26/8/2010, Khaled Amayreh, Al-Ahram n. 1013, Cairo
O anúncio essa semana de que a liderança da Autoridade Palestina (AP) concordara com reiniciar conversações diretas com Israel, virtualmente sem impor qualquer condição, gerou consternação entre os palestinos e entre praticamente todos os grupos políticos.
Uma Autoridade Palestina visivelmente embaraçada e frustrada continua a tentar justificar e explicar uma decisão que parece ter sido tomada sob pressão, dado que o governo Obama não se cansa de pressionar aqueles líderes políticos vulneráveis, acusando-os de estar metendo lascas de madeira nas engrenagens do processo de paz.
Líderes políticos e porta-vozes da AP têm negado veementemente que a AP tenha, finalmente, capitulado ante Israel. Afirmam e reafirmam as posições anteriores, de que a AP continua comprometida com preservar os direitos dos palestinos, e que a meta central das negociações de paz ainda é a criação de um estado palestino viável e territorialmente contíguo.
Mas nenhum dos pronunciamentos dos líderes em Ramallah é levado a sério, nem por Israel nem pelas principais forças políticas palestinas, que já acusaram a AP de ignorar a opinião pública palestina que desaprova fortemente qualquer tipo de conversação com Israel, nas atuais circunstâncias. A questão já pôs na defensiva o Fatah – principal grupo político da Autoridade Palestina.
Os porta-vozes da AP evitam atentamente qualquer contato com a imprensa, aparentemente porque nada têm a dizer que sirva como bom argumento a favor da decisão de retomar as conversações com Israel. E alguns figurões do Fatah, inclusive o presidente Mahmoud Abbas, já declararam que boicotarão as conversações previstas, a menos que Israel congele completamente a construção de novos prédios nas colônias exclusivas para judeus nos territórios ocupados. Israel e Washington já rejeitaram a precondição. Funcionários do Departamento de Estado têm repetido que “as questões sobre as quais não há acordo serão discutidas durante as conversações”.
Do ponto de vista “superior” dos EUA, isso significa que a decisão já tomada por Israel, de recomeçar as construções nos territórios ocupados – ao final do prazo fixado para “o congelamento” (que jamais foi total) adotado há vários meses e cujo prazo expirará no próximo mês de setembro – não deve ser considerada motivo suficiente para impedir o início das conversações. Anteriormente, Abbas já alertara, em cartas a Obama e a representantes do Quarteto, que se Israel não mantivesse suspensas as construções de novos prédios nos territórios ocupados, as conversações de paz ficariam presas num impasse. “É impossível conduzir conversações, ao mesmo tempo em que prossegue a construção de colônias”, escreveu Abbas.
Os norte-americanos, negociadores, árbitros e juízes do “processo de paz”, ainda não se pronunciaram sobre o congelamento das construções. Fontes em Washington sugeriram que o governo de Obama mantenha-se “no ponto médio” da questão, e permita que Israel construa nas suas grandes colônias (as que estão planejadas para serem anexadas a Israel, no contexto de qualquer acordo de paz final ao qual se chegue algum dia), ao mesmo tempo em que novas construções continuem proibidas nas colônias menores a leste do Muro do Apartheid.
Alguns funcionários de Israel apoiam essa fórmula, como, dentre outros o Ministro dos serviços de inteligência Dan Meridor. Mas os ministros da direita mais linha dura que constituem o Gabinete de governo opõem-se a qualquer concessão de caráter ideológico.
Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu já repetiu suas condições draconianas para a criação de um estado palestino. Falando em sessão do governo essa semana, Netanyahu avisou que não haverá qualquer tipo de acordo de paz com os palestinos, a menos que a Autoridade Palestina reconheça Israel como estado judeu. No léxico político e ideológico de Israel, “estado judeu” significa esquecer que Israel é estado colonialista e institucionalizar a discriminação religiosa contra os palestinos não judeus que vivem em Israel, como cidadãos árabes-israelenses. A expressão invoca também a possibilidade da “evicção” de centenas de milhares de cidadãos israelenses não judeus.
Netanyahu disse que são três as condições que, se não forem atendidas, jamais haverá acordo: os palestinos deverão atender a todas as exigências de segurança de Israel; deverão reconhecer Israel como estado judeu; e deverão reconhecer também que o acordo que seja alcançado será o fim do conflito. A insistência de Netanyahu nessas condições, que tem repetido sempre, em todas as oportunidades, significa que não haverá jamais acordo de paz com os palestinos, seja qual for a intensidade da honestidade que haja nos esforços dos EUA.
Círculos em Israel esperam que os EUA, mais dia menos dia, consigam obrigar a fraca Autoridade Palestina, mediante táticas de porrete-e-cenoura, a render-se ao fato consumado, e aceitar um “para-estado” palestino, sob virtual controle de Israel. Esses círculos têm sido encorajados pela atitude “positiva” como a AP estaria “administrando” a questão das conversações, sobretudo depois da chegada, ao poder, do governo liderado pelo partido Likud, há mais de um ano. O fato de a Autoridade Palestina sempre, como agora, ter desistido de precondições cruciais, para reiniciar conversações com o governo israelense, para os mesmos círculos, mostraria que a AP pode fazer concessões a Israel, desde que suficientemente pressionada por Washington.
O Hamás, que se tem beneficiado politicamente do que considera “concessões vergonhosas feitas pela AP” a Israel, tem atacado os líderes da AP, que estariam “jogando com a causa nacional do povo palestino”. “É evidente, para quem tenha olhos e ideias na cabeça, que os líderes de Ramallah não são confiáveis, e que não se pode entregar a eles a defesa da causa dos palestinos. Só os norte-americanos confiam nesses líderes falidos. Os palestinos não confiam neles”, disse Sami Abu Zuhri, importante porta-voz de grupos islâmicos da Faixa de Gaza.
Abu Zuhri denunciou o Fatah pelo “silêncio e descaso com a causa nacional dos palestinos, que lhes valem [ao Fatah], dentre outros, alguns benefícios imediatos”. E acrescentou: “Nós, no Hamás, consideramos essas conversações catastróficas. Estão sendo organizadas para liquidar a causa palestina.”
No mesmo tom, outro partido islâmico, o Hizbul Tahrir, Partido da Libertação, atacou os líderes da AP por “viverem à espera de um Estado sem soberania nem controle sobre as próprias fronteiras, um estado controlado por Israel, um estado cuja razão de existir seria brutalizar o povo palestino, a favor de Israel”.
Se se consideram o claro viés dos EUA pró-Israel, as evidentes más intenções e a insolência do governo israelense, e a inerente fragilidade da posição dos palestinos, é mais que provável que a próxima rodada de conversações diretas entre Israel e a Autoridade Palestina leve a lugar nenhum. Em última análise, o imenso fosso que separa os dois lados não pode mais ser transposto apenas com as ferramentas clássicas das relações internacionais.
Além disso, é pouco provável que Washington, com toda a experiência que tem acumulada em questões do Oriente Médio, não perceba que é praticamente impossível alcançar qualquer conciliação histórica efetiva, para o conflito Israel-Palestina. Talvez Washington tenha decidido que a melhor solução seja manter eternamente “aberto”, sempre inconcluso, um processo de paz interminável.
Para os palestinos, isso significaria, apenas, que Israel continuará a criar fatos e factóides, ao mesmo tempo em que continuará a ocupar terra palestina, a fingir que negocia uma falsa paz que jamais fará, e a lamuriar-se. Em síntese, absurdum ad infinitum.