Depois de 2011 muitas coisas aconteceram no Marrocos, Jordânia, Palestina, Egito, Síria, Tunísia, etc… “E nossa missão é reproduzir as informações, há muitas mudanças na região”, disse Hamouda Soubhi, do Marrocos e membro do Comitê Local do FSM2013, na primeira sessão dos Diálogos promovidos pelo GRAP – Grupo de Apoio e Reflexão ao Processo do Fórum Social Mundial. A mesa desta terça-feira, 29 de janeiro, foi sobre a primavera árabe, hoje (quarta) haverá outra sobre o movimento dos indignados, os Occupies e os protestos recente dos estudantes chilenos.
Todos nos contaram que a luta de seus povos vem de muito tempo, vários ativistas que lideraram os protestos são militantes há décadas, essas revoluções não surgiram de repente, organizadas pela internet, como os meios de comunicação tentam passar. Para Messaoud Romdhani, do Fórum Tunisiano de Direitos Humanos, não é estranho que o movimento na região tenha começado em seu país. “A Tunísia tem tradição de ser moderna”, conta Messaoud e cita como exemplo que “já no século XIX foi o primeiro país árabe a proibir a poligamia, dando status para as mulheres”. Desde os anos 80 e 90, os movimentos começaram a ligar a luta por direitos civis à luta por direitos econômicos, com a união dos sindicatos aos movimentos de mulheres e de luta por direitos humanos.
A participação ativa das mulheres tem sido destaque em toda a primavera árabe, sobretudo porque a cultura ali e a religião islâmica restringem muito os seus direitos. Halima Juini, da organização de mulheres da Tunísia, contou-nos sobre as lutas das trabalhadoras têxteis que ocuparam fábricas para evitar seu fechamento e disse que a participação das mulheres deu nova forma à luta. No início da revolução a união do movimento feminista com o movimento estudantil foi fundamental, diz Halima. A luta deu também às mulheres a coragem de denunciar as violências específicas que as atingem, “muitas vezes tratadas como prostitutas, julgadas moralmente por um conservadorismo que humilha as mulheres”. Foi uma evolução no processo o reconhecimento dos direitos das mulheres como parte dos direitos humanos fundamentais.
Partidos colonizados
A fraqueza dos partidos locais e a interferência dos EUA e aliados são outras características citadas pelos depoentes, que repudiam a mistura de religião com a política, utilizada para a opressão dos seus povos e lutam por uma democracia laica. “Ganhar a eleição é mais difícil do que fazer a revolução, a sociedade é resistente”, pondera Messaoud. O ativista critica o atual governo da Tunísia que “não tem prioridade social porque se baseia numa religião que quer retroceder o país à Idade Média”. Na Síria, a revolução apresenta-se ainda mais confusa para o mundo pelas posições aparentemente progressistas do ditador Bashar al-Assad, que sustenta um regime há 48 anos no poder. “O governo colocou nossa população à mercê dos EUA”, segundo Sara Ajkyakin, ativista exilada no Líbano há dez meses e há três visitando o Brasil para divulgar sua causa. “Derrubar o ditador e seu aparato militar tornou-se objetivo de todos”. Sara diz ainda que a base social da revolução síria é composta por ativistas que apoiam as mulheres, as crianças, os estudantes. A burguesia teria menosprezado os manifestantes inicialmente, dizendo que aquelas pessoas nada representavam.
“Queremos internacionalizar a revolução desde o primeiro dia. Nada esperamos dos PCs que estão com Assad, dizem-no socialista por ser pró-palestino. Digam, que socialista mata mais de 60 mil pessoas do seu país?” , pergunta indignada a jovem representante da Síria. Ela conta que 90% da economia síria é privada e que, destes, 70% das empresas estão nas mãos da família do ditador. “A luta é contra o imperialismo dos EUA e da Rússia; mas os americanos são mais inteligentes, sustentam grupos moderados islâmicos que concordam em submeter-se aos interesses dos Estados Unidos”. Sara protagonizou a polêmica da noite, levantada por um militante na plenária ao defender o governo da Síria com o discurso dos partidos comunistas. “Você tem o direito a ter sua opinião, mas não tem direito aos fatos. Assad contribuiu para o massacre dos palestinos em 67, por que não se fala nisso?”, indignou-se.
