A vulnerabilidade está associada às vertentes ambientais e socioeconômicas. Em estudo divulgado em maio pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, 74,73% das cerca de 80 mil famílias quilombolas registradas no Cadastro Único da base de dados sociais estão em situação de extrema pobreza. Esse dado reporta a uma questão grave, que os mecanismos da gestão pública não conseguiram solucionar.
Hoje a Fundação Palmares, subordinada ao Ministério da Cultura, reconhece 2.408 comunidades remanescentes quilombolas no país enquanto a Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (CONAQ) fala de um número estimado de cinco mil. Em levantamento anual recente feito pela Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPISP), sobre as titulações quilombolas no país, somente 204 comunidades têm suas terras tituladas em estados 24 (AM, AL, AM, BA, CE, ES, GO, MA, MT, MS, MG, PA, PB, PE, PR, PI, RJ, RN, RS, RO, SC, SP, SE e TO). Três a menos, de acordo com informações divulgadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que também apresenta o registro de 1.264 processos em tramitação.
Independente dos números, o avanço nas últimas décadas quanto a esses procedimentos é visivelmente lento. Segundo a CPISP, de 2003 a 2010, foram formalizadas no âmbito federal, 12 titulações e de 2011 até agora, quatro. Nas esferas estaduais, foram 61.
Essa situação gera uma atmosfera de vulnerabilidade para essas populações, tendo em vista, o contexto de pressões de latifundiários e de empreendimentos de grande porte, de conflitos com legislações ambientais que categorizam algumas tradições de cultivo como infrações, além de outras circunstâncias que afastam algumas comunidades da relação de agricultura familiar para subsistência e de suas manifestações, que vêm de pai para filho.
Alguns casos são mais extremos, como o do Quilombo Rio dos Macacos, em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, na Bahia, em que há um conflito instalado, tendo em vista uma contenda judicial, em que a Marinha se posiciona como proprietária da terra onde os quilombolas vivem.
Em audiência, no mês passado, a União ofereceu 29 hectares do território à comunidade. Mas segundo levantamento antropológico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), do ano passado, os 800 hectares onde há quatro décadas está instalada a Base Naval de Aratu, já era ocupada por quilombolas há mais de 200 anos. O impasse continua e os quilombolas denunciam que vivenciaram situações de intimidação e ameaças, durante esse processo. O caso tem gerado manifestações de organizações não-governamentais e do Ministério Público, além da Secretaria de Direitos Humanos.
Ao mesmo tempo, existem iniciativas propositivas que reforçam o empoderamento dessas comunidades para sua sobrevivência e para que as novas gerações possam dar continuidade a essas culturas e modo de vida, que com toda certeza, é peculiar e difere do cotidiano urbano e frenético de nossas cidades.
Como exemplo , há o trabalho de Inventário Cultural de Quilombos do Vale do Ribeira produzido pelo Instituto Socioambiental, neste ano. O material é resultado do trabalho de campo, durante três anos, com metodologia participativa da população de 16 quilombos locais. Ao todo foram identificados 180 bens culturais (nas categorias celebrações, formas de Expressão, ofícios e modos de fazer, lugares e edificações).
Entre as informações, há o levantamento de 24 bens, sendo que 13 são passos de dança ou brincadeiras ligados aos bailes de puxirão, evidenciando a importância do trabalho agrícola para manifestações lúdicas e artísticas nos quilombos. Ao mesmo tempo registra 75 bens naturais, como rios, cachoeiras e áreas de plantio antigas e atuais, grutas, pedras e morros, caminhos históricos e atuais e cemitérios. Como também, 29 bens culturais intangíveis, com identificações das igrejas como espaço para a associação entre religião e cultura, o fortalecimento comunitário e a transmissão de conhecimentos.
Diante desses contextos, a realidade dos remanescentes quilombolas no Brasil demonstra que grande parte dessas comunidades enfrenta a cada dia um novo desafio para encontrar alternativas para manter com dignidade a subsistência e suas identidades culturais. Poucas recebem apoio para conseguirem autonomia para geração de renda e conservação da terra e costumes.
E uma das principais bandeiras de luta do CONAQ é que as titulações ocorram, atendendo ao Decreto 4887/2003, que regulamenta o procedimento. E essa é uma pauta que deve ter ainda muitos capítulos nos próximos anos.
* Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk
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