Fotos de Cida Reis
Ciranda: Oi Cida, tendo em vista que você e uma comitiva formada por varias pessoas de Minas forma ao Festival Mundial das Artes Negras, que antecede ao FSM, como você vê o ambiente de Dakar rumo ao Fórum Social Mundial?
Cida Reis: Na verdade eu não percebi nenhum movimento pre-Fórum Social durante o tempo que estive em Dakar, eu fiquei 20 dias. Mas provavelmente a língua tenha sido a grande barreira. Estudei um pouco de francês, mas não o suficiente para compreender as conversas que ocorriam ao meu lado.
Para receber os convidados do Festival de Arte Negra o governo senegalês construiu uma vila, com capacidade para 2.000 pessoas. Eu fiquei nesta vila. Mas depois do dia 31/12 eles não permitiram a permanência de mais ninguém, o argumento era que a vila seria desmontada. Achei uma temeridade, pois os gastos já haviam sido feitos e menos de dois meses depois o país cediaria um outro evento internacional.
Ciranda: Qual o significado para você, como brasileira o contexto da Africa e Diáspora.
Cida Reis: Eu sempre tive o continente africano como grande mãe, no aspecto simbólico. Desejei, acho que deste sempre, conhecer o continente, apesar de todas propagandas e noticias negativas que nossa imprensa e o cinema americano fizeram questão de divulgar.
Estive muito feliz durante o tempo em que por la permaneci, evitei a todo momento fazer juízo de valores ou mesmo comparações. No Senegal vive-se em outro tempo. Conheci e tive contato mais estreito no festival com negros de Gana, Guine Bissau e Cronacry, Moçambique, Africa do Sul, Mali, Mauritânia, Cabo Verde e Angola.
Em todos os brasil é reconhecido imediatamente como o pais do futebol. E também o lugar onde querem vir. Sinceramente, nos reconhecemos como parte de uma grande história, mas não nos identificamos como sujeitos de uma história a ser escrita hoje.
Ciranda: Sobre a população do Senegal e de outros lugares da África, diga um pouco sobre a sua cultura.
Cida Reis: O Senegal é um país 90% muçulmano. É um mundo negro. Em todos os lugares, vivenciando as mais diferentes situações você vai encontrar negros. Grande número de mulheres cobertas da cabeça aos pés. O reggae é uma ritmo muto apreciado, e os rastafaris com seus longos dreads fazem muito sucesso, entretanto, sem nenhuma discriminação aos adeptos, as mães não querem isso para seus filhos.
Um traço interessante da cultura é a ausência de consumo alcoólico em público. Não posso afirmar com certeza que os senegaleses não fazem uso de bebidas, tipo cerveja, mas não há ninguém vendendo nas ruas e nos shows, lotado de gente, milhares de pessoas, nenhuma latinha disponível. Só água. A comida é muito apimentada, tome cuidado.
É um povo muito simpático, tolerante, acolhedor e altivo. Tive a oportunidade de visitar algumas famílias e em todas eramos recebidos com sucos de diversos sabores, água e chá de hortelã. O trânsito parece ser caótico, mas funciona bem, sem estresse, grosserias e buzinaço.
Adoram dinheiro, os preços sobem na medida da procura. Algo que custa 560 francos cefar pela manha, pode valer 2.000 franco cefar a tarde e no final do encontro custar 3.000 franco cefar.
Não se engane com o falso valor de nosso dinheiro, o custo de vida é alto e é preciso saber pechinchar.
Ciranda: Você viu a presença de mídias independentes, alternativas ou rádios comunitárias?
Cida Reis: Como estávamos na vila, pude perceber e traçar contato com vários representantes de mídia comunitária e oficial de outros países no festival. São radialistas, agentes culturais com projetos de comunicação dentro dos ônibus, redes de televisão e jornalistas independentes. A grande imprensa internacional esteve todo o tempo ausente.
Ciranda: Sobre os direitos humanos no Senegal e como é a liberdade de expressão por lá?
Cida Reis: Esta pergunta é difícil de responder. Um país completamente dominado pela religião, que ora cinco vezes ao dia. Que possui como lideres máximos os chefes religiosos. Num país lotado de ambulantes, numa economia que é basicamente de serviços. Existem áreas residenciais que em nada devem a miami beach, por outro lado a grande maioria das ruas das periferias não possuem iluminação pública, nem asfalto ou calçamento.
Vivenciamos três situações emblemáticas: 1ª) nosso cigarro de palha foi confundido com droga in-licita, o senegalês que nos acompanhava e também fumava foi escoltado para um canto escuro da vila, por cinco jovens que se diziam ser da policia secreta. 2º) paramos alguns minutos, não mais que cinco, à 50 metros do palácio do governador, fomos intimados a circular. Não é permitido fotografar ou mesmo ficar parado próximo ao palácio. 3º) No momento de irmos embora, nosso acompanhante senegalês não pode nos acompanhar dentro do aeroporto, na área de cheking. Nas dependências do aeroporto, aí inclui uma grade que cerca a construção, só é permitido a entrada de quem vai embarcar.
Como disse no início me abstive de fazer qualquer julgamento ou juízo de valor, é uma outra cultura. Assentada em outras bases, outro passado histórico, outras decisões políticas.
Ciranda: E o intercâmbio que foi feito para o III Festival Mundial de Artes Negras
Cida Reis: Nós fomos – um grupo de 7 pessoas – com o Cônsul honorário do Senegal no Brasil, Ibrahima Gaye. E isto facilitou tudo. Fomos inicialmente para bancarmos individualmente todas as nossas despesas, mas a presença e iniciativa do Ibra acabou facilitando nossa permanência na vila das artes. Mas, graças a ele pudemos conhecer todos os trechos previstos no festival e muitos outros. O Brasil era o país homenageado no festival, e nos eramos estrangeiros. Estes aspectos facilitou muitas coisas. Mas a barreira da língua, grande parte da população só fala o wolof, só foi contornada pela presença do Ibra.
Cida Reis é documentarista, antropóloga e é Assessoria de Projetos e Programas do Ministério da Cultura.