A crise de civilização porque passa a humanidade com certeza será o centro das discussões no FSM 2011, em busca de soluções para sua superação. Em nenhum lugar mais que na África, a miséria, a discriminação, a opressão, geradas pela filosofia do guerrear para explorar, ter, acumular, base do modelo de desenvolvimento defendido pelo capital, mostrou sua face tão monstruosa e hipócrita. Entretanto, vêm dos povos da África grandes histórias de resistência e luta, onde diversas etnias preservaram sua cultura, souberam mostrar seu espírito guerreiro na conquista da liberdade e da vida. Inclusive entre os milhões trazidos pela diáspora, junto com seus saberes, e que processos como o FSM levam de volta, numa tentativa de unir o sul do planeta por outro mundo possível.
A maioria dos países africanos comemora apenas neste ano os 50 anos de independência, conquistada com sangrentas lutas (algumas continuam), resistência cultural a tantos colonialismos, disputas religiosas. O 10º FSM em Dakar será espaço para a avaliação das conquistas econômicas, políticas, culturais, o ser e estar da África no mundo. Este será o tema de uma grande mesa redonda organizada pela “Aliança para Refundar a Governança na África” – “Conférence du cinquantenaire des indépendances: L’Afrique prend son destin en main”, parte do eixo 1. Para os organizadores, “é um momento simbólico para fazer-se o balanço”, pois a África não tem sido senhora do seu destino, tutelada por blocos políticos antagônicos que buscam impor suas doutrinas políticas. Esta conferência será no segundo dia do Fórum (dedicado à Diáspora), no turno da manhã e no terceiro turno, final da tarde.
Continente em luta, no momento vemos alastrarem-se , em países do norte africano, fortes mobilizações da população no sentido de derrubar ditadores e exigir direitos e democracia real. Estarão as pessoas que lutam embasadas nos princípios defendidos pelo FSM, que compõem o eixo 1 desta edição em Dacar? Por uma sociedade humana fundada sobre princípios e valores comuns de dignidade, diversidade, justiça, igualdade entre todos os seres humanos, independentemente dos gêneros, culturas, idade, deficiências, crenças religiosas, condições de saúde, e pela eliminação de todas as formas de opressão e discriminação baseadas no racismo, xenofobia, sistema de castas, orientação sexual e outros.
Na verdade, os 13 eixos que compõe a programação do Fórum Social Dacar tocam-se e interligam-se em diversos pontos. Neste primeiro eixo, destacam-se temas e lutas de todos os segmentos oprimidos pela sociedade patriarcal/capitalista e há muitas atividades propostas por organizações feministas e contra o racismo; várias também de sindicalistas, LGBTT , juventudes e teologias, além de algumas propostas por instituições, como a ONU ou a Prefeitura de Porto Alegre, e por movimentos regionais ou específicos. As mudanças climáticas, as questões dos migrantes, outro esporte é necessário, pessoas com deficiência, reparação de vítimas, são outros temas propostos em atividades pelo primeiro eixo.
Para lutar contra as várias formas de opressão, no eixo estão também algumas discussões estratégicas, disputadas por diversas visões políticas. Organizações católicas e muçulmanas debatem princípios teológicos, espiritualidades e ética, mas também feminismo e marxismo. Democracia direta, sociedade da informação, comitês revolucionários e a construção do poder popular estão na pauta de algumas mesas de diálogo e conferências. Sindicalistas mobilizam-se contra a repressão e por trabalho decente, mas também para dizer não à violência contra as mulheres.
Organizações brasileiras são proponentes de várias dessas atividades. As Fundações Perseu Abramo e Maurício Grabois inscreveram debates onde se propõe pensar os desafios e o projeto alternativo das esquerdas e dos setores progressistas, na África, América Latina e Caribe. Inicio a lista de algumas atividades abaixo por um debate que sabemos estratégico, proposto por gente da universidade brasileira, para analisar o papel de “formação” que tem sido exercido pela mídia. Tem até uma manifestação, prevista para três turnos do dia 8, intitulada “Despedida do Querido Lula”, promovida por uma tal de Juventude Ortodoxa Lulista.
DESTAQUES
Mídia, Gênero e Racismo na América Latina
Proposto pela Associação Brasileira de Pesquisadores Negros – ABPN, formada por estudantes e professores da UNB (Universidade de Brasília), o painel terá como objetivo debater e analisar a atuação e influência da mídia de massa nos processos de formação identitária, representações de gênero e raça, e a violência simbólica perpetrada pela mídia brasileira e latino-americana. Uma das proponentes da atividade, Zélia Amador, tem matéria recente na Ciranda, sobre a África.
Racismo
Frantz Fanton , psiquiatra nascido na Martinica, é considerado o maior pensador do século XX sobre psicopatologia da colonização. A atualidade de seu pensamento será apresentada pela Fundação francesa que leva seu nome, ao mostrar as formas renovadas do exercício hegemônico do racismo. Além da mesa de debate, a FFF programou no primeiro turno do dia 8, a conferência “Migrantes e ‘condenados’ da terra, Fanon e a ressimbolização”. “Campanha contra o Racismo Global” é o título de uma conferência que ocorrerá na abertura do dia 9, para lembrar o décimo aniversário das declarações de Durban, pedindo por reconhecimento, justiça, desenvolvimento.
