Quando me volto hoje, especialmente à realidade brasileira, vejo que o alerta que ela deu é tão atual e ganha contornos bem mais amplos, tendo em vista, que o país é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, há pelo menos, três anos consecutivos. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), enquanto, nos últimos dez anos, o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, o mercado nacional cresceu 190%.
Em 2008, o Brasil ultrapassou os EUA e assumiu o posto de maior mercado mundial desses produtos. O que é estarrecedor. Um terço dos alimentos consumidos diariamente, por nós, no Brasil, está contaminado pelos agrotóxicos, de acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) .
O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (PARA) da ANVISA demonstra que o consumo indevido dos produtos (em excesso dos registrados ou de não autorizados) leva à contaminação de vários alimentos. O relatório de atividades de 2010, publicado em dezembro de 2011, apresentou os resultados do monitoramento de 18 alimentos: abacaxi, alface, arroz, batata, beterraba, cebola, cenoura, couve, feijão, laranja, maçã, mamão, manga, morango, pepino, pimentão, repolho e tomate. Dessa lista, os índices mais graves foram apresentados em pimentões, morangos e pepinos.
Em tese, o que não deveria acontecer, é realidade cotidiana. O documento aponta que ocorreram 7.677 casos de intoxicação aguda (7,64% do total de casos de 2009) por agrotóxicos de uso agrícola, ou desviados ilegalmente para o uso como raticida domiciliar, registrados por 24 dos 36 Centros de Informação e Assistência Toxicológica brasileiros.
O que especialistas constatam é que o efeito cumulativo de todas essas substâncias tóxicas é uma porta para doenças crônicas endócrinas, imunológicas, neurológicas como também comprometem a fertilidade e resultam em cânceres.
Eu me pergunto quantas primaveras estamos silenciando aos poucos, em doses homeopáticas e letais, que nos silenciam das mais diferentes maneiras. Que cenários futuros estão sendo construídos? Pergunta incômoda, mas que precisa ser feita de forma incessante, pois a perspectiva é que não ouviremos mais os sons das aves e nem de nossas próprias vozes, se continuarmos nessa inoperância diante dos fatos.
Em agosto deste ano, o governo federal lançou a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo) – lei nº 7.794. Cláudia Calório, diretora de Extrativismo da Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, disse na ocasião, que “Com as ações esperamos reduzir o uso de agrotóxicos e aumentar os índices de conservação da agrobiodiversidade, além de tratar-se de mais um instrumento público que busca construir agenda sustentável para a sociedade brasileira” . Transformar essas diretrizes em realidade é que qualquer cidadão consciente ou inconscientemente deseja. Agora, quando a práxis ocorrerá é que ninguém consegue projetar.
Enquanto isso, as mobilizações ocorrem das mais diferentes formas. O documentário “O Veneno está na Mesa” (http://www.youtube.com/watch?v=8RVAgD44AGg), de Silvio Tendler, é uma das reações que ocorrem por meio das organizações sociais e marca seu espaço em redes sociais.
Décadas de alertas
E ao voltar à iniciativa de Rachel Carson, com “Primavera Silenciosa”, é preciso retornar um pouco mais na história e observar que foi gestada bem antes, desde 1945, quando a bióloga começava a questionar os testes feitos com o produto, em Maryland, nas proximidades de onde morava. Mas apesar das tentativas de publicar um artigo a respeito, houve resistência editorial, para que conseguisse expor o que ocorria à época.
No ano de 1958, mais um fato a revolta: ela se deparou com uma grande mortandade de pássaros, em Cape Cod, em Massassuchets, em decorrência do uso do DDT. Novamente, a tentativa de publicar a respeito foi em vão…Por meio de suas pesquisas, já havia comprovado que o produto havia provocado a morte de espécies importantes locais, como o falcão peregrino e a águia careca. Afinal, o produto era cancerígeno e comprometia a saúde humana.
Ela enfrentou a “artilharia pesada” do mercado, que tentava desqualificá-la como cientista, por sinal, uma das pioneiras também a tratar dos oceanos, com contribuições, como os títulos A Sea Around US (1952) e The Edge of the Sea (1955). Imagino como deve ter sido difícil para Rachel manter a resiliência. Dois anos depois da publicação, ela se calou para sempre, por causa de um câncer, mas a sua contribuição foi tão intensa, que até hoje, provoca respeito e o sentimento da necessidade de se provar que seu trabalho não foi em vão.
Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk – www.twitter.com/SucenaSResk