Traduzido por Fernanda Favaro
A edição tunisiense do FSM terminou no dia 30 de março último. Foi uma oportunidade única para associações, organizações e cidadãos do mundo todo se envolverem e estabelecerem os recursos necessários para alimentar os respectivos engajamentos. Neste texto, estou interessado na ligação entre a atual situação na Tunísia e a realização do FSM em Túnis.
Sem dúvida, pessoas e ativistas de todo o mundo vieram a Túnis para tentar ‘ter uma ideia’ da “revolução” na Tunísia e suas consequências. Mas não é certo que a maioria delas esteve em contato com os atores da vanguarda da revolução, notadamente os tunisianos de bairros pobres de Túnis e aqueles vindos de áreas remotas, os quais têm participado ativamente na revolta popular.
A exclusão de movimentos sociais de base e daqueles que estão à margem tem sido um tema recorrente nos fóruns sociais mundiais, e o Fórum Social Mundial 2013 não foi exceção. Embora fosse claro que a participação no Fórum de Túnis era enorme, a grande maioria dos tunisianos não pôde comparecer, e muito menos propor atividades, o que é bastante irônico, uma vez que a conjuntura histórica deveria promover o intercâmbio de conhecimentos e práticas daqueles que lideraram as revoltas populares.
Em vez disso, vimos uma enxurrada de milhares de associações e ONGs, a maioria das quais vieram expor as atividades de seus setores bem definidos, e foram incapazes de deixar suas áreas específicas de atividade, as quais são delineadas, muitas vezes, pelas falhas do sistema capitalista (direitos humanos, direitos das mulheres, desenvolvimento, educação, dívida, migração, etc).
Para entender essa situação, pistas para reflexão podem ser encontradas principalmente nas diferenças entre as ONGs locais e internacionais e os movimentos sociais no processo revolucionário. No caso do primeiro grupo, suas ações são definidas como: reformar, regular, melhorar, representar, democratizar, financiar, etc. Quanto ao segundo, trata-se de enfrentar, reclamar, se apropriar, revolucionar, espalhar escândalos, bater, lutar, bloquear a economia, etc. Fala-se não somente em denunciar o capitalismo e a globalização, mas também o Estado.
Como a história amargamente nos lembra, o dia 14 de janeiro de 2011 marcou o início da “transição democrática”; Ben Ali se foi, mas o sistema ainda está em vigor: o sistema policial, os diversos ministérios, os detentores ocultos de poder, etc. Muito rapidamente, uma agenda de transição democrática foi imposta ao processo revolucionário em curso, criando um protesto popular de envergadura (Kasbah), que desapareceu após alguns meses.
Claramente, muitos tunisianos queriam continuar a batalha contra o monstro que se tornou o Estado da Tunísia: o sistema de repressão, a corrupção endêmica, o imperialismo econômico sofrido, as políticas de subdesenvolvimento, etc. foram discutidos, analisados e desconstruídos pelos tunisianos nas ruas e em toda parte, e isso somente depois da “revolução”.
É forçoso constatar que, durante o FSM, o governo tunisiano esteve presente através de seus vários ministérios. Alguns puderam notar que o setor turístico se reinventou, criando um novo tipo de turismo: o turismo ativista, produto perfeito para relançar um turismo low cost, beneficiando as elites e exportando a imagem de uma Tunísia pacífica e pronta para os investidores estrangeiros, afinal, “a revolução já acabou, não é mesmo?” “Tunísia do Jasmin”, alguém se lembra dela?
A presença maciça dos ministros do Estado, aos quais foi permitido viver por uma semana em uma “Disneylândia”, longe da pobreza, dos marginalizados, da violência, etc. Um motorista de táxi me disse que a semana do FSM o fez lembrar dos tempos de Ben Ali, quando o turismo corria bem. Mas depois, quando ele quase foi preso pela polícia naquela noite, disse que a presença da polícia no FSM também o fez lembrar dos tempos de Ben Ali … Sem comentários … Um outro amigo me disse que a presença maciça de forças de segurança em um forum ‘social’ é uma afronta e revive os traumas daqueles que foram vítimas de repressão por parte das “forças de ordem” durante a revolução e depois dela…
Para muitos, o processo de democratização pós 14 de janeiro de 2011 foi contrarrevolucionário. Pode-se dizer o mesmo do FSM 2013 em Túnis, em relação à “sociedade civil”. Se o FSM foi povoado por ONGs locais e internacionais, isto também significa que os movimentos sociais de base perderam uma oportunidade histórica para se conhecer, se unir e reconhecer seu inimigo comum: o capitalismo (e não só o neoliberalismo), o Estado impotente, a colonização econômica, cultural e do imaginário, bem como o rolo compressor da modernidade e do progresso made in Ocidente. O ‘ONGzação’ da ‘sociedade civil’ é uma faceta do fenômeno “sociedade civil”, porque as ONGs podem ser vistas como emissárias do Capital e do Estado, enquanto que os movimentos sociais estão relacionados com a necessidade de confrontar o Capital e o Estado.
O que podemos ver é um padrão de colonização baseado em um certo modelo de “sociedade civil” ocidentalizado que institucionaliza as lutas, afirma “representar” os marginalizados, monopoliza o discurso e a presença na mídia, e – especialmente – segue uma agenda em conformidade com as necessidades de doadores internacionais, enfraquecendo a “sociedade civil” local diante de suas prioridades e sua escolha em seguir as políticas impostas. É uma economia política das lutas sociais que precisa ser descontruída, porque esta ‘ONGzação’ se intensificará no futuro e, acima de tudo, será um freio para a autodeterminação dos povos.
A colonização é encontrada até mesmo nos fundamentos conceituais e históricos que reivindicam à modernidade europeia o humanismo, o universalismo, o secularismo, o determinismo, o racismo, a ciência e o racionalismo. Isso reforça a ideia de que o Ocidente tem o monopólio da modernidade, embora existam diferentes modernidades, espalhadas no tempo e nos espaços de diferentes civilizações. No caso da Tunísia, a forma de ver e pensar a política não pode ser fundamentada na realidade se a modernidade árabe-muçulmana não é levada em conta em toda a sua diversidade e complexidade histórica e ontológica. Esta nova modernidade segue procurando alternativas para a compreensão do capitalismo e sua desconstrução.
A especificidade do FSM 2013 é que ele foi realizado em um país em processo revolucionário, e foi uma oportunidade perdida para a tomada de ações concretas face às problemáticas urgentes, ações estas que complementariam os discursos e oficinas do fórum. Há o dossiê dos refugiados em Shusha, o recente empréstimo do FMI, o dossiê sobre a impunidade da polícia, etc. Foi uma grande oportunidade para apoiar os movimentos sociais em atividade e, no entanto, nada aconteceu.
Agora, decidir se o fórum é revolucionário ou reformista parece inútil. Aqui está uma proposta concreta: cancelar a Carta de Porto Alegre do FSM e dar, ao evento, um novo nome: Fórum de Profissionais Sociais, Fórum das ONGs e do Estado, Fórum do Estado Anfitrião (envie sua proposta para esta página colaborativa, não hesite em contribuir: http://pad.tn/p/FroumName).
Desta forma, paramos de criar novas frustrações em cada edição do fórum e abrimos espaço para um novo imaginário, que permita realmente fortalecer os movimentos sociais de base e iniciar um projeto revolucionário de verdade, projeto este que já começou na Tunísia, em 2011.
O grande veículo poluente, baseado em tecnologia antiga, pseudocientífica, complicada e onerosa, que disse ao mundo que se chamava “moto”, retomará seu nome verdadeiro: “carro”. Isso permitirá – àqueles que precisam – construir uma moto pequena, eficiente, que aproxima pessoas e luta contra o capitalismo de forma simples, local e enraizada na realidade, em vez de usar os métodos dos atuais donos do mundo, como no encontro de Davos: um pequeno grupo de homens brancos decidindo o futuro da humanidade em um espaço militarizado, onde tudo é feito para parecer minimamente “democrático”. O FSM utiliza métodos de Davos … para bom entendedor.
Um ponto de partida seria, por exemplo, as comunidades de base da Tunísia, onde estão a maioria das pessoas: o café, o hamman (banho público), a mesquita, o bar, o estádio de futebol, o bairro, a família pequena e ampliada, etc. Lugares tais que os gerentes e engenheiros de “transformações sociais” ignoram. A obsessão destrutiva de distinguir público e privado perpetua os padrões de colonização…
A mentira da revolução tunisiana criou uma outra, a do FSM, que lembra ao povo tunisiano e a todos os povos que lutam que “uma outra mentira é possível”.