Cúpula dos Povos, a reinvenção do sistema

Desde o dia 15 de junho, muitas pessoas de várias partes do mundo estão reunidas no Rio de Janeiro para discutir a situação do mundo e fazer um contraponto a reunião dos chefes de estado na Rio+20, a conferência mundial da ONU sobre o Meio Ambiente. Movimentos sociais se apresentam uns aos outros mostrando suas realidades, propostas e todos chamam a atenção para a necessidade de criação de um novo modelo de “desenvolvimento”. As pessoas/movimentos criticam o capitalismo, o consumo, os bens, as grandes corporações, mas não conseguem agir de forma individual para enfrentar o modelo imposto.

A Cúpula dos Povos está sendo um lugar de contradições. Não é necessária uma reflexão profunda para perceber as inconsistências. Quanto de dinheiro foi gasto para montar as inúmeras tendas? Fazer todos esses banners painéis, todos produtos de plástico, diga-se de passagem. Quanto custou as estruturas metálicas, a iluminação artificial, os banheiros químicos na orla do mar? A soberania alimentar me parece não ter muita vez por aqui. Os alimentos são vendidos a preços exorbitantes. Não há um restaurante que sirva alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos. Tudo aqui foi comprado em mercados, foi pré-preparado. Fast Foods. E o pior é que nem todos podem se alimentar. Um salgado custa 5 reais, uma água, 3 reais. Será que esse é o novo modelo de desenvolvimento que queremos? Contra isso não há manifestação, não há marcha, e sim um silêncio coletivo consciente.

Será que ao menos cinco dias, durante um evento que se diz anti-capitalista não podemos usar outra moeda de troca? O dinheiro ainda está no centro. Fala-se tanto em emissões de poluentes, aquecimento global, e os carros circulam livremente dentro da Cúpula e eles buzinam para os pedestres saírem da frente, sim, aconteceu comigo. Um dos patrocinadores do evento, disponibilizou carrinhos de golf para transportar as pessoas de canto a outro.

Ah, os patrocinadores, quem são eles? Ongs que pertencem grandes corporações e bancos, sim bancos!! E eles possuem standes dentro do espaço, caso alguém queira abrir uma conta ou pedir um empréstimo….

É o capitalismo descarado. Sem medo, em um território livre, onde pessoas se iludem achando que estão discutindo soluções para o mundo, mas não conseguem mudar seus hábitos individuais. E depois criticam o trabalhador máquina que reclama quando os manifestantes fecham as avenidas. Estamos todos no mesmo barco, no fundo todos somos capitalistas. O ativista que luta pela floresta, mas se empanturra numa churrascaria comendo o boi da Amazônia. Aqueles que lutam pelos direitos dos povos indígenas, mas superfaturam os preços de seus artesanatos. Aquele que luta pela classe trabalhadora, mas se hospeda em um hotel de luxo e se alimentar com refeições que custam 30 reais, a diária de muitos trabalhadores no Brasil. Enfim a realidade está sendo construída com mentiras, com discussões longas, inconclusas e inoperantes.

Ninguém é capaz de ato de solidariedade, compramos o artesanato do indígena, mas somos incapazes de perguntar se já se alimentaram hoje. Precisamos ter a obrigação de limpar o nosso espaço, de produzir menos lixo, não precisamos de latas de lixo, precisamos de menos lixo. É realmente necessário todas aquelas luzes coloridas nos painéis da Cúpula. Eles precisam estar ligadas todo o tempo? Falta vivência da realidade dos excluídos, daqueles que vivem diariamente os problemas que “nós” queremos resolver. Os excluídos pelo sistema não podem vir ao Rio de Janeiro; não possuem dinheiro para isso.

No próximo encontro global deveríamos voltar para o campo, em um grande acampamento, com restaurante coletivo, alojamentos coletivos, cultivando nossa comida, sem tem que pagar por ela, ou se houver um custo que seja justo e que a moeda não seja o dinheiro.

Queremos um novo modelo de que mesmo? Desenvolvimento. Leonardo Boff, disse durante o uma conversa no Fórum Social Temático, em Porto Alegre (RS), em janeiro deste ano, que a palavra ‘desenvolvimento’ traduz o espirito do capitalismo. O des – evolvimento das pessoas. O sistema precisa que cada um fique no seu quadrado lutando apenas por aquilo que considera importante para sua realidade se esquecendo do que as politicas econômicas causam a milhares de pessoas ao redor do mundo. Sair do capitalismo é parar de desenvolver e começar a se envolver. O des- envolvimento global faz com as pessoas deixem que suas vidas, que seu planeta sejam governados por corporações que visam o lucro, o dinheiro, a custo do que for preciso. O mundo precisa de pessoas, atores sociais, que tomem decisões individuais de mudança e que causem impactos na sociedade onde vivem. Devemos ter mais respeito pelos outros seres, pelas outras formas de vida. O planeta não nos pertence. Como se fazer isso? com ações simples de mudanças de hábitos, sejam alimentares, físicos, mentais, temos que mudar a relação com a terra.

Não estamos discutindo como fazer isso aqui na Cúpula. Aqui estão sendo apresentados alguns mecanismos, como a agroecologia, novos modelos de energia, exemplos de projetos de geração de renda, comércio justo, mas essas discussões não são acessíveis a todos. Existe um grande número de atividades acontecendo o tempo todo e isso faz com que as pessoas não se envolvam, não se encontrem, é pouco tempo, não dá para pensar, refletir propor, é 2 minutos para cada um. Mais um mecanismo do sistema, não é mesmo? Controlar o tempo das pessoas.

A dinâmica da Cúpula dos Povos funciona como um turismo social. Mais um tentáculo do capitalismo que consegue se reinventar e se fortalecer por vias ecologicamente corretas, patrocinando a “justiça social e ambiental”. Salve o meio ambiente, salve a terra, os homens, os bichos, mas pode dividir no cartão? Em quantas vezes?

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