Ato das trepadeiras contra mais um femicídio na MPB

Charge: Latuff

Na primeira década do século passado, os sambas saiam das regiões empobrecidas e chegavam ao salões da alta sociedade com, dentre outras, a música que proclamava “se essa mulher fosse minha / Apanhava uma surra já-já / Eu lhe pisava todinha /Até mesmo eu lhe dizer chega”, cantada por José Barbosa da Silva.

Na década de 30, o compositor Francisco Alves gravou o imediato sucesso “Mulher de Malandro” que pregava: “Mulher de malandro sabe ser/Carinhosa de verdade/Ela vive com tanto prazer/Quanto mais apanha/A ele tem amizade/Longe dele tem saudade”.

Em 40, Ismael Silva, em coautoria com Francisco Alves e Freire Júnior, gravaram a música “Amor Malandro” e deixa claro a opinião dos compositores:”Se ele te bate é porque gosta de ti, pois bater em quem não se gosta eu nunca vi”.

Indo para os anos 70, pescamos a pérola de João Bosco e Adir Blac “Gol Anulado”, que diz “Quando você gritou mengo/No segundo gol do Zico/Tirei sem pensar o cinto/E bati até cansar/Três anos vivendo juntos/E eu sempre disse contente/Minha preta é uma rainha/Porque não teme o batente/Se garante na cozinha/E ainda é vasco doente”.

Na década de 80, a banda Camisa de Vênus emplacou nas rádios a música “Silvia”, com o absurdo refrão “Ôh Silvia, Piranha/Ôh Silvia, Sua Puta/Todo homem que sabe o que quer, pega o pau pra bater na mulher”.

Já nos anos 90, o pagode brega, na voz de Alexandre Pires divertia milhões com a música que comparava a mulher a um inseto e dizia a plenos pulmões que iria chicotear, bater com chineladas, pauladas e o que mais tivesse mais ao seu alcance na música “A Barata da Vizinha”.

Na primeira década do século 21, o forró nos dá mais um exemplo rude com a canção “Quenga”: “Você voltou/Pra quela casa da luz vermelha/Você se deita com todo mundo/E ainda diz que me ama/Mas qualquer hora/Me da na louca/Me da na telha/Te invado a casa/Te dou porrada/Te quebro a cara/E quebro a cama.”

E em 21 de agosto último, o rapper Emicida nos ‘brindou’ com a canção “Trepadeira”, em que o personagem masculino da canção proclama que sua companheira merece apanhar e morrer por envenenamento, além de sua absoluta descartabilidade após o ato sexual, numa composição cheia de apologia à violência social, física e psicológica da mulher, impondo padrões morais e estéticos e cerceando sua liberdade, cujo o auge da promoção misoginia está na rima: “merece era uma surra de espada-de-são-jorge e um chá de comigo-ninguém-pode“.

CHEGA!!!!

Queremos, a partir do 1º ATO DAS TREPADEIRAS, desautorizar qualquer um a dançar, a sorrir cinicamente, a se divertir e, muito menos, a ganhar dinheiro às custas de hematomas, dores, humilhações diárias e mortes que chegam ao endêmico número de UMA MULHER AGREDIDA A CADA 12 SEGUNDOS, só no Brasil.

Trata-se de um profunda mudança cultural da qual não podemos mais nos furtar em promover. Não é um problema do RAP, não é um problema do samba, não é problema do pagode, do funk, do sertanejo, nem do rock e nem do POP, é um problema da sociedade e, sobretudo, de TODAS as mulheres.

Não queremos mais o eterno papel de vítimas que nos enfiam goela e ouvidos abaixo!

Somos guerreiras! Somos trabalhadoras e se “a rua é nóis”, é bom que fique bem claro que “100% da rua foi a mulher que pariu!”.

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