Ativistas fazem ação direta em frente à Vivo para exigir igualdade e liberdade de expressão na rede

Foi o primeiro ato no país a defender o princípio da neutralidade na rede e a chamar a atenção de todos para os novos modelos de negócios pretendidos pelas teles, que pretendem quebrar esse princípio, além da privacidade na rede.

O PL, que tramita em regime de urgência, é um conjunto de direitos e responsabilidades inspirado na Constituição Federal. O Ato de Bloqueio da Vivo ocorreu na quarta-feira (16) para defendê-lo. A concentração começou às 17h em frente ao pomposo prédio do Grupo Telefônica Vivo, na rua Martiniano Carvalho, no Paraíso. Naquele momento, os que chegavam poderiam até confundir o ato com um protesto de soldados da Polícia Militar (PM) tamanho o contingente destacado para fazer a segurança. Eram cerca de 10 manifestantes para, pelo menos, 50 homens da PM e ao menos metade desses estavam reunidos dentro do edifício. Algumas motos da Rocan e uma viatura da Força Tática foram vistas rondando o local.

Uma hora antes, a empresa tratou de liberar todos os seus funcionários. De acordo com a Vivo, a medida foi para evitar problemas aos trabalhadores na hora de irem embora. Questionada sobre os novos modelos de negócios pretendidos pela empresa, a assessoria de imprensa disse que enviaria uma nota oficial sobre o assunto. Mas, até o fechamento desta matéria a redação do Vermelho não havia recebido.

As empresas de telecomunicações, as chamadas telecoms ou teles, como as operadoras de telefonia, provedoras de conexão, fornecem acesso à rede e esperam lucrar mais com a navegação. As telecoms querem derrubar o conceito de neutralidade da rede, que garante igualdade a todos. Dessa forma, elas poderão oferecer pacotes de serviços de acesso à internet e lucrar com isso, oferecendo o que temos hoje de graça.

Os três princípios do Marco Civil

Com o passar do tempo, os manifestantes foram chegando até formarem um grupo de cerca de 100 pessoas que fizeram questão de explicar aos transeuntes que passavam e à imprensa presente o que os moveu até lá: a manutenção do texto elaborado por representantes de diversos setores da sociedade em um processo colaborativo que resultou em mais de duas mil contribuições enviadas ao Ministério da Justiça, que compilou-as transformando-as no PL enviado ao Congresso Nacional, em 2011.

O texto contém três princípios fundamentais. Além da já citada neutralidade da rede, a privacidade do usuário e a liberdade de expressão, com a garantia de que os conteúdos existentes na rede só poderão ser retirados com a apresentação de uma ordem judicial, impedindo o surgimento do que Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC e especialista no assunto, chama de “indústria da censura instantânea”.

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No entanto, há informações de que um lobbista da Rede Globo conseguiu incluir um parágrafo a mais no artigo 15, criado para assegurar a liberdade de expressão e evitar a censura, responsabilizando os autores diretos dos conteúdos, ficando os provedores livres da possibilidade de serem acionados juridicamente. Mas, com esse novo parágrafo o mesmo não valerá quando a denúncia tratar de violação de direitos autorais. “O que isso significa? Quando tratar de uma denúncia feita a um provedor para tirar uma foto de um blog, por exemplo, ele deverá tirar do ar sem a necessidade de ordem judicial. Além de controverso, vai virar uma indústria da censura instantânea. Se um provedor está no mercado para ganhar dinheiro vendendo acesso, você acha que ele vai ficar analisando se a denúncia procede ou não? Sob a ameaça de ser processado, ele vai retirar o conteúdo imediatamente e isso vai gerar uma disputa, uma verdadeira luta política no Brasil na internet”, exclamou Sérgio Amadeu, presente no ato.

Os 25 artigos que compõem o texto são considerados por especialistas internacionais o que há de mais avançado em termos de legislação na internet.

