Jorge González Sánchez: o segredo da história oral está nas perguntas

Sánchez coordena o Laboratorio de Investigación y Comunicación Compleja (LabCOMplex) e ministrou a “Oficina de Metodologia de Pesquisa: A História Oral e Comunicação”, nos dias 5 e 6, da qual participei. A atividade foi promovida pelo Núcleo de Estudos de Comunicação Comunitária e Local do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo COMUNI/PÓSCOM/UMESP e pelo Laboratório de Hipermídidias/Memórias do ABC, da Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PMC/USCS). O especialista atualmente desenvolve pesquisas relacionadas à chamada ecologia simbólica, que infere noção de totalidade, relacionando os fatos com signos.

A história oral, segundo ele, é uma relação dialógica (e frisou, não dialética) e somente acontece quando existe a empatia no contato entre as partes, o que precisa ficar claro, nesse processo, diz. “ Para isso, é preciso haver respeito ao contexto cultural, que difere entendimentos da subjetividade… que não pode ser interpretada como algo individual, mas coletivo”. O pesquisador, portanto, deverá objetivar essa subjetividade e compreender que o interlocutor não pode ser definido como um informante, mas como um “contador”. “O tipo de veiculação (áudio e/ou vídeo) tem de ser negociado com ele, pois se trata de uma relação de confiança”.

“…Os “contos” são resultantes dos recortes feitos pelo interlocutor, mediante o método (perguntas) a que é submetido…Por isso, os relatos serão limitados, porque a memória é seletiva…”. Diante dessa compreensão de limitações, o que se revela é que a história oral não pode ser definida nem como mentira, nem como verdade… “O fato é que tem eficácia real em nós, gera memória…”.

Sánchez explica que, por muitas vezes, essa fala é permeada pela desorganização, pela entropia, o que é comum na sociedade humana, e ao pesquisador cabe produzir a inteligibilidade do processo, por meio das perguntas e inferências, que trazem a transversalidade.

A questão é compreender que o percurso da fala do interlocutor, na maioria das vezes, sai da “enacción”, enactividade (momento em que qualquer relação pode ser estabelecida), um conceito do biólogo chileno Francisco Varela, até chegar à sistematização.

Uma dos conceitos aplicados para essa sistematização é a antroponomia, difundida pelo sociólogo francês Daniel Bertaux (1979), conceito que reúne a distribuição, a produção e a reprodução (consumo) dos seres humanos. “A pergunta-chave é como é consumida a energia social e humana?…A forma de organização social para reproduzir a energia humana tem a cara da família…e só conversando para fazer um bom recorte desse consumo”, define Sánchez.

Com esse pressuposto, há o entendimento da existência de relações invisíveis que segregam e de que as pessoas são consumidas por um sistema. “E qual é o biotempo (tempo de vida) investido nisso?”, provoca. Tudo isso tem de ser pensado pelo pesquisador.

Segundo Sánchez, a criação de uma janela ou a parte instrumental para o profissional organizar os relatos é o genograma, construído por meio de um sistema de informação empírica de informações de práticas do interlocutor. “Não deve ser confundido com árvore genealógica”, esclarece. É possível, por meio dessa ferramenta, observar pelo menos três gerações da família. E pela chamada geometria fractal, que é um tratamento bem feito das redes familiares, pode representar até 100 pessoas (parentes).

Essa organização reúne a síntese (interpretação do pesquisador), observações, registros, entrevistas (relatos práticos) e a análise. No perfil da história de família, se constrói a linha do tempo, em que há o cruzamento de dados, divididos por épocas importantes destacadas pela pessoa (que inclui pais, irmãos, filhos, companheiros…). Nesses recortes, são expostos eventos-chaves, explicações dos relatos de práticas; os itinerários de vidas.

A “janela” ampliada permite a colocação desde o “tempo” familiar, ao local, nacional e mundial. São os inúmeros contextos que se relacionam, nos mesmos períodos. “O significado da história oral mora nas práticas do que você faz”, afirma o pesquisador.

Abaixo, vou montar um exemplo de como poderia ser só um dos períodos dessa construção…
Maria se casou com João, em 1945, em São Paulo. Nesse mesmo ano, a mãe de Maria faleceu e a moça teve que dar assistência ao seu pai (que era imigrante), porque ele adoeceu e não tinha recursos para sobreviver (um fato marcante para ela). Nessa mesma época, o Brasil vivia o final do Estado Novo, no período Vargas, e o mundo saía da Segunda Guerra Mundial, que trazia lembranças tristes à família de Maria, pois seus entes haviam sofrido perseguição e tiveram de fugir do seu país de origem…

Ao fazer essas relações, teria condições de fazer mais perguntas e complementações de informações, que enriqueceriam os relatos, de acordo com o propósito de protocolo que eu havia estabelecido para a pesquisa, de comum acordo com a minha interlocutora.

Esse exercício me possibilitou abrir novos horizontes, arejar as ideias no papel de comunicadora e me permitir partir para novas experiências profissionais, que envolvem o caráter humanístico na elaboração de projetos. Ao mesmo tempo, agregou mais conhecimento à experiência que tive em outubro passado, ao participar do curso de História Oral, promovido pelo Núcleo de História Oral da Universidade de São Paulo (Neho/USP), coordenado pelo historiador José Carlos Sebe Bom Meihy.

Veja mais sobre História Oral, no Blog Cidadãos do Mundo:
31/10/2011 – O encanto pela história oral

Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk – www.twitter.com/SucenaSResk

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