A “ajuda humanitária” que chega com a 4ª Frota do Império
23 de janeiro de 2010, de São Sebastião do Rio de Janeiro, Bruno Lima Rocha
No momento em que este artigo é lido, é possível que o presidente Obama e a pró-cônsul do Império Hillary Diane Rodham Clinton já tenham consolidado o país chamado Ayití no idioma kreyol (créole francês) como campo de provas para mais uma ocupação de tipo protetorado. Toda comparação histórica é meio forçosa, mas não há como negar a visão do Caribe como o atual Mare Nostrum estadunidense. Os EUA operam nas águas antilhanas e caribenhas como os romanos operaram com suas galés no Mediterrâneo.
A declaração de 21 de janeiro de 2010, vinda da Casa Branca, alocaria uma Divisão inteira de armas combinadas do Comando Sul para a “ajuda” humanitária do Haiti. O contingente anunciado chegaria a 20.000 homens e mulheres em armas ou no apoio ao combate. Mesmo se considerarmos as estatísticas mais apavorantes, de 1 milhão e meio a 2 milhões de haitianos sem casa, ou seja, 1 em cada 4 moradores do país vivendo nas ruas, a presença de tropas leais a Washington (ainda que sob contrato mercenário) já é por si só um exagero.
De sua parte, o secretário-geral da ONU Ban Ki-Moon convocara os países que compõem as forças conjuntas de ocupação do país mais pobre das Américas, MINUSTAH, a receberem o reforço de mais 3.500 soldados profissionais (entre combatentes e policiais). Assim, a ONU que em tese promove uma “ocupação do Bem na terra dos Duvalier (o finado Papa Doc e seu filho Baby Doc), estaria tentando ampliar o volume de tropas para continuar fazendo a sua função pela metade.
Mesmo não podendo comparar a ação unilateral dos EUA, que a nada respeitam, nem sequer aos organismos multilaterais globalizados os quais eles fazem parte, com a MINUSTAH, é preciso repetir que não há ocupação militar boa no mundo! A ONU entrou para evitar também o desgaste do Império que promovera a invasão em 1994, com o pretexto de restauração de ordem constitucional que o próprio Império ajudara a derrubar. É a ONU que desde 2004 ocupa o país após um golpe de tipo institucional haver derrubado novamente e evadido do país ao ex-padre e então presidente Jean Bertrand Aristide.
Sejamos francos, o absurdo da ocupação das Nações Unidas cujo comando militar ao Brasil pertence está em consolidar uma oligarquia herdeira política dos Duvalier isto implicando em todas as suas conseqüências. Até o terremoto os capacetes azuis eram o Exército do país, e a polícia local um braço auxiliar. O controle político era dividido com a presença dos descendentes dos Makoutes (em seus escalões mais baixos), reciclados como gangues de favelas tomando a noite os bairros empobrecidos. Enfim, uma ocupação militar cujo modelo de estabilidade foi manter as estruturas centrais em seu lugar e não abrir margem para a contestação.
O Brasil foi e é cúmplice disso. Embora de forma menos brutal que o extinto Exército do país, as tropas da ONU chegaram a reprimir protestos estudantis, sindicais e camponeses, inclusive com mortos. O fuzil azul do multilateralismo opera de forma a evitar o “banho de sangue” da rebelião popular, e com isso, assegura a elite mulata – porque no Haiti a pobreza é de pigmentação mais intensa, de pele mais escura – a sua forma de vida e o comportamento de predador e sanguessuga para com os aportes que vêm de fora.
A “nova era” chegou na 4ª Frota
Agora isso mudou. Após o terremoto de 13 de janeiro, logo seguido de outro em escala menor, a prepotência estadunidense e as pretensões políticas de Hillary Clinton diante de um Barack Obama mais enfraquecido, elevam a temperatura na região e, de fato, subordinam às demais forças estrangeiras ali presentes. Os absurdos narrados pelos Médicos Sem Fronteiras no controle do aeroporto e nas aterrisagens frustradas de aviões lotados de equipamentos hospitalares e pessoal especializado revelam o início da “nova era”. Nesta era, retornamos a 1915, quando os EUA também ocupam a parcela francófona da Ilha de Hispaniola e de lá saem somente em 1934, deixando a sociedade tradicional em frangalhos.
Entendo que o mínimo a ser feito é condenar tanto a ocupação dos estadunidenses como a da MINUSTAH e, reforçar de todas as formas possíveis o que restar de auto-organização social haitiana. Neste item, a retomada da produtividade no setor agrícola do país é fundamental, e neste quesito, por sorte, é possível uma ação solidária entre camponeses. Se aceitarmos, ao menos como opinião pública latino-americana, a ocupação da ONU antes e dos EUA a partir de agora, ideologicamente estaremos naturalizando a presença da 4ª Frota nos portos e costas do Continente.
Pouco importa se o Big Stick veio travestido de “ajuda” humanitária, é ocupação militar e repressão sobre os civis do mesmo jeito. Os navios de guerra dos EUA tanto transportam pessoal e equipamentos (como o hospital embarcado); como protegem os cruzeiros turísticos nas águas do Mar do Caribe e asseguram o espalhar do medo e da sensação de ordem vindo de fora para os famélicos haitianos.
A solução para o Haiti e para qualquer povo sob flagelo é a reorganização social e identitária de si mesmo. Assim, o orgulho kreyol e afro-caribenho da independência de 1804 é a arma mais perigosa para as gangues de Tonton Makoutes, para a oligarquia mulata e corrupta e para os dois exércitos invasores (da ONU sob comando brasileiro e estadunidense respondendo a Obama e Hillary). Um exemplo disso é a coalizão denominada de Plataforma Haitiana pela Defesa de um Desenvolvimento Alternativo – PAPDA (Plateforme Haïtienne de Plaidoyer pour un Développement Alternatif – www.papda.org. Parte de seu programa (encontrado no portal de internet), difundido pelo membro e professor Camille Chalmers e enviado a mim pelo brilhante historiador e ativista libertário chileno José Antonio Gutiérrez D. é a prova viva dos argumentos expostos acima.
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