Foto: Marco Amarelo (Gt Juventude durante Plenária da Cúpula dos Povos rumo à Rio+20)
Na última semana, representantes de 150 organizações, entidades e movimentos sociais de vários países anunciaram a realização da Cúpula dos Povos no próximo ano. O evento será paralelo à Conferência da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, popularmente conhecida como Rio+20. Para iniciar a organização do evento, foi realizado um seminário internacional nos dias 30 de junho e 1º de julho. Em seguida, no sábado, dia 2, uma Plenária de Mobilização, mais aberta aos movimentos sociais da cidade que começam a se articular para participarem também da Cúpula dos Povos (o nome ainda não é oficial).
Fátima Mello, da Rede Brasileira de Integração para os Povos (Rebrip) e da Fase, anunciou que o primeiro objetivo da Cúpula dos Povos deve ser cobrar dos governos que dêem peso político à conferência oficial: “Não haverá uma Rio+40. Nosso planeta não vai agüentar isso. Estamos cansados de tantas conferências do sistema ONU e de outras instituições multilaterais com baixíssimo poder de implementação e que estabelecem compromissos a quem da urgência da crise pela qual passa a Terra. Também queremos mobilizar a opinião pública no debate por outro modelo de economia, de sociedade e de desenvolvimento”. Ela e outros representantes do Comitê Facilitador da Sociedade Civil para a Rio+20 falaram em coletiva de imprensa. Também participaram integrantes de redes, entidades e movimentos sociais de outros países que vieram ao Rio para participar do processo de construção da Cúpula.
Eles acreditam que entre os debates mais importantes da Cúpula dos Povos está a necessidade de resgatar a noção de que há bens comuns da humanidade, o que é incompatível com a atual mercantilização da vida e da natureza. “Precisamos discutir essa ideia: água, terra, florestas, biodiversidade e também serviços públicos como educação e saúde não podem estar na mão dos mercados apenas para o lucro. A sociedade deve acessar tudo isso como bem público e universal, como condição principal para a justiça social e ambiental no mundo”, apontou Fátima.
Além deste, outro eixo que deve orientar a cúpula é a apresentação de experiências concretas que se espalham pelo mundo e apontam para outra economia e outra maneira de organizar a sociedade. São exemplos, a economia solidária, que propõe circuitos mais curtos e justos entre produção e consumo e a agroecologia, que aponta para modos de produção de alimentos baseados nas pequenas propriedades, de modo sustentável e sem o uso de insumos químicos, como os agrotóxicos.
Hora de apontar contradições
No momento em que se prepara para receber a Conferência da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, o Rio passa por uma intensa mercantilização da cidade ligada, entre outros fatores, a realização de megaeventos esportivos – especialmente a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Este processo tem sido marcado pela falta de transparência e diálogo com a sociedade. E também pela violação de direitos, como o direito à moradia digna. A Cúpula dos Povos deve tratar desta contradição que afeta o município.
Marcelo Durão, da Via Campesina, destacou que a lógica dos eventos têm sido de apropriação dos territórios – não só no Rio e nas capitais que receberão a Copa de 2014, mas também em outros países que já receberam eventos. Brian Ashley, do Comitê Organizador das Mobilizações na COP 17, conferência do Clima que será realizada em Durban, na África do Sul, lembrou da experiência de seu país, sede da Copa de 2010. “Temos muitas necessidade sociais, 40% de desemprego e problemas sérios na saúde e na educação para os quais o governo diz não haver recursos. Mas para a Copa, U$ 40 bilhões foram utilizados na construção de estádios, aeroportos e rodovias que hoje servem à elite ou são absolutos elefantes brancos. A experiência foi de massiva transferência de recursos à Fifa”, detacou, apontando para o que acredita ser missão dos movimentos sociais na Rio+20: “Precisamos apontar uma para um outro mundo em que os recursos não sirvam a estes interesses privados, mas sejam para proteger a natureza e a sociedade”.
E esta não é a única contradição que pode ser apontada na atitude do governo brasileiro, que vai receber a Rio+20. Não foram esquecidas as mudanças nocivas ao meio ambiente e aos povos propostas no novo Código Florestal e também a tramitação de um projeto de lei que permite o uso das sementes conhecidas como terminator. Estas sementes não se reproduzem e são apontadas pelo mercado como solução para contaminações. No entanto, devem significar na prática um duro golpe contra a biodiversidade, os conhecimentos e os direitos dos agricultores que ao longo de milhares de anos reproduzem suas próprias sementes. Há uma moratória internacional contra as sementes terminator e uma mudança de posição do Brasil pode significar um efeito em cascata em todo o mundo.
Os organizadores garantem que pretendem construir para a Cúpula dos Povos um processo colado às lutas reais, sejam elas a resistência às políticas impostas pelo G20, o prosseguimento do processo do Fórum Social Mundial ou o debate sobre as agendas nacionais. No caso do Brasil, anfitrião da Rio+20, Fátima afirmou que a luta contra as mudanças que foram aprovadas pela Câmara para o Código Florestal é estruturante do processo de construção da Cúpula dos Povos. Marcelo Durão, da Via Campesina, ponderou que caso sejam confirmadas as mudanças no Código Florestal elas representarão uma das maiores perdas de biodiversidade que o mundo já viu – e uma enorme vitória para o agronegócio, que vai entrar na Amazônia expandindo a pecuária e monocultivos como a soja.
Na opinião dele é preciso “povo na rua” para barrar as mudanças, a exemplo das manifestações em Curitiba durante uma das Conferências sobre Biodiversidade da ONU que garantiram a moratória contra as sementes terminator. “As sementes terminator são mais uma falsa solução de mercado. Nós da Via Campesina não acreditamos na “economia verde”. O mercado não pode apresentar soluções verdadeiras para problemas históricos gerados pela sociedade capitalista. Para nós a solução não está por dentro do mercado, está nas experiências dos próprios povos e se baseia na solidariedade”, afirmou Durão.
*Para saber mais:
– Leia reportagem da Ciranda sobre a plenária de mobilização realizada no sábado
– Veja o que escreveu a Agência Brasil sobre anúncio da Cúpula dos Povos
*Conheça a opinião da Fase sobre o processo para a Rio+20.
* Assista a entrevista de Fátima Mello, do núcleo Justiça Ambiental e Direitos da Fase no programa Conexão Futura.