Uma das maneiras é por meio das memórias, segundo a especialista em mídia, a britânica Joanne Garde-Hansen. Ela é docente na graduação em Mídia Criativa da Universidade Gloucestershire/Inglaterra e coordenadora dos cursos de pós-graduação na área. “Na era digital, há o perigo de se achar que o momento presente é mais importante e com isso sempre se começa do zero”, alerta.
Em 2007, ela e sua equipe desenvolveram um projeto em comunidades, onde milhares de pessoas sofreram as consequências de inundações, desde a falta de água e eletricidade, perdas ao estado de trauma, na Inglaterra. “O que percebemos é que as que mais sofreram com o impacto perderam suas memórias dos acontecimentos”. O objetivo, então, foi propiciar a essas pessoas, o estímulo à proatividade para a prevenção e enfrentamento dos incidentes climáticos, por meio da recomposição histórica dos fatos vividos e de outros que ocorreram em séculos passados.
“Descobrimos que as inundações eram regulares naquela região, desde o século XV e foram bem maiores nos anos 1700, e que era possível aprender com as experiências dos cidadãos daquelas épocas”. Não tinham, por exemplo, carpetes e os pisos eram limpos com água e pano (algo mais prático)….
Joanne também expõe que hoje as pessoas não vão aos edifícios que foram impactados em inundações antigas, onde ainda há marcadores do nível das águas nas paredes, que recobram esses episódios e são úteis como fonte de informação.
“Quando abrimos arquivos antigos de como as comunidades lidavam com o meio ambiente, temos histórias de sobrevivência, resiliência e como se davam essas dinâmicas, que não dependiam de governos, de ambulâncias, de outras estruturas mais modernas, como ocorre hoje”…
Diante desses levantamentos, na avaliação de Joanne, o esquecimento não propicia força de reação e reconhecimento de ações mais eficazes. Por isso, segundo ela, é importante a mobilização para o conhecimento de experiências decorridas com o passar do tempo. Nessa apreensão e análise, é necessária a convergência de mídias analógicas e digitais e que as próprias pessoas da comunidade sejam capacitadas para fazer esse trabalho de recuperação histórica. Tanto a história oral como documental são estratégicas. Os recursos comunicacionais utilizados vão desde áudio, vídeo, fotografia à construção de blogs, jornais a encenações teatrais, com abordagem crítica e mista. Entre as plataformas de mídias sociais, estão o Flickr, o Facebook e Youtube, entre outras.
“Nessa relação com as comunidades, temos de criar confiabilidade. Em todos os projetos que participo, luto pelo envolvimento e participação delas. Não gosto de abordagens de cima para baixo”, disse a especialista, ao ser perguntada pelo Blog Cidadãos do Mundo. Segundo ela, os resultados, por sua vez, tendem a ser mais “ricos” em seu conteúdo. Nesse processo, os participantes comparam e contrastam suas memórias pessoais com os arquivos oficiais e escolhem as maneiras de multiplicar as histórias, orientações e informações, de maneira autoral.
Os relatos da especialista britânica, feitos durante o Seminário Internacional do Fórum Permanente de Gestão do Conhecimento, Comunicação e Memória, em São Paulo, me fizeram constatar novamente a importância da educomunicação na rede de prevenção e enfrentamento dos desastres naturais e/ou antrópicos, em que todos nós somos agentes ativos como possíveis vítimas. Estamos potencialmente dos dois lados da situação continuamente.
Em outros locais do mundo, há mais experiências em curso, no sentido de envolver a sociedade no processo. Na Itália, é desenvolvido o projeto EduRisk – Itinerari per La Riduzione Del Rischio, que obteve o apoio de comunicadores a educadores e estudantes com relação a terremotos. O relato a respeito foi feito pela jornalista italiana Elisabetta Tola, no Museu da Vida (COC/Fiocruz), no ano passado.
O tema da comunicação, memória e resiliência me trouxe à mente várias cenas recentes de enchentes, deslizamentos em diferentes localidades do Brasil e fica impossível esquecer a “fragilidade” de cidadãs (os) ainda existente em áreas da serra fluminense, no Vale do Itajaí, em municípios mineiros, no Norte e Norte do país e tão próximo, como na Grande São Paulo. Muitos ainda continuam literalmente nas áreas de risco, por inúmeros motivos, que envolvem desde a questão financeira à inoperância da gestão pública com relação a programas habitacionais, educacionais, de recuperação de áreas afetadas por desastres anteriores ou até de sistemas de alertas.
Acredito que a questão das ações para a autonomia de prevenção e enfrentamento por parte das comunidades deveria estar constante na sustentação das diretrizes do Plano Nacional de Gestão de Riscos e Desastres Naturais (2012 2014) http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/d0d2a5b6f24df2fea75e7f5401c70e0d.pdf.
O documento aponta um investimento total de R$18,8 bi e foca principalmente 170 municípios e 17 regiões metropolitanas e bacias hidrográficas. Com riscos de deslizamento e enxurradas, foram levantados 821 municípios. O que se prevê é que os mesmos tenham alertas de duas a seis horas antes das ocorrências. No caso de previsão de impacto da seca na agricultura no semiárido, o período deve ser de dois meses antes.
O incentivo à resiliência poderia estar na composição na formação do quadro dos agentes da Defesa Civil, que prevê 10 mil agentes, 4 mil membros da sociedade civil organizada e 2.130 profissionais especializados. É o lado humano e não matemático, que é fundamental tanto na prevenção como diante de fatos consumados.
No âmbito global, o que se vê é um quadro cada vez mais complexo. A Universidade das Nações Unidas apresentou, durante a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP18), que ocorre em Doha, no Qatar,.um estudo que analisa a situação de comunidades supervulneráveis de cinco países (Bangladesh, Butão, Gâmbia, Quênia e Micronésia). Os dados, de certa forma, vêm também ao encontro do que Joanne expõe sobre a importância da memória. Nesses locais, há inabilidade com relação ao estresse climático e praticamente as pessoas estão no extremo da capacidade de suporte para a subsistência.
Além da necessidade de auxílio financeiro para a questão de perdas e danos (vide que o Fundo Verde Climático não saiu do papel até o momento), é possível observar algo ainda mais perverso. Esses cidadãos não conseguem superar os efeitos da salinidade nas águas de abastecimento, de inundações, secas ou de erosões, dependendo dos biomas e ecossistemas onde vivem, que estão seriamente comprometidos.
Veja também no Blog Cidadãos do Mundo:
29/11/12 – Joanne Garde-Hansen fala da ética de se importar
Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk – www.twitter.com/SucenaSResk