Nesta terça-feira, 10/12, será celebrado mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Por assinalar a fase de internacionalização dos direitos humanos e interferir na elaboração de dezenas de tratados e convenções, a Declaração é um marco na história da luta pela efetivação dos direitos humanos em todo o mundo.
Após 65 anos da assinatura do documento, uma das questões centrais nos debates sobre direitos humanos é, sem dúvidas, o papel desempenhado pelos meios de comunicação. Em seu artigo 19, a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
Assim, a comunicação se configura como um direito humano a ser reivindicado, interferindo diretamente na garantia ou negação de outros direitos. Espaço político com capacidade de formar valores, propagar ideias e influenciar comportamentos, a mídia desempenha, historicamente, um papel duplo: por um lado, podem atuar como instrumentos estratégicos na construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos; por outro, muitas vezes, reproduz e legitima violações desses direitos, fortalecendo, assim, a constituição de uma sociedade baseada no preconceito e na opressão.
E no Brasil, como a mídia tem atuado em relação aos direitos humanos? Quantos programas nas emissoras de televisão debatem, com profundidade e de modo permanente, temáticas relativas aos direitos humanos? Quantas campanhas educativas nas emissoras de rádio incentivam mudanças de comportamento para conseguirmos, por exemplo, combater o racismo ou a violência aos/às homossexuais? Quantas propagandas de cerveja se utilizam das mulheres como objetos e a colocam em posição de inferioridade e sob assédio moral? Quantos programas disponibilizam mecanismos de acessibilidade para que pessoas com deficiência tenham acesso aos seus conteúdos? Em qual capital, de Norte a Sul do país, temos programa de TV que criminaliza negros e pobres das periferias?
As respostas a essas e outras questões não deixam dúvidas: em nosso país, a mídia tem se revelado, indiscutivelmente, um eficaz instrumento de violação de direitos. Uma análise mais cuidadosa e ampla da produção midiática consegue escancarar uma dimensão ainda mais séria e preocupante dessa realidade, tendo em vista o poder de alcance dos meios de comunicação de massa e a manutenção de uma postura, se não sempre violadora, mas omissa, desde que o sistema de comunicação brasileiro foi implantado.
A televisão aberta, assistida cotidianamente por 94% da população brasileira, segundo recente pesquisa da Fundação Perseu Abramo, coleciona programas campeões de violações. Dois exemplos são emblemáticos: os programas de auditório que exploram conflitos pessoais e abusam da exposição das mazelas de pessoas em situação de vulnerabilidade psicológica e social; e os programas policiais que violam direitos de crianças e adolescentes, criminalizam a pobreza, invadem domicílios e desrespeitam, de todas as formas, a dignidade humana. Em síntese, a mídia brasileira, de um modo geral, tem sido criminosa e irresponsável pela infinidade flagrante de reforços de intolerância e violência.
Atento a este cenário e buscando intervir diretamente na construção de uma nova postura dos meios de comunicação de massa, o Intervozes está realizando o Ciclo de Formação Mídia e Educação em Direitos Humanos, um projeto do coletivo fruto de convênio com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Por meio de oficinas que discutem história, princípios e características dos direitos humanos, direitos de mulheres, negros e negras, população LGBT, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência e população idosa, o Ciclo busca capacitar – nas cidades de Brasília, Curitiba, Fortaleza, Salvador e São Paulo – militantes de movimentos sociais e comunicadores/as comunitários/as para a educação em direitos humanos e a multiplicação de uma cultura de paz e valorização da diversidade.
Porém, mais que o debate sobre a relação entre mídia e direitos humanos ou a capacitação dessas lideranças sociais, o Ciclo visa incentivar denúncias de violações e a exigibilidade dos direitos humanos em diferentes espaços, incluindo os meios de comunicação, bem como ampliar o debate sobre o papel da mídia em temáticas relativas. Justamente por isso, as oficinas têm como público pessoas que lidam diretamente com direitos humanos ou que representam grupos que, cotidianamente, têm seus direitos violados.
Com as oficinas em andamento, o Ciclo já proporcionou encaminhamentos que vão ao encontro destes objetivos, como a criação de um grupo de trabalho permanente formado pelas entidades participantes das oficinas e o Ministério Público, em Curitiba; e o envolvimento e participação dos grupos e coletivos presentes às oficinas em Salvador na Frente Baiana pela Democratização das Comunicações.
Acreditamos que esse é um caminho essencial. O debate permanente, a qualificação de militantes sociais e a articulação para medidas efetivas de denúncia e exigibilidade de direitos são ações necessárias para que tenhamos, no Brasil, uma mídia que valorize e promova os direitos humanos de mulheres, da população LGBT, dos negros e das negras, das populações tradicionais, das crianças e adolescentes, das pessoas com deficiência e da população idosa.
Paulo Victor Melo, Raquel Dantas e Thaís Brito, integrantes do Intervozes e compõem a Coordenação do Ciclo de Formação Mídia e Educação em Direitos Humanos
Fonte: Carta Capital
Por Paulo Victor Melo, Raquel Dantas e Thaís Brito