Foto: Muhammad Baker
Na fronteira da Jordânia com a Palestina ocupada, a agente da polícia israelense faz a seguinte pergunta, durante interrogatório: O que é nakba? Devolvo-lhe a pergunta. A resposta é o silêncio e o carimbo de entrada negada. Isso aconteceu há exatos dois anos. Apenas um exemplo entre muitos da tentativa de manter na invisibilidade a nakba (catástrofe) – como os palestinos e árabes em geral se referem à criação unilateral do Estado de Israel em 15 de maio de 1948. A despeito disso, protestos continuam a ecoar pelo mundo ano a ano.
Nessas manifestações, é lembrada a expulsão no período de cerca de 750 mil palestinos de suas terras e destruição de 513 aldeias. A limpeza étnica foi iniciada ainda antes, 12 dias após a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) recomendar a partilha da Palestina em um estado judeu e um árabe, sem consulta aos habitantes locais. Essa recomendação se deu em 29 de novembro de 1947 e abriu caminho para o sionismo – movimento inaugurado na segunda metade do século XIX, que pregava a proclamação de um estado exclusivamente judeu – colocar em prática seu plano deliberado de “transferência” da população autóctone para fora de suas terras e de imigrantes europeus para a Palestina. O resultado são milhares de refugiados, a instalação de um regime de apartheid e a mais longa ocupação da era contemporânea.
Da população nativa não judia que então correspondia a mais de 70% do total, restaram somente 160 mil cidadãos em suas terras – com o crescimento demográfico, mais de seis décadas depois, somam 1,5 milhão, o que equivale a 20% da população que vive onde hoje é Israel. Por não serem judeus, são considerados por esse estado cidadãos de segunda ou terceira classe, discriminados cotidianamente. A eles – e à minoria antissionista que teria origem judaica –, é imposta uma lei que proíbe de lembrar o Dia da Nakba. Não obstante, sobretudo os jovens continuam a desafiar a censura e repressão, assim como ocorre com os que vivem nos territórios palestinos ocupados em 1967 – Gaza e Cisjordânia. Também os que vivem em campos de refugiados no mundo árabe não silenciam e se fortalecem, animados pelas revoluções em curso, por liberdades democráticas e condições de vida dignas. Assim como parte dos que se encontram espalhados pelo mundo, na diáspora, desafiam as ameaças e a chantagem sionista de impedimento de entrarem na Palestina para visitar seus parentes – mantendo a tradição israelense de fragmentar essas famílias e sociedade em geral.
Vozes no Brasil e no mundo
Neste 15 de maio, as vozes de cidadãos conscientes em diversos países ecoaram o clamor dos palestinos por justiça. No Brasil, houve atividades em capitais como Florianópolis, Rio de Janeiro, São Paulo. Nessa última cidade, além de iniciativas na USP (Universidade de São Paulo) e no Ecla (Espaço Cultural Latino-Americano), ato público foi promovido em importante e movimentado centro comercial, na esquina da Av. Augusta com a Av. Paulista (em frente ao Banco Safra). Organizado pela Frente em Defesa do Povo Palestino-SP, que reúne diversas organizações da sociedade civil brasileira, aglutinou cerca de 80 pessoas, incluindo palestinos, e possibilitou o diálogo com a população paulistana para informar sobre a nakba.
Estiveram representados, entre outros, o Comitê Catarinense de Solidariedade ao Povo Palestino, a Frente Palestina da USP (Universidade de São Paulo), Marcha Mundial de Mulheres, Coletivo de Mulheres Ana Montenegro, Movimento Mulheres em Luta, Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada, Mopat (Movimento Palestina para Tod@s), CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular), PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), PCB (Partido Comunista Brasileiro), UJC (União da Juventude Comunista), Aneel (Assembleia Nacional dos Estudantes Livre!), DCE da Unifesp (Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de São Paulo), DCE da USP, Núcleo Santa Cecília do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), Assisp (Associação Islâmica de São Paulo), além de jovens que visitaram a Palestina recentemente por programas de intercâmbio.
Na oportunidade, foi também divulgada a campanha de BDS (boicotes, desinvestimento e sanções) a Israel. Iniciativa estratégica e prioritária de solidariedade global ao povo que vive sob apartheid – segregado por muros, cercas e checkpoints –, atende a chamado da própria sociedade civil palestina. No Brasil, como foi lembrado durante o ato público, a principal reivindicação é que o governo brasileiro rompa os acordos militares com Israel.
Ainda no protesto em São Paulo, em diversas falas, a defesa de um estado palestino único, laico e democrático, em que todos os que queiram possam viver em paz, independentemente de religião ou etnia, com o retorno de todos os refugiados. Única possibilidade de se fazer justiça, contemplando todos os palestinos – seja os que vivem nos territórios de 1948, 1967, nos campos ou na diáspora.
Chamada a encerrar o ato, como não poderia deixar de ser, dediquei-o aos milhares de refugiados, incluindo meu pai, um dos palestinos expulsos de suas terras há 65 anos, quando tinha apenas 13 anos de idade. A aldeia de Qaqun, situada no distrito de Tulkarem, foi esvaziada, transformou-se num “parque nacional” e tem em seu entorno assentamentos sionistas. Apesar da tentativa de “memoricídio” demonstrada por esse e outros exemplos afins, os palestinos continuam a resistir e elevar suas vozes a que o mundo os escute. Uma resposta à máxima de Ben Gurion, um dos responsáveis pela limpeza étnica, que viria a se tornar primeiro-ministro de Israel em 1948. Segundo suas palavras, “os velhos morrerão, os jovens esquecerão”.
Como dizia o intelectual palestino Edward Said (1935-2003), “mesmo que o caminho pareça difícil, ele não deve ser abandonado. Se qualquer um de nós for eliminado, dez outros devem tomar seu lugar. Essa é a marca genuína de nossa luta, e nem a censura nem a simples cumplicidade covarde podem impedir seu êxito”.