Em São Paulo, o ato ocorreu no sábado (15/6). “O Estado é laico pela constituição. Mas onde estão nossas liberdades laicas, nossa liberdade de estar na rua, de ir e vir como a juventude está mostrando que nem o direito de ir e vir nós temos nessa cidade”, declarou Terezinha Vicente, representando a Ciranda.
As organizações feministas alertam que o projeto de lei 478/07 retrocede diretos já conquistados como o artigo 128 do Código Penal, que desde 1940 autoriza o aborto praticado por médico em casos de estupro e de risco de vida para a mãe.
De acordo com o PL, o embrião terá o mesmo status jurídico e moral de pessoas nascidas e vivas. Ou seja, o embrião terá mais direitos que a mulher, mesmo quando for resultado de estupro. Sendo assim, não deverá sofrer restrição de direitos e discriminação e deverá receber pensão alimentícia do pai, se identificado, ou do Estado. Daí o apelido de Bolsa Estupro.
A questão religiosa, apesar de não estar expressa literalmente, está imposta, tendo em vista que saiu da bancada de parlamentares evangélicos da Câmara. Algumas religiões, como a evangélica, são contrárias ao aborto sob qualquer justificativa. Sob esse ponto de vista, o PL é inconstitucional por ferir princípios da Constituição Federal, que estabelece um Estado laico (sem religião) e garante direitos fundamentais à liberdade de crença, pensamento e igualdade para todos.
Ainda sob o aspecto religioso, o uso da pílula do dia seguinte, implantada na rede de saúde pública em 2002, é condenado por religiões, especialmente a Católica. No entanto, ela pode contribuir para a redução do número de abortos, principalmente os praticados clandestinamente que colocam em risco as que não têm acesso à recursos privados de Saúde.
No início de 2012, a Organização das Nações Unidas (ONU) chamou a atenção do país para o grande número de mulheres mortas vítimas de aborto inseguros: 200 mil mulheres ao ano. Esse é um dos fortes argumentos da reivindicação das feministas que defendem a descriminalização do aborto, o direito de escolher ser ou não mãe.
“Ser mulher pra ser chefe de família, sustentar e criar os filhos sozinha é bom, mas pra poder escolher o que a gente quer, ser mãe ou não ser mãe, não ter filho de estuprador, não se submeter à violência – que o Estado deveria garantir – , ai vão querer continuar nos subjugando”, exclamou Terezinha, diante de uma multidão que se formou em frente à Catedral da Sé, na praça de mesmo nome, centro da cidade.
A cirandeira também chamou a atenção para o controle social e o avanço do conservadorismo: “Mais um dia que temos que sair às ruas, como tem sido todos os finais de semana. Temos que estar na rua pelo simples direito de existir, de ser o que queremos ser. Quem é esse estado terrorista que tem direito de dizer quem é louco, que droga é melhor para o consumo. Alcool é bom, mas maconha não é”.
Por fim, lembrou a hipocrisia, os abismos sociais e reforçou o convite às mobilizações que tomam conta do país, reafirmando o compromisso da transformação social. “O rico quem tem dinheiro consegue tudo. Consegue fazer aborto, consegue comprar droga ilegal, consegue viajar, consegue tudo, e nós, pobres, somos criminalizados, os movimentos são criminalizados. Todas às ruas companheiras, junto com a nossa juventude, nós temos que derrubar esse estado terrorista para acabar com a hipocrisia dessa sociedade”, finalizou.
Em todo país
A mobilização, convocada pelas redes sociais, ocorreu em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e Brasília, e em algumas cidades como Santa Maria, Jaraguá do Sul e Joinville, em Santa Catarina; em Campina Grande, na Paraíba; e Brasília.
Outras organizações presentes que se pronunciaram no ato são: Marcha Mundial das Mulheres, União de Mulheres de São Paulo, Machismo Nosso de Cada Dia (página do facebook), Feminismo Sem Demagogia, Católicas pelo Direito de Decidir, Coletivo Dandara, Mulheres da CUT, Mulheres do Psol, Marcha das Vadias de Campinas, Liga Brasileira de Lésbicas, Movimento Negro Unificado, Observatório da Mulher, Movimento de Mulheres Olga Benário, Coletivo Pão e Rosas, Casa Viviane e Fuzarca Feminista.
As organizações lançaram uma petição na Avaaz.org para mobilizar a sociedade contra a proposta do Estatuto do Nascituro. Já foram reunidas mais de 145 mil assinaturas contra o PL conhecido como Bolsa Estupro.