Rio+20: um cenário de incertezas

na avaliação de ambientalistas, que fazem parte da Comissão Nacional da Sociedade Civil para a Rio+20. O grupo de movimentos e organizações não-governamentais será responsável pela realização da Cúpula dos Povos da Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, programada entre 26 de maio e 10 de junho do ano que vem, também no Rio de Janeiro.

O fato de a conferência não se propor a produzir documentos ou revisões da Agenda 21 e das convenções do clima e sobre a diversidade biológica, entre outros, pesa significativamente nessas incertezas. Por outro lado, 2012 será um ano de eleições presidenciais em países estratégicos, como EUA e França. Com isso, as possibilidades de acordos políticos mais consistentes podem ser minados por essas circunstâncias. Já no Brasil, haverá eleições municipais.

Durante o o 1º Seminário Estadual Rumo à Rio+20, realizado na Assembleia Legislativa de São Paulo, no último dia 10, sob coordenação do Comitê paulista da Sociedade Civil para a Rio+20, Aron Belinky, do Instituto Vitae Civilis, que integra o Comitê Nacional, citou que as perspectivas vão sendo reduzidas, também por causa das negociações das conferências das partes da convenções do clima e da diversidade biológica serem os fóruns oficiais permanentes dessas agendas ambientais. Esse cenário se complica em decorrência da crise econômica mundial.

Os temas centrais do encontro, que serão Economia Verde, no contexto da erradicação da pobreza, e a governança da sustentabilidade estão longe de chegar a consenso. “Colocar a economia em serviço da sociedade e quadro de governança efetivo é de difícil implementação. O objetivo seria de o mercado servir a sociedade, sem haver a mercantilização dos bens comuns, da natureza e dos bens genéticos”.

Para ele, a Rio+20 poderia aprofundar o princípio da precaução, que foi gerado em 92, por exemplo, além de metas do desenvolvimento sustentável, da biodiversidade, climáticas, além de paz e justiça social, que são o pano de fundo do que se discute na preparação do evento. “Os desafios emergentes são alimentos, energia, água e saneamento e a implementação de cidades sustentáveis”.

As discussões e possíveis acordos, segundo o ambientalista, deveriam ainda se estabelecer no contexto das Metas do Desenvolvimento do Milênio da ONU com prazo de efetivação pelos países signatários (incluindo o Brasil), no ano de 2015. “Na conferência do ano que vem, se espera também a prospecção para duas décadas”.

Tica Moreno, militante da Marcha Mundial das Mulheres, que também compõe o Comitê Nacional Facilitador da Sociedade Civil para a Rio+20, considera que o evento é um momento para convergir as lutas travadas nos últimos anos. “Temos uma visão crítica em comum quanto à mercantilização da vida, a questão do controle do território e da biodiversidade e a problemática do racismo. Nós fazemos parte da natureza, por isso esse tema é tão central”.

Ela constata que muito se negocia nos âmbitos das COPs, mas poucas coisas são implementadas. O MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e o crédito de carbono ainda são insípidos, mas o mercado já reconhece essas possibilidades. “Muito dinheiro é gasto nesses encontros e o mercado continua nadando de braçada”, em sua opinião.

Uma maneira de pressão que pode surtir efeito, em sua opinião, é por meio da sociedade nas ruas, aumentando a correlação de forças. “A Rio+20 está articulada com o G20 e o G77. Recentemente nosso movimento promoveu a Marcha das Margaridas até Brasília, com 77 mil mulheres nas ruas. É preciso articular essas lutas, com mais base popular. Temos problemas locais, como a questão da privatização dos mangues, dos mares, dos impactos na pesca artesanal, como também a biodiversidade privatizada pelas leis de patentes. É importante ver em cada esfera de nossa vida como os mecanismos de mercantilização atingem a gente, nesse modelo de produção e consumo”.

Segundo Tica, é importante que se fale da economia em outros marcos, como da economia solidária, e da agroecologia como alternativa radical de modelo de consumo. “Isso envolve a experiência de conhecimento acumulado, que já existe. A soberania alimentar, o direito do que e como produzir, questiona o poder dos hipermercados, luta contra o projeto do Código Florestal (que tramita no Senado) e os agrotóxicos. Consumimos quase seis quilos de agrotóxico anualmente, algo que vai além do debate da segurança alimentar”.

