A sociedade internacional se mobilizou para três dias de debates sobre a realidade do povo que luta há 65 anos pela sua autodeterminação e dignidade. O Fórum Mundial Palestina Livre (FMPL) foi aberto nesta quinta-feira (29), em Porto Alegre, com uma palestra sobre direito internacional, direitos humanos e julgamento de criminosos de guerra. Na oportunidade, os conferencistas abordaram as dificuldades encontradas pelos palestinos para sobreviver nas terras ocupadas por Israel. Entre as sugestões para o conflito, foi sugerido que a sociedade boicote os produtos produzidos por empresas israelenses e durante o fórum seja criada uma comissão internacional para acompanhar a questão palestina.
Para o chefe de Relações Internacionais da Al Fatah, Nabil Shaat não há mais como negociar com Israel qualquer acordo de paz. “Decidimos que não vamos mais negociar. Tudo que é combinado à mesa eles não cumprem. Não podemos toda vez começar do zero. Por isso precisamos de apoio internacional para seguir a resistência à Israel. E isso inclui boicote comercial”, defendeu o enviado do presidente palestino Mahmoud Abbas.
O boicote aos acordos de livre comércio entre Israel e outros países, ou grupo de países, como União Europeia e Mercosul, são vistos como uma arma importante da sociedade na luta contra a opressão imposta pela cúpula israelense sobre o povo palestino. Não é, porém, a única forma de se garantir o acesso aos direitos essenciais como moradia digna, educação e água potável, ressalvou Nabil Shaat. “É uma ferramenta importante, mas é possível também que seja feita uma articulação entre partidos políticos e pessoas nas ruas. As praças devem ser tomadas e todo apoio à Palestina precisa ser externado, como aconteceu com a África do Sul para vencer o seu apartheid”, comparou.
Nome de Lula é sugerido para comissão internacional sobre causa palestina
Uma sugestão dada por ele foi a criação, durante o Fórum Palestina Livre, de uma comissão internacional que acompanhe as denúncias de crimes cometidos por Israel contra a Palestina e busque a pacificação. “O ex-presidente Lula poderia ser o coordenador desta comissão. Se fosse, eu seria uma pessoa muito feliz”, disse Shaat.
Conforme o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Al Zeben, a convergência de esforços de 36 nações representadas no Fórum já é uma importante contribuição para fortalecer a resistência e a luta dos palestinos pelo reconhecimento de seu estado e garantia de direitos humanos em suas terras. “Em âmbito de solidariedade surgem ideias, por isso é importante encontros como este. De sonhos, poderemos construir realidades. Temos o antecedente importante da África Sul. Nós queremos convergir nesta mesma direção. Israelenses e palestinos podem conviver. Uma experiência como esta pode dar certo”, falou.
Em mais de uma oportunidade, as autoridades presentes lembraram que a atuação das entidades e demais atores da sociedade são fundamentais para pressionar os governos a agirem para além de discursos sobre o conflito com a Palestina. “Não vejo esta questão como uma questão nacional, por se tratar do reconhecimento de um estado. É uma questão mundial. Entre os conflitos do Oriente Médio, é o maior dos problemas. Primeiro que Afeganistão, Síria, Cairo e Iraque”, avaliou o embaixador brasileiro Arnaldo Carrilho.
Com 47 anos de carreira no Itamaraty, ele diz que para além dos caviares e uísques que diplomatas compartilham, existem questões fundamentais que necessitam ser uma preocupação da comunidade internacional. “Em 1948, tão logo foi criado Israel, o embaixador brasileiro da época recebeu a visita de autoridades palestinas, que perguntaram o que seria feito pelo Brasil. A resposta dada foi ‘nada’, justificando que árabes e judeus conviviam muito bem em território brasileiro. Este tema sempre foi estranho a nós. Eu mesmo só fui me dar conta da dimensão do problema da Palestina depois de seis anos no Ministério das Relações Exteriores”, disse.
Pressão da sociedade pode influenciar relações comerciais com Israel
A pressão para que governos cumpram obrigações legais conforme estipulado pela Corte Internacional de Justiça e as convenções internacionais de direitos humanos envolve não só a realidade da Palestina lembrou a advogada e membro do Movimento de Solidariedade ao Povo Palestino em Vancouver, Charlotte Kates. “Os indígenas foram expulsos do Canadá. Isto também aconteceu nos Estados Unidos e na Austrália. A luta contra os assentamentos colonialistas é comum a todos nós”, disse.
Charlotte disse que a justiça internacional tem certa complexidade, o que dificulta a interferência em realidades de criminalização de povos, como considerou ser o caso da Palestina. “Precisamos de apoio político e militar dos EUA, que é a maior potência e apoia todas as ações de Israel hoje. Outras forças de poder imperialistas como Canadá e União Europeia também são responsáveis por negociações comerciais que respeitem os direitos humanos”, fala.
Atuante desde 2006 na área dos direitos humanos, a diretora da Organização de Apoio aos Prisioneiros e Direitos Humanos, Sahar Francis defendeu que as próximas negociações comerciais dos países com Israel sejam feitas apenas mediante a liberação dos prisioneiros políticos palestinos. “Nós precisamos unir esforços para libertar essas pessoas. Israel está implementando um sistema jurídico com base na separação de israelenses e palestinos. Os tratamentos jurídicos são diferentes e palestinos não tem direito à defesa e visita familiar”, acusou.
Depois dos últimos ataques de Israel à Faixa Gaza, este mês, Sahar contou que ainda existem 169 menores de idade presos nas mesmas condições de cárcere que os adultos. “E as condições são as piores. Alguns presos foram inclusive mortos na prisão”, falou. Ela também defendeu o boicote a Israel como forma de exigir com que o país cumpra os direitos humanos internacionais.
Apesar dos debates que serão feitos durante o Fórum Mundial Palestina Livre, o embaixador da Palestina no Brasil Ibrahim Al Zeben disse que “a sociedade tem o direito de defender qualquer ideia, mas o que será deliberado no evento é em favor da convivência pacífica”. Segundo ele, o Fórum poderá contribuir para o fim da diáspora palestina, de forma que surja uma pressão internacional para que Israel volte a ser membro das Nações Unidas e não desrespeite a carta magna.
A data de abertura oficial do Fórum Mundial Palestina Livre coincidiu com o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino e com a votação na ONU da Resolução 181, que criou a divisão entre os dois estados.