“Sem dúvida, o Brasil vai democratizar a Internet com este sistema. Possui capítulos reservados pelo governo para a participação popular, transparência dos dados públicos e dever de aproximar os cidadãos à internet, através da educação. Destina-se a reduzir o fosso digital na sociedade brasileira, promoção da alfabetização digital e a expansão da rede no território”, elogia a jornalista espanhola Clara Marsan, especialista em Política Científica do jornal El País, em artigo publicado no jornal na quarta-feira (16).

Outro grande defensor da proposta brasileira para a internet é o criador da World Wide Web (www) Tim Berners-Lee, que a elogiou publicamente quando esteve no país, em maio deste ano. “O Brasil está liderando o mundo com seu Marco Civil da Internet, então para mim é uma honra estar aqui neste momento histórico, apoiando quem está fazendo isso”, disse Lee.

‘Jogadores desleais’

Muitos dos que foram apoiar o Marco Civil no ato de quarta encararam uma tórrida chuva no ponto alto do evento, quando ciberativistas, feministas, defensores de direitos humanos, dirigentes sindicais, comunicadores e pessoas da sociedade civil ajudaram a estender o bandeirão unfair players (jogadores desleais) confeccionado por artistas para as manifestações em Belo Horizonte, dentro do processo organizativo de comitês populares iniciado na cidade desde a Jornada de Junho. Além da capital mineira, ele já circulou nos protestos em Brasília e Rio de Janeiro e agora chega à capital paulista para reforçar a luta pelo Marco Civil.

Com a chuva ele ganhou peso e ficou difícil mantê-lo em pé por muito tempo. Mas, por fim, eles conseguiram estendê-lo na área externa dianteira do prédio, concretizando a inofensiva ação direta, porém, eficaz. Em poucas palavras mandou o recado aos internautas brasileiros: a Vivo é um desses jogadores desleais que querem lucrar ainda mais com o uso do espaço cibernético.

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“Apesar da chuva, fizemos bem o que fomos fazer ali: ‘Estamos aqui para falar sobre o texto do Marco Civil e como os caras desse prédio estão tentando transformar o texto em um mecanismo de censura e vigilância. Eles querem calar a sua boca e tapar seus olhos enquanto tiram cada centavo que ainda não tiraram do seu bolso”, avisa um texto do grupo Marco Civil Já divulgado nesta quinta (17).

Neste momento, o PL segue em regime de urgência, recebeu 34 emendas e deve ser votado até o dia 28 de outubro. Caso contrário, ele vai trancar a pauta da Casa. “O discurso das operadoras mudou: antes diziam que era bom ter serviços diferenciados e por isso queriam quebrar a neutralidade da rede. Agora elas querem poder guardar também os registros de acesso a aplicações para poder chegar a um perfil do consumidor e poder ofertar produtos e serviços de maneira personalizada”, alerta Veridiana Alimonti, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet (CGI) no Brasil, também presente no ato.

Veridiana se refere aos registros de acesso dos internautas (como sites, blogs, rede social, enfim, todo o seu rastro de navegação na Internet). De acordo com o texto original do PL, somente os provedores de serviços e aplicações (como Google e Facebook) poderão guardar esses registros ou não. A disponibilização desses dados, para uma investigação policial por exemplo, também só poderá ser feita após a apresentação de uma ordem judicial.

Apoiadores

A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) foi representada pela secretária de Comunicação, Raimunda Gomes, a Doquinha, que fez questão de comparecer: “Faça chuva, faça sol, temos que apoiar os movimentos que lutam pela democratização da comunicação, e a internet não deixa de ser uma frente importante nesse sentido”.

O ato faz parte da programação da Semana pela Democratização da Comunicação que acontece em diversas cidades e é organizada por entidades do setor.

A Ciranda e outras entidades estiveram no local como Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Mídia Ninja, Marcha Mundial das Mulheres, Teatro Mágico, Marco Civil Já, Ciranda, entre outros.

Fonte: Vermelho

(Fotos: CUT/Foto de Roberto Parizotti)

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