Em junho de 2012, Ylmaz Orkan e Rojbin (apelido da ativista Fidan Dogan) estiveram no Brasil em intenso convívio com as organizações sociais que movimentaram a Cúpula dos Povos para a Rio + 20. Participaram da Marcha por Justiça Social e Ambiental (foto) no centro do Rio de Janeiro, integraram mesa do II Fórum Mundial de Mídia Livre, na Universidade Federal, interviram na Assembleia dos Bens Comuns e, finalmente, participaram de uma reunião do Conselho Internacional do FSM para tratar da solidariedade ao povo curdo.
Ambos vinham atuando junto à comunidade internacional para fortalecer as saídas pacíficas em negociação na Turquia. Rojbin dirigia o Centro de Informação do Curdistão, em Paris. Yilmaz é membro do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial (FSM) e integra a rede Kurdish Network, além de ser vice-presidente da Kon-Kurd – rede de associações e federações que representam o povo curdo na Europa.
Em 10 de dezembro de 2012, Rojbin (foto ao centro) foi assassinada em pleno centro de Paris, junto com uma importante e histórica liderança feminista, Sakine Canziz (à esquerda), e uma jovem militante, Leyla Söylemez (à direita), dentro do Centro de Informação que Rojbin dirigia.
Em 24 de março último, Yilmaz foi detido no aeroporto de Bruxelas, na Bélgica, quando embarcava para a Tunísia, impedido assim de participar do Fórum Social Mundial 2013. Agredido fisicamente no aeroporto, ele foi levado a uma prisão na Bélgica, sem notícias desde então.
A prisão foi solicitada pelo governo espanhol, na esteira de várias prisões realizadas na Europa. O argumento é uma suposta ação de Yilmaz para gerar recursos ao Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK), listado como organização terrorista pela Europol. As prisões são consideradas pelas organizações curdas uma forma de intimidação para impedir que avancem as negociações de paz que podem tornar irreversível o reconhecimento político do Curdistão. Ou acordos que, minimamente, levem ao fim da repressão sobre os curdos na Turquia e ao cessar-fogo das guerrilhas que fazem resistência armada nas fronteiras.
Surpresas com a notícia, organizações do Conselho Internacional divulgaram nota pública pedindo a soltura de Ylmaz.
Entrave às negociações de paz
De acordo com a Kon-Kurd, as prisões e mortes coincidem com o período mais promissor das conversações iniciadas em 2009 e retomadas nos últimos meses com o governo turco. Os alvos têm sido os interlocutores e divulgadores da causa. Um deles, o diplomata Adem Uzun, que foi negociador direto dos curdos em Oslo, de 2009 a 2011, acabou preso em outubro de 2012. Um mês e pouco depois, no dia 3 de dezembro, nomes como Desmond Tutu, representante do Dalai Lama e o ex-presidente Jimmy Carter defenderam a retomada de uma proposta de paz.
Desmond Tutu chegou a gravar um video dizendo que sua mensagem aos turcos e curdos era uma só: “A paz é melhor do que a guerra. É melhor pra os seus irmãos e irmãs, para vocês e seus filhos, para seu país e sua região, e para o mundo que compartilhamos.” Mas o terror veio mais depressa. Apenas sete dias depois da iniciativa internacional, Sakine, Fidan e a jovem Leyla foram executadas por assassinos profissionais no prédio da turística Rua Lafayette.
Difundir a história, a primeira difícil tarefa
No espaço do FSM, Ylmaz e Fidan buscavam dialogar com a diversidade de movimentos e organizações que trocam experiências e reforçam articulações na esfera da sociedade civil. Apesar de sua importância histórica, como um dos mais antigos povos hindu-europeus, pouca informação é divulgada sobre a luta do povo curdo contra sua fragmentação cultural e política, uma luta que não chega a reivindicar a separação ou independência dos países que integram, mas sim reconhecimento político, tema da longa marcha realizada em fevereiro de 2012, entre Genebra e Strausburgo, no frio de 3 a 12 graus negativos (foto).
Os curdos são distribuídos principalmente entre quatro países, e enfrentam dificuldades em todos eles, não importa a posição dos segmentos curdos em cada um.
Parte vive no Iraque, onde sofreu a repressão do regime de Sadan Hussein e enfrenta ainda hoje as hostilidades dos apoiadores do antigo governo. Ao Norte do Iraque, região fronteira com a Turquia, são mantidas bases de resistência curda, as chamadas guerrilhas taxadas de terroristas pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Outra parte vive no Iran, onde também é vista com reservas pelo governo. Na Síria, os curdos chegam a governar áreas autônomas e abandonadas pelo governo, mas também são alvo das forças antagônicas em disputa pela derrocada ou sustentação do governo de Bassar Al Assad.
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Finalmente, na Turquia, onde vive a maioria do povo curdo, suas lideranças são consideradas vozes da esquerda do Curdistão. O líder Abdullah Öcalan, do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). foi preso há mais de 14 anos no Quênia (foto) e condenado a pena de morte. A sentença só não foi cumprida porque a Turquia almeja ser parte da União Europeia e a pena de morte não é admitida no bloco.
