O juiz federal argentino, Horacio Alfonso declarou, nesta sexta-feira (14/12), que os artigos 45 e 161 da Ley de Medios (Lei de Serviços de Comunicação Áudio-Visual), são constitucionais. Questionados na justiça pelo Grupo Clarín, maior conglomerado de mídia da Argentina, os artigos foram objeto de liminar que impediram o cumprimento da Ley de Medios a partir de 7 de dezembro último, quando eram esperadas manifestações, inclusive no Brasil, em apoio às mudanças.
7 de Dezembro, data apelidada de 7D, foi o prazo dado pela Presidenta Cristina Kirchner para que os grupos apresentassem um plano de desconcentração próprio, para evitar que o processo fosse feito por ação compulsória do governo. A Ley de Medios, aprovada em 2009, determina que um grupo nacional não pode ter mais de dez licenças de rádio e televisão aberta, e 24 de televisão a cabo, e que nenhum canal de TV pode superar 35% do mercado midiático no país, batendo de frente com o poderio acumulado pelo grupo Clarin.
O 7D foi frustrado pela concessão da liminar de última hora, que retardou os efeitos da lei até uma nova decisão. Mas esse dia chegou. A resolução de sexta-feira, 14, derrubou a liminar que protegia o Clarin e pôs fim aos seus privilégios. O juiz Alfonso rejeitou a “ação declarativa de inconstitucionalidade promovida pelo Grupo Clarín S.A” e ordenou “a imediata suspensão de toda medida cautelar ditada no presente processo”.
O grupo que é hoje detentor de cerca de 240 licenças de TV a cabo, dez emissoras de rádio e quatro de televisão diz que vai recorrer. Mas a lei já está valendo, segundo o presidente da Autoridade Federal se Serviços de Comunicação Áudio-visual (Afsca), Martín Sabbatella, e o Clarín terá de transferir ou vender aproximadamente 90% das licenças a cabo e quatro sinais de rádio ou de TV aberta.
A Ley de Medios, a partir de agora, obriga o governo a taxar os bens do grupo e licitar as licenças excedentes. Essas licitações e outros mecanismos da lei que permitem o acesso a recursos da comunicação por mais e menores grupos, fortalece a imprensa comunitária, a diversidade de meios alternativos e a produção regional, são instrumentos decisivos para democratizar a midia argentina.
Coragem, Dilma
Organizações da sociedade civil brasileira aguardavam com expectativa a confirmação da Ley de Medios argentina, como estímulo para que o governo brasileiro também enfrente a concentração da mídia pelos poucos grupos que dominam a comunicação no país. Os instrumentos para uma legislação detalhada já estão à disposição do governo, demonstrando a crescente articulação do movimento social para subsidiar uma ação qualificada do Executivo e Legislativo numa área complexa, que é mantida desregrada justamente para dificultar qualquer desacomodação dos grupos monopolistas.
O movimento social pressiona para que a Presidenta Dilma envie ao Congresso as resoluções tiradas pela I Conferência Nacional de Comunicação (I Confecom), realizada em 2009, e resultantes da consulta pública que aponta uma plataforma para modernizar e democratizar o setor. “Coragem, Dilma!”, pediam algumas faixas criadas para o 7D e as mobilizações que virão.
No caso brasileiro, grande parte dos abusos se da justamente pelo descumprimento de artigos constitucionais 220, 221 e 223, aprovados em 1988, mas que até hoje são mantidos sem a regulamentação legal necessária para for fim aos monopólios e oligopólios e assegurar a diversidade e a regionalização do setor.
A defesa de um novo marco regulatório é objeto de uma campanha Para Expressar a Liberdade, lançada em junho, durante a Cúpula dos Povos para a Rio + 20, reclamando Uma nova lei para um novo tempo , slogan da mobilização liderada pelo FNDC e entidades parceiras.
Um debate fora da grande mídia
Na mesma semana em que a justiça argentina decidiu por fim à liminar do Clarin, a Campanha Para Expressar a Liberdade recebeu no Brasil o relator da ONU para a liberdade de Expressão, Frank La Rue, com uma agenda de audiências em São Paulo e Brasilia, para ampliar um debate com o governo e a sociedade civil, para o qual a midia brasileira tem recusado espaço.
La Rue reiterou declarações anteriores, de que não há qualquer insconstitucionalidade na Ley de Medios argentina, enfatizou sua importância para uma comunicação democrática e mencionou o caso uruguaio, em que uma nova lei para o setor está sendo construida, cumprindo caminhos constitucionais.
O convidado ouviu também relatos sobre o comportamento da mídia brasileira, que atua como partido político, impôe posições à opinião pública, concentra os recursos publicitários do governo distribuídos ṕor critérios de audiência e náo da voz igualitária ao conjunto da sociedade, entre outras denúncias.
Os grupos brasileiros de telecomunicações tem feito campanha declarada contra a Ley de Medios argentina e outras mudanças nas leis de países como a Venezuela e Ecuador, propagando seu receio de que essa tendência se alastre pelo continente e atinja seus interesses corporativos. As leis são taxadas de antidemocráticas por uma imprensa que se recusa a cumprir seu papel de ouvir igualmente os defensores das medidas.
Para ativistas brasileiros, a multiplicação desses debates fora da mídia convencional é necessária para informar a sociedade por outros meios, pedir determinação ao governo e apoiar enfrentamentos que conduzam a um novo marco regulatório das comunicações.