Segundo Sara, “na Síria não teria começado uma revolução sem as revoluções na Tunísia e nos outros países árabes”. Para o representante palestino na mesa, Yousef K. Y. Habache, a independência da Palestina só virá junto com a independência dos outros países árabes. Há mais de 65 anos os palestinos lutam pela autodeterminação do seu povo e pelo direito de retorno de seus milhares e milhares de refugiados no mundo todo. Ele mesmo um exilado da Palestina, “não conheço meu filho de 4 meses ainda”, Yousef falou dos 75 mil prisioneiros palestinos em sua própria terra, ocupada pelos sionistas israelenses que “tomaram toda a terra arável e não vão parar por aí”, da greve de fome em que se encontram diversos presos no momento. O ativista considera a “cadeira conquistada na ONU como importante, mas etérea” e denunciou a dupla posição levada pelo Brasil . “Apoiou o direito ao Estado da Palestina na ONU, mas tem economia militar forte que apoia Israel”. Sabemos que o Brasil é um dos bons compradores da avançada tecnologia bélica desenvolvida no Estado de Israel.
Comunicação e Fórum Social Mundial: visibilidade
Desigualdade, injustiça, pobreza, desemprego, precariedade da vida enfim, são condições comuns à maioria dos povos árabes (assim como aos latino-americanos e africanos) e verdadeiros motivos das revoltas populares. O controle da comunicação pelos opressores é outro traço comum. Sara diz que é responsabilidade nossa buscar acesso às informações que não vem pelas vias normais e dá um exemplo. Segundo ela, os dois principais jornais da Síria têm por nomes um deles o nome do partido no poder e o outro, o mês em que esse mesmo partido tomou o poder na Síria. “Depois das revoluções”, falou Hamouda, “os jornais passaram a falar no ‘despertar do mundo árabe’, como se os nossos povos estivessem dormindo!”, ironiza. Realmente, é muito preconceito e presunção de superioridade ocidental.
Ben Amor Romdhane, membro do comitê do FSM na Tunísia, também falou que a revolução não foi feita na internet, mas que ela propiciou um avanço no direito à comunicação. “A revolução foi fruto da coalizão dos movimentos de mulheres, estudantil, sindical e outros misturados aos blogueiros que quebravam códigos sociais criticando o governo na internet, alguns tendo pago alto preço por isso”. Chegou um momento na Tunísia em que o policiamento na internet filtrava e censurava informações, vários sites foram fechados, deixando o país sem informações do mundo e nem para o mundo. “Nos primeiros dias da revolução tivemos os blogueiros unidos, criando seus canais de comunicação, usando os celulares para enviar fotos do que acontecia”, disse o ativista. “Os blogueiros conquistaram o direito à informação, mostraram que ela não pode ser propriedade de poucos”.
“Há contradições em nossas revoluções”, confirma Sara ao responder questionamentos da plenária, “mas só participando delas, e em conjunto com a classe trabalhadora de todo o mundo, vamos atacar o imperialismo não só com palavras”. Questionou o internacionalismo e o socialismo de Hugo Chavez, “que enviou diesel para bombardear nossas vilas”. Ainda que o povo árabe se una por justiça, liberdade e dignidade, “a força do dinheiro vindo do Catar, Arábia Saudita e EUA leva o apoio aos reacionários”, falou Halima. “Eles dizem querer um Islã moderado, mas o dinheiro e o petróleo são suas principais causas”.
Por tudo isso, nova edição do Fórum Social Mundial acontecendo naquele lado do mundo é muito importante para a continuidade dos processos de transformação social e para a visibilidade internacional da luta dos povos árabes. “O FSM, com a ideia de misturar as lutas por todos os direitos, foi inspirador para a Tunísia”, diz Messaoud. “O FSM chamará a atenção do mundo para a Tunísia, mostrando um governo islâmico que quer voltar para a Idade Média. Pobreza, desigualdade, desemprego são problemas que estão no mundo todo”.
Essa é a idéia original do FSM, proporcionar o contato e a troca de experiências entre os que almejam um outro mundo melhor, fortalecendo a luta global. “A causa palestina é uma causa humana”, falou ainda Yousef Habache, “queremos solidariedade, mas queremos ser solidários com os outros povos, globalizar a luta e os direitos humanos”. Essa é outra característica comum nos depoimentos sobre a primavera árabe, a certeza de que a luta continua. “Os movimentos sociais não param de crescer e se manifestar diariamente”, disse Ben Amor. “Acredito que a revolução não terminará enquanto não se conquiste equidade e igualdade social”. Tomara.