Mesmo da prisão, em março de 2013, Abdullah Öcalan deu início a novas propostas de paz que representam alguma esperança para os curdos, mas incomodam todos os países que temem a força política que pode advir de uma identidade comum, histórica, e ainda por cima liderada pela esquerda curda na Turquia.
O diálogo é politicamente irrecusável, já que passa por um cessar fogo entre a Turquia e as guerrilhas curdas nas fronteiras e chegou a receber um sinal positivo do governo turco. O ministro da Justiça turca, Sadullah Ergin, declarou à mídia o pleno interesse no acordo, que poderia ser implementado até o final de 2013.
No dia 23 de março último os curdos comemoraram seu Ano Novo com a promessa de que uma declaração de Öcalan formalizaria a posição curda, ajudando a por fim às matanças de comunidades inteiras no interior da Turquia. A notícia foi divulgada pelo The Guardian, como um dos mais importantes passos para a paz. No dia seguinte, como um novo balde de água fria, Yilmaz Orcan foi encarcerado.
A relação com a mídia livre
Não é fácil ter notícia do povo curdo, que não seja pelas mídias alternativas e progressistas. Eventualmente, chegam notícias de verdadeiros massacres – como a descarga de arma química sobre habitantes da fronteira entre a Turquia e a Síria, denunciada no caso da aldeia de Roboski, relatadoa com imagens por Yilmaz, em 28 de dezembro de 2011, porém tratada sem maior destaque pela grande mídia.
As condições da comunicação do povo curdo foi o tema de Ylmaz no II FMML, no Rio de Janeiro. Os números apresentados na ocasião eram bem impressionantes, com cerca de 60 jornalistas curdos assassinados e a condenação do diretor de um jornal, o Livre e Atual, a mais de 140 anos de prisão. Ele relatou a experiência dos curdos de abrirem uma rede de tevê na Dinamarca, como alternativa à falta de espaço na mídia europeia. No entanto a resistência do governo turco foi ostensiva, tendo conseguido através da Otan cortar a recepção dos sinais do canal no país.
Para as mídias livres, o direito à comunicação, ao conhecimento, à memória e à identidade são bens comuns e casos de povos sem estado, como o Curdistão, o Saara Ocidental e a Palestina, que recebem tratamento desigual pela grande mídia, tem sido tratados nesses encontros, com trocas de depoimentos sobre experiẽncias voltadas a quebrar o cerco midiático.
Um encontro que fez falta para os curdos
Em 2011, o Conselho Internacional do FSM chegou a emitir sinais de atenção ao drama curdo, realizando uma reunião reduzida na cidade de Diyarbakir, no Curdistão turco, e a criar expectativas de que um próximo encontro internacional do Conselho seria realizado naquela cidade
A candidatura permaneceu aberta após em um novo encontro do Conselho em Bangladesh, em novembro de 2011, embora as dificuldades materiais e financeiras para realizar encontros em lugares diferentes, em curto espaço de tempo, já estivessem colocadas na mesa.
O CI chega a fazer duas reuniões internacionais por ano, com viagens pagas pelas próprias organizações participantes e um fundo solidário coletivo para a inclusão de outras, ficando para a cidade sede a responsabilidade pela logística de acolhida, hospedagem, etc. Os curdos asseguraram sua parte, preparando as coisas para um encontro que coincidisse com a celebração do Ano-Novo curdo em 2012.
No entanto, a decisão de concentrar energias nos processos organizativos do FSM 2013 levou o CI do FSM a evitar uma nova reunião ampliada fora do país sede da edição, dando lugar a uma série de reuniões locais na Tunísia – promovidas pelos organizadores do FSM, com algumas participações internacionais. Com isso, a proposta Diyarbakir foi prejudicada.
Para muitas organizações e movimentos sociais, a presença do Conselho Internacional em determinado contexto político ajuda a reforçar a solidariedade e a preocupação com os processos locais, e por consequência a visibilizá-los e protegê-los da repressão.
Yilmaz e Rogbin estiveram no Rio para saber do Conselho Internacional as razões da não realização da reunião internacional em Diyarbakir, e ouviram de Chico Whitaker, em nome do Conselho, um pedido de desculpas pela impossibilidade da viabilização do encontro.
Entre as últimas imagens de Fidan, uma registra sua presença no stand da TV Brasil, para entrevista à documentarista paraense, Célia Maracajá (foto), após da reunião do CI.
Depois disso, a notícia que chegou aos brasileiros foi a mesma divulgada na França: o assassinato de Rojbin e suas companheiras. Ela foi homenageada em Memorial do III Fórum Mundial de Mídia Livre, na Tunísia, onde seria esperada pelo seu trabalho no Centro de Informação do Curdistão em Paris, caso estivesse viva.
A segunda notícia chegou já no FSM de Tunes: a prisão de Yilmaz Orcan, esperado para os diálogos com a sociedade civil internacional. Mais de quinze dias depois, outras notícias ainda são aguardadas.