Ressonâncias da marcha nupcial encontraram eco por todo estado de Nova York na ultima “gay pride”, pintando as ruas com as cores do arco-íris da diversidade – uma bandeira histórica. A recente legalização do casamento gay naquele estado dos EUA, defendida pelo governador democrata Andrew Cuomo, deu o tom da 42ª Parada do Orgulho Gay, que percorreu as ruas do Greewich Village, bairro nova-iorquino conhecido pela sua diversidade. Cerca de 2 milhões de ativistas, lésbicas, gays, travestis, transgêneros e simpatizantes da causa homossexual concluíram o trajeto com a marcha nupcial no histórico bar Stonewall Inn, bastião da resistência contra a violência homofóbica desde 1969. Naquela ocasião, frequentadores do bar resolveram reagir à violência da polícia com pedras, rompendo o silencio que lhes selava o veredito. Nova York foi o sexto e mais populoso estado a legalizar o casamento gay nos Estados Unidos, depois de Massachussets, Connecticut, Iowa, New Hampshire, Vermont e District of Columbia. A união civil homoafetiva eh legal nos estados de Illinois, Hawaii, Delaware e New Jersey, sendo proibida nos demais 39 estados.
Mito, ativista LGBT e um dos fundadores do grupo Counterpublic NYC questiona: “Seria interessante observar o timing dessa resolução. Será que devemos interpretar os esforços de Cuomo como um presente a comunidade LGBT logo no fim de semana da Parada do Orgulho Gay? Essa resolução coincide com um momento em que o turismo LGBT se encontra em seu ápice. Um plano estratégico foi implementado durante um período de crise financeira; não se trata de uma simples vitória outorgada aos nova-iorquinos LGBT. Temos que ver o significado por trás dessa medida.” O ativista Juanes Hellman também vê a medida com ceticismo: “Recuso-me a comemorar vitorias simbólicas, que oferecem mudanças pouco substanciais na realidade palpável.” A estudante de pós-graduação em literatura moderna da New York University, Jess Issacharoff, afirma que o reconhecimento por parte do Estado apresenta apenas um lado do problema, já que a exclusão envolve também fatores econômicos, como, por exemplo a difícil inserção de travestis e transgêneros no mercado de trabalho.
Em certa medida, a alteridade decai em um problema de classe. Shannan Hayes, estudante de pós-graduação em filosofia da Stony Brook University, enfatiza as distinções sociais que determinam quais grupos serão beneficiados por esses direitos. O poder aquisitivo desempenha um papel importante nesse quesito, uma vez que os direitos civis se convertem em bens de consumo, permanecendo inacessíveis para as classes subalternas. Ela lembra o movimento sufragista do século XIX, quando conquista o direito ao voto feminino mas exclui o voto das mulheres negras: “ direitos civis não são facilmente assimilados pelos grupos que estão na base na pirâmide social”.
Outras distinções separam a comunidade LGBT, determinando quais grupos devem ser beneficiados com tais direitos e quais devem permanecer excluídos, entre cidadãos plenos e imigrantes irregulares, entre brancos e negros, etc. Por outro lado, não ha como se negar o avanço, em termos legais, que a medida representa. Shannan reconhece a legalização como uma vitória parcial, uma vez que põe termo a uma tática de exclusão social. Sem duvida, há limites: uma mudança na legislação não garante a integridade absoluta da população LGBT, que por enquanto multiplica os esforços para criminalizar a homofobia.
O novo mundo ainda carrega em seu cerne uma ampla gama de contradições, pendendo para um conservadorismo bastante acentuado, sobretudo nas regiões onde ainda se encontram chamas do antigo macarthismo, que queimava bruxas e comunistas na fogueira até a primeira metade do século XX. Mas pouco a pouco, isso está mudando, sobretudo nas grandes metrópoles onde a população civil vem se organizando por fora da antiga estrutura de poder. Novos poderes vem ganhando espaço, modificando o establishment.
Firmes laços entre estratos da sociedade civil firmam suas bandeiras, que ganham ressonância a medida que sensibilizam a população pela necessidade de mudanças. Está em voga uma onda verde que prima pela sustentabilidade dos recursos naturais em escassez, a defesa de direitos civis envolvendo os grupos étnicos, raciais e culturais excluídos da sociabilidade, as ações judiciais pela paridade salarial entre homens e mulheres, entre outra bandeiras, que vem servindo como catalisadores de votos de alguns políticos e disputam a hegemonia da opinião publica em um contexto em que a mídia digital torna rápida e acessível a dispersão da palavra.
Enquanto isso, em terras tupiniquins, a Parada do Orgulho Gay contou com 4 milhões de pessoas, no mesmo ano em que a união civil homoafetiva foi aprovada pelo STF (Superior Tribunal Federal) brasileiro, com o aval da presidenta Dilma Roussef. Há muito a celebrar quanto a possibilidade de se viver em um mundo aberto a diversidade. Por outro lado, a violência homofóbica ainda assombra, fazendo novas vitimas e sem o respaldo de uma devida legislação. A bancada cristã está em constante campanha para impedir a aprovação do PL 122, projeto de lei em tramitação no congresso, que criminaliza a homofobia, em nome de uma suposta liberdade de religião, a revelia de um Estado que despreza o principio de laicidade. Estamos frente a um constante impasse, que rifa os direitos de muitos cidadãos, que ficam de fora do banquete democrático.