Violência obstétrica pede que tema seja incluído na carta do FMDH

Ao final da atividade, promovida pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no Fórum Mundial de Direitos Humanos (FMDH), as ativistas do movimento de parto humanizado passaram uma lista de abaixo-assinado para pedir ao FMDH a inclusão da violência obstétrica como ponto fundamental nos direitos humanos, na carta final do evento.

A violência obstétrica, relatada no documentário exibido em diversas salas de cinema em todo país, em agosto deste ano, é qualquer ato ou intervenção realizada na mulher grávida, parturiente ou puérpera (que deu à luz recentemente), ou ao seu bebê, feita sem o consentimento da mulher. Essas práticas têm em comum o desrespeito à autonomia da mulher, seja por ferir a integridade física, mental e emocional.

Uma a cada quatro mulheres brasileiras foi vítima de violência obstétrica. É o que constatou a pesquisa “Mulheres brasileiras e Gênero nos espaços público e privado”, realizada pela Fundação Perseu Abramo, em 2010. Entre as mais comuns estão gritos, procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, falta de analgesia e diversas formas de negligência.

“A grande dificuldade do tema é a questão da judicialização. Ainda não existe um histórico na Justiça sobre os casos. Falta jurisprudência. O mesmo movimento que trouxe esse assunto à tona também tem a missão, agora, de coletar histórias e leva-las à Justiça para que se torne crime e que haja responsabilização”, contou Ana Paula Meirelles, coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, uma das debatedoras convidadas.

No entanto, Ana Paula lembrou que a criminalização não é o único caminho. “Cada caso é um caso e é possível instituir penas alternativas. Sabemos as condições atuais do sistema penal brasileiro, que em muitos casos é extremamente duro. Não é nossa intenção sair prendendo as pessoas. Mas, para coibir as práticas que ferem os direitos humanos das mulheres, é preciso regulamentar”, reforçou a defensora pública, que comparou a atual situação da violência obstétrica com o início da luta contra a violência doméstica, que precisou de uma legislação específica, a Lei Maria da Penha (em 2006).

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Lara Werner, da organização não governamental Artemis, que também compôs a roda de debate, lembrou legislações já existentes em outros países como na Argentina e na Venezuela, países pioneiros nessa atuação. comparou a atual situação da violência obstétrica com a violência doméstica. “Devemos ter como base as legislações já existentes, até mesmo porque a da Venezuela é muito dura e dá o mesmo peso para todos os casos. É possível pensar em penas alternativas e até porque não em indenizações financeiras. Na Argentina, existe inclusive uma lei federal específica para o parto humanizado que evita a violência”, contou Lara Werner.

Lara chamou a atenção para o desconhecimento sobre o tipo de violência e da necessidade de ampliar o debate: “A pesquisa constatou que 25% das mulheres já sofreram violência durante o parto. Nós da Artemis temos a certeza de que se mais mulheres tomarem conhecimento, esse número certamente aumentará, já que o que caracteriza hoje a violência obstétrica é o desconhecimento, o que torna a mulher vítima constante de maus tratos. Na luta pela emancipação da mulher, é preciso tipificar todos os tipos de violência sofridas”.

Brasil: campeão de cesariana

No Brasil, o PLS 8/2013 que institui o parto humanizado no Sistema Único de Saúde (SUS), foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), do Senado, em decisão terminativa, e foi enviado à Câmara dos Deputados. Atualmente, o país é o campeão em cesarianas com mais de 50% de cirurgias realizadas, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que o índice não ultrapasse 15%. Nos hospitais particulares, em 2011, o índice chegava a 83,8%, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Daphne Rattner, médica e professora da Universidade de Brasília (UnB), lembrou que as práticas violentas vêm da cultura da rede de saúde e, antes disso, das salas de aulas nas universidades. “Nas reuniões que fazemos na UnB, onde coordeno o serviço Pró-Saúde, ouvimos relatos de estudantes residentes que afirmam nunca ter tido contato com informações sobre parto natural. O conteúdo é todo voltado para as intervenções cirúrgicas”, contou Daphne, que participa do filme O Renascimento do Parto.

Participação

Os produtores do documentário, a doula e educadora perinatalÉrica de Paula, e o “produtor de audiovisual ativista” como se define Eduardo Chauvet, também participaram da atividade e foram homenageados pelos presentes. Eles foram parabenizados e encorajados pela plateia, que participou ativamente do debate, a continuar atuando na área.

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Entre os pontos colocados pelo público está o fato do valor elevado dos partos humanizados e do número reduzido de profissionais que atuam dessa forma. Em Brasília, somente duas médicas fazem esse atendimento. Mas a capital federal é uma das poucas cidades brasileiras que possuem uma Casa de Parto – em São Sebastião. Um casal que está prestes a ter uma filha relatou que há um ano o valor da cirurgia, particular, era de R$ 2.500. Agora, o valor chega a R$ 8 mil.

A médica Daphne Rattner lembrou que em março deste ano foi lançada a Rede Cegonha, uma política pública voltada à saúde da mulher. “É a primeira vez que temos uma política específica voltada para o parto humanizado. O objetivo da Rede é criar mais 250 casas de parto em todo o país, onde há como acolher outros profissionais que têm relação direta com os cuidados com a mulher. Mas a distância ainda é grande entre a intenção e a prática, por isso é preciso ampliar a luta”, concluiu.

A Rede Cegonha vem recuperando algumas ações já empreendidas, como o Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e Neonatal (2005), área de relevância da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM, 2003). Também agregou ações diretas para grávidas, parturientes, puérperas e filhos de até dois anos, como vale-táxi e Samu-Cegonha.

Deborah Moreira
(participa da cobertura colaborativa do Fórum Mundial de Direitos Humanos, em Brasília)

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