, uma grave violência contra as mulheres, que é o estupro.
O direito ao aborto emcaso de gravidez resultante de estupro foi instituído na década de 1940, por meio do art. 128 do Código Penal, e esse PL pretende impedir a mulher estuprada de fazer aborto. As feministas consideraram o projeto bastante perigoso, pois “dá a um criminoso os direitos de pai e institui a tortura, já que a mulher é obrigada a carregar nove meses o bebê filho de estupro”. A proposta vai agora para a Comissão de Finanças e Tributação, para ser analisada sua viabilidade financeira.
Além desse lado da questão, médicos e cientistas estão preocupados com a abrangência do projeto, que pode atingir as pesquisas com células-tronco, já que estabelece o início da vida desde a concepção. A proposta aprovada é um substitutivo elaborado pela deputada Solange a partir do projeto do deputado Luiz Bassuma (PV-BA) (PL 478/2007) e outros três apensados (PL 489/2007, PL 1763/2007 e PL 3748/2008).