O Brasil está representado no debate sobre o racismo neste eixo, com atividade propostas pela CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras: “Povos afrodescendentes: lutas e alternativas frente ao racismo”, segundo turno, dia 8. A organização Negra Sim, Movimento de mulheres negras de Santo André (SP), coordenará no turno seguinte dinâmicas de grupo com o título “Criando vínculos Brasil e África”. Ainda no dia 8, a Rede de Mulheres Negras do Paraná, “espera discutir questões sobre vulnerabilidade, discriminação, violência institucional, entre outros temas”, na roda de conversa “Mulheres Negras no Brasil: Interfaces Racismo, Educação e Saúde”.
Mulheres
O Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher tem algumas atividades inscritas neste eixo. “Africa Unida” é a primeira, no terceiro turno do Dia da Diáspora, uma campanha pelo fim de todas as violências contra mulheres e meninas, com simulação do julgamento de um caso. A Unifem também coordenará uma conferência pela igualdade de gênero e empoderamento das mulheres nos Estados da África Ocidental, no terceiro turno do dia 9.
A Marcha Mundial de Mulheres do Marrocos inscreveu neste eixo um painel com exposições sobre o Acesso das Mulheres à Justiça, no segundo turno do dia 8.
A “Aliança contra a Pobreza no Mali” realizará conferência no dia 9, com foco no papel das mulheres na realização dos objetivos do milênio para o desenvolvimento sua inclusão no processo de execução, acompanhamento e avaliação. “A condição feminina na África Ocidental” também será apresentada por pesquisadores e estudantes da Universidade de Ziguinchor, em Casamance.
“Feminismo negro e diáspora – nossos passos vêm de longe” é mesa falando sobre os diversos tipos de feminismos negros existentes na diáspora, promovida no dia 9 pela Associação de Mulheres Negras Aqualtune, de Araras (SP). A UBM – União Brasileira de Mulheres realiza debate sobre a luta contra a violência doméstica e familiar, no dia 8. Ainda do Brasil e no mesmo dia, a CAMTRA – Casa da Mulher Trabalhadora, do Rio de Janeiro, apresenta sua experiência com formação “As mulheres jovens e o feminismo”.
Juventude
Falando em jovens, vários debates abordam o segmento. “Não às discriminações: os jovens com a palavra!” é roda de conversa promovida por “Citoyens a part entière” (Cidadania plena), no dia 8. “O futuro nos pertence! As declarações e ações dos jovens para um outro mundo”, no mesmo dia, pela UNIALTER, que pretende escrever uma declaração conjunta. Do Brasil, atividade proposta pelo FONAJUVES – Fórum Nacional de Movimentos e Organizações juvenis: “Redes e Fóruns: novas formas de diálogo da juventude para fortalecimento das lutas”.
LGBTT
“Quais são as condições sociais, políticas e econômicas que dão origem a homofobia na África?” é painel a ser apresentado no dia 8 por “Lesbian and Gay Equality Project”, a fim de traçar estratégias de emancipação e libertação integral das pessoas LGBTI. A organização promove ainda no dia 9, “Visões da Diversidade em África: O papel das organizações progressistas / militantes nas lutas”, um “diálogo com os anti-capitalistas, de esquerda e progressistas, comprometidos com o processo do FSM para aprofundar as perspectivas sobre as suas propostas e alternativas para um outro mundo, que inclua as lutas enfrentadas por pessoas LGBTI, especialmente na África”.
“Forum Social Mundial: na diversidade”, um painel de apresentação e discussão de informações básicas sobre o que é Sogi, LGBTIQ, MSM e direitos humanos, auto-organização e financiamento, promovido no dia 8 pela Comissão Internacional de Direitos Humanos para Gays e Lésbicas.
Sindicalismo
A Força Sindical, uma das centrais de trabalhadores brasileiras, propôs o debate “Trabalho decente e a crise mundial”, onde reunirá dirigentes sindicais apontando perspectivas, no dia 8, primeiro turno.
“Lutar contra a repressão anti-sindical” é a mesa redonda organizada pela Federação de Sindicatos “SUD-Rail”, na verdade uma rede “sem fronteiras”. Com a participação de lideranças do Senegal, Mali, Burkina Fasso, Marrocos, Espanha, França e Alemanha, os sindicalistas querem organizar “intercâmbio com o apoio necessário e lutas internacionais contra a repressão de ativistas sindicais”.
Com o objetivo de dar continuidade à declaração de mulheres sindicalistas da CSI e CSI-África, em outubro de 2010 em Bukavu, a Federação Geral dos Trabalhadores da Bélgica propôs atividade: “Sindicatos dizem não à violência contra as mulheres nos conflitos e no trabalho”. A idéia é mostrar a importância do trabalho de diplomacia preventiva dos sindicatos e seu papel central na gestão e resolução de conflitos de estresse, a importância de fortalecer a participação das mulheres no diálogo social, instrumento privilegiado do movimento sindical e implementar estratégias práticas para prevenir e eliminar todas as formas de violência no trabalho, na família ou na sociedade.
Também a Confederação Nacional de Trabalhadores do Senegal inscreveu atividade para debater o papel das mulheres nesse espaço historicamente masculino: “Mulheres e Sindicato”, onde debaterá o impacto da entrada das mulheres na luta sindical.