A “Carta do Encontro de Saberes: Amazônia e Mudanças Climáticas”, aprovada no Encontro dos Saberes, realizado entre os dias 20e 23 de outubro em Belém (PA), está aberta para assinaturas individuais, associativas e institucionais. O documento foi preparado após reunião em Belém do Pará para discutir a Amazônia e mudanças climáticas no Encontro dos Saberes, promovido pelo Fórum Social Pan Amazônico.
A leitura da carta na Assembleia Geral pela Amazônia, que acontecerá no dia 9 de novembro, tem o objetivo de que a COP26 considere a defesa da Amazônia como uma questão prioritária e seus povos como protagonistas desta luta.
Leia abaixo a carta na íntegra:
Carta do Encontro de Saberes: Amazônia e Mudanças Climáticas
Aos Senhores e Senhoras Governantes,
Aos Povos da Terra,
Em poucos dias a atenção do mundo estará voltada para uma terra de montanhas, chamada Escócia, onde se reunirão vontades e esperanças de deter uma catástrofe que já acontece em todo mundo. O aquecimento do planeta vem derretendo as neves da Cordilheira dos Andes, descongelando o Ártico e provocando inundações e secas de grande intensidade no nosso pedaço da terra: a floresta amazônica. Mudanças no comportamento das plantas, do regime das chuvas e dos animais são sinais de um grave desequilíbrio que irá fazer desabar o céu, segundo nossos pajés, ou, tornar a Terra um local inabitável para a espécie humana, de acordo com os e as cientistas. Homens e mulheres de ciência concordam: o aquecimento do mundo é provocado pelo lançamento na atmosfera de gases que intensificam o chamado “efeito estufa”. E os maiores responsáveis por estes lançamentos são a queima dos combustíveis fósseis e o desmatamento das florestas. São dois monstros que se retroalimentam, devorando a vida no planeta.
A Amazônia é a maior bacia hidrográfica e a maior floresta tropical contínua do mundo, com riquíssimos bosques de manguezal. Se espalha pelo território de nove países: Brasil, Peru, Equador, Venezuela, Colômbia, Suriname, Bolívia, Guiana e Guiana Francesa e é o lar de mais de 300 povos indígenas, além de outros povos e comunidades tradicionais. Por sua capacidade de absorver carbono da atmosfera, regular as chuvas e a temperatura, a floresta amazônica é vital para o equilíbrio climático da Terra. Ataques contra a floresta são, na prática, ataques contra a humanidade.
E apesar de todo mundo saber disto, a derrubada de milhões de hectares de selva continua ano após ano, tendo se acentuado no último período. Da mesma forma a destruição ambiental provocada pela mineração e o garimpo, tanto legal quanto clandestino, os incêndios e o envenenamento da terra pelos agrotóxicos continuam em escala ascendente. Apesar de serem gestos enlouquecidos, por detrás deles está uma lógica perversa, movida por uma ganância sem limites, pela ânsia de ser dono do vento, da chuva, do sol e da lua.
Nós vivemos na Amazônia. Aqui, desde a invasão europeia lutamos contra uma colonização predatória, etnocida e genocida, que explora e destrói a floresta e seus povos. Tentaram arrancar nossa raiz, exterminaram costumes, idiomas e saberes, mesmo assim seguimos, resistindo. No meio das lutas, com a força das amazonas guerreiras, reinventamos a vida. Nos nossos territórios, a natureza vive e tem direitos. Matas e rios são bens comuns. Buscamos o bem viver. Por isto, as forças movidas pelo lucro nos atacam. Seguimos resistindo.
Existe um momento quando as coisas se decidem. E este momento é agora. Estudos científicos provaram que nas áreas devastadas, no sul e sudeste da Amazônia brasileira, a antiga floresta, exatamente pelo sacrifício de suas árvores, está emitindo mais gás carbônico do que absorvendo. Outras investigações comprovam que perigosamente se aproxima o ponto de não retorno, quando a floresta não terá mais capacidade de se recuperar. Em todo continente latino-americano os efeitos da destruição da floresta já são sentidos. Do Pacífico ao Caribe, da Cordilheira dos Andes aos Pampas.
Em momentos de perigo é preciso ser audacioso. A floresta amazônica está sendo afogada por diversos crimes, comandados por governos genocidas como o do Brasil e o da Colômbia. Por fim a estes governos é uma necessidade imperiosa dos povos da Panamazônia e do mundo. Mas além de se livrar dos maus governantes, é preciso mudar sua política. Parar definitivamente os cortes e os incêndios é uma medida indispensável e saneadora. Da mesma forma apoiamos a campanha feita pela Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica para que cheguemos a 2025 com 80% da cobertura florestal da Amazônia de pé, garantindo assim que o ponto do não retorno não será alcançado. Em escala internacional, é necessário interromper o consumo dos produtos ligados ao desmatamento da Amazônia, como os derivados do agronegócio predador. Defender a Amazônia é o único caminho para os povos de todos os continentes.
É fundamental demarcar e proteger todas as terras indígenas e das comunidades tradicionais, cessando imediatamente as invasões e os ataques. Exigir o cumprimento da Convenção 169 da OIT, que garante consulta livre e bem-informada aos povos e populações tradicionais, no caso de projetos que afetam nossos territórios e nosso modo de vida. Não é possível mais suportar os pesados custos sociais, ambientais e culturais impostos por megaprojetos hidrelétricos, de infraestrutura e monoculturas de soja, dendê, eucalipto, acácia que em nada beneficiam nossa vida e são ameaças concretas à nossa existência.
Quando esta carta chegar às vossas mãos, governantes do mundo, é possível que estejam discutindo sobre como destinar os recursos previstos para deter a catástrofe climática. Deixem-nos dizer sinceramente, que nenhum centavo deve ser destinado para quem, através de ataques abertos ou falsas soluções ambientais, promove a destruição da natureza e sua transformação de ente vivo em coisa morta. Os recursos do mundo para defender a floresta devem ser destinados aos que derramam seu sangue, afrontam a violência e mesmo assim são os mais comprometidos defensores da natureza. Assim é justo que recebamos diretamente os recursos destinados para salvar a floresta. Desta forma poderemos potencializar e expandir nossa ação, beneficiando toda humanidade.
Não há mais tempo para esperar. Nós, indígenas, quilombolas, pescadores, moradores das cidades amazônicas, cientistas de várias áreas, nos reunimos por quatro dias em Belém, trocando conhecimentos e percepções; após termos chegados a algumas conclusões, escrevemos esta carta, com aquilo que nosso coração diz, reflorestando mentes para a cura da Terra.
Desde Belém do Pará, próximo ao Delta do Grande Rio, levantamos nossas vozes. Estamos convencidos que a Amazônia é o coração do mundo. Aqui se travará o embate decisivo, onde será decidido o destino da Humanidade e da Biodiversidade. Não há como salvar o clima do planeta sem deter os ataques contra a Amazônia e nossa gente. Acreditamos que a força dos povos do mundo será capaz de mudar esta história. Uma Amazônia preservada e vitoriosa será o trampolim de uma nova Humanidade.
Assine o documento aqui
Anexo: Amazônia