Foto: http://http://elo-da-corrente.blogspot.com.br/2012/03/sarau-elo-da-corrente-recebe-capulanas.html
Sobre ser mulher, negra e atriz, Fernanda Dias tem muito a dizer. A partir da formação teatral em 1999, participou de vários espetáculos, alguns trabalhos de publicidade e filmes. Com a Cia de Teatro Os Ciclomáticos, faz parte da batalha pelo fortalecimento da atividade teatral na Zona Norte da cidade. Atuando em uma companhia que insere traços da matriz cultural africana na cena carioca, Fernanda Dias é uma atriz afro-brasileira que constrói seu lugar na cena teatral nacional e vivencia experiências internacionais como o FESTEP – Festival Internacional e Performance em Chancay, no Peru. Por conta deste trabalho fez um intercâmbio com grupos da Bolívia, Argentina, Peru e outros países. Nessas trocas culturais, Fernanda percebeu aspectos que demonstram a resistência da arte na América Latina,como também a resistência de traços da combatida submissão feminina: “garra e dedicação com que aquelas pessoas que organizam o festival, o amor que eles tem pela arte, “não tem preço”. As mulheres se mantém no lugar que os homens determinam, antes de qualquer frase, tem a palavra proibição, proibição na roupa, no modo de se comportar, nas palavras…em tudo”.
De volta ao contexto brasileiro, Fernanda aborda a experiência como atriz, mulher e negra em país que nega racismo: acredito que crescemos com imagens brancas e são tantas que nos colocam em inércia sem a capacidade racional de lutar e ocupar o espaço desejado. A todo momento somos bombardeados com imagens de negros em papéis de empregados, bandidos. É a 4° guerra mundial que está instalada e, é silenciosa, munida de mensagens subliminares a favor do racismo.
Envolvida em ações pessoais e profissionais que procuram anular estereotipias contidas em tais mensagens, Fernanda estreita sua relação com a cultura afro-brasileira. Nesse sentido, foi decisiva a experiência de pisar o continente africano com sua arte apresentada no III Festival Mundial de Artes Negras, realizado em Dezembro de 2010, em Dakar. Fortalecida em sua identidade afro-brasieira, Fernanda Dias é uma referência positiva para as platéias e para as jovens atrizes afro-brasileiras que participam de oficinas ministradas por esta atriz que afirma seu talento e engajamento na luta anti-racismo.
Para marcar o dia de luta contra a discriminação racial, o 21 de março trouxe Iléa Ferraz à cena, apresentando seu trabalho “O cheiro da feijoada”. Dividindo o palco com o percusionista Fabio Simões Soares, Iléa multiplicou belos momentos musicais com sua interpretação madura, marcada pelo domínio precioso da voz e dos vários personagens. Como é comum aos grandes contadores de histórias, Iléa enriquece a narrativa simples sobre a presença negra na formação da população brasileira. Temperada pelo resgate de sambas de raiz e ritmos afro-brasileiros, a feijoada atinge o ponto e delicia por seu cheiro de cultura afro-brasileria.
No dia seguinte, as artistas/ pesquisadoras da Cia. Capulanas Arte Negra trouxeram seus cantos e falas para o Griotagem. O encontro de pretos e pretas na UERJ permitiu compartilhar o processo de criação dos espetáculos nos quais a companhia recolhe jongos, cantos e contos que circulam pela periferia de São Paulo, dando voz e visibilidade para histórias populares esquecidas em nossa história. Intercalando números musicais e falas, as integrantes contaram que, a partir deste processo de recolha de relatos na periferia, a companhia prepara um interessante trabalho sobre a saúde da mulher negra, intitulado Sangoma.
Nesta vinda ao Rio de Janeiro, a Cia. Capulanas apresenta cenas de trabalhos elaborados a partir do resgate da arte iniciada por Solano Trindade e continuada por sua filha Raquel Trindade (na foto acima), hoje, uma mais velha ativa e respeitada. Para as novas gerações, Raquel é fonte de saber e fortalecimento da cultura afro-brasileira moldada no século XXI, com proposta de moldar uma identidade afrodescendente em meio ao branqueamento que insiste em atuar no cenário artístico.
A última semana de março nos traz o dia 25, Dia internacional em memória das vítimas de escravatura e do comércio transatlântico de escravos. Nesta data cabe um relato dessas ações libertárias construídas com arte por mulheres. De uma dessas criações retiro a frase “Só as mulheres sangram”, título do novo livro de Lia Vieira (foto acima), e afirmação da capacidade feminina de emprestar seu sangue ao nascimento de novos seres e continuidade das práticas promotoras da erradicação dos preconceitos de gênero e etnia.
Março: mulheres negras em cenas afirmativas!
Perfeito Simone..rico trabalho o seu e destas mulheres tão queridas… parabéns a todas.. a nós..
Me espelho em vocês.
Ana Batriz