Mais de 120 mil pessoas participaram da última marcha convocada pelo movimento estudantil – já foram sete desde que começaram as ocupações e greves em colégios e universidades – que exige uma reforma estrutural no modelo educacional vigente no Chile há mais de 30 anos. A bandeira de luta – que se mescla com as dos trabalhadores do setor de mineração do cobre, dos desempregados, dos ecologistas, dos sufocados pelo sistema creditício, entre outros milhares de anônimos cansados dos abusos – é o fim da lógica de mercado no setor, além da volta da gratuidade da educação pública para os setores de menor renda da população. Cerca de 200 mil pessoas saíram tranquilamente às ruas do país para protestar contra um governo de direita que já não os representa.
A nova mobilização demonstrou a ampliação do apoio aos estudantes e o suporte que sustenta um movimento que já dura dois meses e que se fortaleceu com o apoio de 80% da sociedade às reivindicações estudantis, segundo as pesquisas.
E os números se concretizaram nas ruas. Na manifestação desta terça-feira, participaram também alunos de colégios privados do setor mais acomodado de Santiago, diversos professores, apoderados, trabalhadores públicos e representantes de sindicatos empresariais que aumentaram sua solidariedade com os estudantes, após a feroz repressão do governo de Sebastian Piñera na semana passada. Foram detidos mais de 600 jovens, devido à estratégia das autoridades de não autorizar a marcha para aumentar a raiva e criminalizar o movimento social.
O dia ensolarado de ontem ajudou a criatividade dos estudantes. Jovens disfarçados como o ex-presidente Salvador Allende, simbolizavam o que era o Chile antes do golpe militar de 1973: uma sociedade menos opulenta no consumo de bens e serviços, mas com um sistema educacional grátis para todos. “E vai cair, a educação de Pinochet”, escutava-se em meio à fila interminável de manifestantes”. Algumas quadras além, um avô mostrava com orgulho um cartaz que dizia: “marcho para que meus netos tenham educação gratuita como eu tive”.
O eixo das reivindicações do movimento estudantil é justamente uma demanda estrutural que foi bloqueada por décadas, desde o governo militar, passando pelos governos da Concertação. Por isso, nos desfiles de cada marcha, encontram-se grandes bonecos que são réplicas dos últimos quatro presidentes desde que, em 1990, o Chile retornou à democracia, representando as reformas cosméticas feitas na educação, aprofundando a participação do setor privado em um bem social.
Esse é também um dos motivos pelos quais a paciência dos cidadãos e estudantes está se esgotando: os bancos são os grandes protagonistas na histórica do lucro na educação, porque com o papel subsidiário do Estado, imposto por Pinochet, o setor financeiro privado pode administrar os recursos fiscais aplicados em uniformes para os jovens, mas com a cobrança adicional de juros mensais superiores inclusive aos cobrados sobre créditos imobiliários. Juan, um jovem formado em Direito, afirmava com outro cartaz: “estudei 5 anos e terei que pagar 20”.
Outras jovens universitárias, carregando uma bandeira chilena, reclamavam a mesma coisa: “É a mesma coisa que se eu tivesse comprado uma casa”, dizia uma delas.
Atualmente, mais de 100 mil estudantes encontram-se em situação de inadimplência, com uma dívida média de 2.700.000 milhões de pesos chilenos (mais de US$ 5.000). Em um país em que mais de um milhão de pessoas recebe por mês salários mínimos de US$ 377, é perfeitamente possível entender como os mais pobres ficam fora da universidade, enquanto que as classes medidas ficam empobrecidas por décadas.
O desenvolvimento das chamadas universidades-empresa é a cereja do bolo, uma vez que funcionam por meio de direções privadas que não asseguram a adequada informação de qualidade e transparência. Nelas, a gestão da educação obedece à lógica do baixo custo em salários de professores e material acadêmico, e altas receitas das mensalidades, usufruindo dos subsídios de educação fornecidos pelo Estado.
Uma estória a parte neste processo de aperta/afrouxa entre a sociedade civil e o governo de direita é a resposta mínima do presidente Piñera às demandas estudantis. Até o momento, foram feitos tíbios anúncios de maiores recursos (US$ 4 bilhões), sem detalhar, porém, como e a forma de financiamento.
Mostrando o figurino da ortodoxia neoliberal da atual administração, os ministros do setor econômico descartaram uma eventual reforma tributária para aumentar os impostos das empresas, o que significou jogar gasolina no fogo dos estudantes.
A jornada desta terça foi marcada por outro elemento que fez lembrar os piores momentos perpetrados pela ditadura de Pinochet: os supostos “infiltrados” da polícia chilena nas mobilizações.
Segundo as lideranças estudantis, em cada marcha há policiais à paisana nas ruas para incendiar os ânimos e agitar as marchas. Essa suspeita se fortaleceu em Valparaíso, cidade-porto onde se localiza o Congresso Nacional. Durante a marcha, um grupo de manifestantes identificou, denunciou e perseguiu um possível policial infiltrado, que escapou, escondendo-se no Congresso. As autoridades do governo garantiram que investigarão este fato a fundo.
Todos esses temas de fundo cruzam cada marcha dos estudantes chilenos, temperadas agora pelos chamados “panelaços” em apoio às mudanças estruturais na educação realizados por milhões de chilenos há uma semana em todas as cidades do país, tal como se fazia nos protestos contra a ditadura de Pinochet nos anos 80. As únicas pessoas que não ouviram essas demandas trabalham no Palácio de La Moneda, onde o presidente Piñera ainda não se pronunciou.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer