Tradicionalmente os Fóruns Sociais Mundiais (FSM) ocorriam no final de janeiro, para fazer o contraponto ao Fórum Econômico Mundial, que junta os capitalistas “donos” do mundo nessa época em Davos. Assim foram os primeiros, realizados no Brasil, em Porto Alegre, e já parte da História pós-queda do Muro de Berlim e do fim da experiência socialista no oeste europeu. Em 2004, o FSM começou a andar pela parte do mundo que não combinava com o espírito de Davos e adequar a data ao país que se propôs a recebê-lo. Surgiram também vários Fóruns Sociais locais, continentais, temáticos, alguns continuam, outros não. O FSM, aquele grande, que reúne ativistas por um mundo melhor de todo o planeta, tornou-se bianual e já aconteceu na Venezuela, Índia, Quenia, Senegal, além dos que ocorreram aqui.
2013 é ano de FSM e desta vez o encontro ocorrerá na cidade de Túnis (capital da Tunísia), um dos primeiros países a protagonizar as revoltas da Primavera Árabe, entre os dias 26 e 30 de março. Três membros do Comitê Organizador do Fórum Social na Tunísia estiveram em São Paulo, a convite e participando de seminário organizado pelo GRAP – Grupo de Apoio e Reflexão ao Processo do Fórum Social Mundial. Junto com Chico Whitaker, membro do GRAP e do Conselho Internacional (CI) do FSM, os ativistas tunisianos concederam entrevista coletiva na última sexta-feira, 1 de fevereiro.
Depois de Whitaker rememorar rapidamente a história do Fórum Social Mundial, lembrando que “este processo não nasceu de repente”, mas aconteceu para contrapor-se ao “pensamento único do mercado como regulador da História”. O conhecido ativista social brasileiro lembrou também que o FSM reuniu as organizações e militantes anticapitalistas e que também vinham de muitas críticas ao socialismo dito “real”, falou da ideia de controlar e taxar as grandes transações financeiras que esteve no início do processo, assim como a ideia de que socialismo não precisa ser aquilo que aconteceu. Mas sobretudo, Whitaker defendeu que não se pise na carta de princípios do FSM.
FSM 2013 será um sucesso
Hamouda Soubhi, do Marrocos e membro do Comitê Local do FSM2013, diz que será muito importante para a Túnisia e a região que o FSM continue por lá, já que o anterior (2011) foi em Dacar, no Senegal. “Ocorre num momento em que o norte da África precisa apoio mundial e solidariedade internacional, é uma forma de reforçar a sociedade civil”. Uma oportunidade para os movimentos sociais de lá, diz ele, que continuam lutando por um governo verdadeiramente democrático e laico. Os números que Hamouda apresentou mostram o entusiasmo com o encontro mundial. São mais de 2.500 organizações inscritas (da Tunísia, são 700), propondo 1.475 atividades autogestionadas. Destas, há 148 inscrições do Brasil, vindas de Sindicatos, Centrais Sindicais, organizações sociais as mais variadas. “A sociedade civil e a organização espera que o FSM 2013 seja um sucesso e que ajude a Tunísia a se preparar melhor para o futuro”.
O ativista marroquino discorreu sobre a programação, que se inicia com a tradicional marcha de abertura, no dia 26 e termina num dia muito significativo para eles. O dia 30 de março é Dia da Terra para os palestinos e o fórum deverá ampliar a campanha de solidariedade contra o apartheid promovido por Israel. Haverá alguns espaços temáticos, entre eles: feminista, imigração internacional, juventude e o “Global Square”, para os Occupies e movimentos dos indignados. Hamouda destaca a grande participação americana, “teremos 60 organizações e redes norte-americanas, apesar do medo colocado pelos EUA que caracterizam a Tunísia como um dos países mais inseguros do mundo”.
“Esperamos a participação massiva das mulheres”, falou Halima Juini, da Associação Tunisiana das Mulheres Democráticas e da Liga de Direitos Humanos, “pois o futuro das mulheres está em perigo”, já que todos os direitos conquistados estão sendo atacados pelos fundamentalistas do governo. Muitas organizações feministas irão participar, segundo Halima, “embora a questão da mulher deva ser transversal em todo o Fórum”, ela defende. A feminista disse ainda que é necessário rever os estereótipos da mulher árabe e para isso é muito importante o apoio internacional e o avanço do movimento feminista no mundo, “contamos particularmente com as latinoamericanas”.
Dignidade
Messaoud Romdhani, do Fórum Tunisiano de Direitos Humanos,quer falar sobre o capitalismo e o que se passou na Tunísia com a queda do ditador Ben Ali. “Foi uma revolução social contra os ditames do Banco Mundial”, explicitou o líder sindical, “são imposições que nos colocam as privatizações dos bens do Estado, um capitalismo mais que selvagem, com mais pobreza e desigualdade”. Romdhani disse também que continua a “revolução que luta por outro tipo de sociedade, independentemente do resultado das eleições”.
Ele disse que não houve mudanças econômicas na Tunísia com o partido islâmico Ennahda que ganhou as eleições no último mês de outubro; o preço dos alimentos sobre e aumenta a taxa de desemprego. “A liberdade de expressão se deteriorou”, continuou Romdhani. “Será muito bom para nós acontecer o FSM na Tunísia. Pode ajudar muito, tanto a parte da sociedade civil que luta ainda por independência, será um contraponto em relação aos direitos das mulheres, em relação à concentração dos meios de comunicação”. O militante de direitos humanos disse esperar muito dos companheiros do Brasil e que eles farão o melhor possível.
“A Tunísia vive ainda um estado de efervescência. É um processo difícil construir uma democracia sobre as bases dos direitos humanos, da fraternidade, igualdade de fato, distribuição dos bens, direito ao trabalho, liberdade de expressão”. Como disse o líder tunisiano, este não é um problema só da Tunísia, é um problema que está no mundo todo. “São os mesmos princípios que conduziram a nossa revolução que trarão, por meio do FSM, a solidariedade que existe entre as sociedades civis. Por meio do FSM, vamos conectar as sociedades civis de todo o mundo e tentaremos concretizar o principal slogan da revolução: Dignidade!”.