Mais uma pauta a ser considerada, em sua avaliação, é a de ações predatórias de empresas de extração de bens naturais, como mineração. “É importante juntar os setores para discutir a economia verde e a governança, mas somar aos processos que já ocorrem”.
O ambientalista Marcos Sorrentino, professor do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), considera que a mobilização da sociedade é uma maneira de trazer a voz dos excluídos à Rio +20 – Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, no ano que vem.

“O alerta é para a mudança do padrão de consumo para a sustentabilidade da vida. É preciso ter um olhar profundo para o modo de produção e consumo. Os diversos acordos em 92 não foram cumpridos. A lição de casa está sendo feita pela metade em algumas situações ou nada, em outras. As amarras do poder são muito grandes. Os cerca de 200 chefes de Estado estão preocupados só com a agenda de desenvolvimento”.

Como Tica, ele reforçou que existe a força popular. “Um documento importante resultante da participação da sociedade civil, há duas décadas, foi o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global”. Sorrentino lembrou que na contemporaneidade há outras manifestações importantes, como das Primaveras Árabes e dos Indignados da Espanha, e aqui no Brasil, protestos contra o projeto do novo Código Florestal. “Há um descompasso entre o que a maioria quer e necessita. Apesar de muitos torcerem o nariz, quando se trata de política e políticos, esse é o regime em que vivemos”.

“…Na ECO 92, conseguimos fazer com que o Aterro do Flamengo representasse as diversidades. Fizemos livros dos Tratados e quase ninguém o conhece e não chegou a se popularizar infelizmente. Vamos canalizar, no ano que vem, para o foro de discussão, mas que traga a esperança das grandes massas da população que estão silenciadas”.

Segundo Sorrentino, é essencial que se reforce o espírito comunitário, de fazer junto e o companheirismo, alem das redes sociais. “É importante que encontremos mecanismos de estímulo a todos os segmentos para criar espaço de expressão de todas as diversidades de vozes, que procuram caminhos diferenciados de realização humana, de sustentabilidade e na busca por ser feliz”.

O processo de preparação da sociedade civil até a Rio+20 pode se dar de diversas maneiras, de acordo com o ambientalista, desde assembleias à mobilizações por meios eletrônicos. “O mote é construir um modo de vida diferente para que não fiquemos o tempo todo ansiosos para que os governantes aprovem documentos. É preciso promover um processo pedagógico ambiental de forma ampliada, potencialização individual e coletivamente, a partir do microlocal. Isso representa uma humanidade concentrada no bem comum e no futuro melhor”.

Moema de Miranda, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), frisou que a Eco 92 foi uma manifestação de cidadania planetária e a diversidade impactou, o que trouxe novas pautas politicas ao centro das negociações, em um contexto no qual a ONU era vista como espaço possível de apoio mundial e o mundo bipolar estava se reconfigurando, após a Queda do Muro de Berlim, em 1989. Depois de anos com fragmentação de agendas, ela acredita ainda que haja a possibilidade de espaço aberto à pluralidade no ano que vem, apesar do desgaste da organização nos dias hoje.

Em sua análise, no modelo neoliberal, das últimas décadas, houve certa ruptura entre homem e natureza no Ocidente. “As relações de mercado têm relevância, mas o que se questiona é o lugar que ocupam em nossa vida. O modelo socialista também pensava na natureza como recurso natural para o modelo de vida da sociedade”. Há a controvérsia entre progredir e crescer, e a hegemonia de crescimento foi utilizada tanto por um como por outro modelo”.

Moema avaliou que existe uma crise civilizatória e reforçou que a possibilidade de vida em harmonia não pode ser atrelada às marcas que consumimos. “É necessário um novo paradigma de ser e estar no mundo. Os discursos de ascendência dos pobres é o de “agora é a minha vez’ de conseguir adquirir bens de consumo e cria esses conflitos”.

Ela alertou que ao ficar no contexto do poder das corporações, se pode adquirir “o bilhete da economia verde”. A preocupação, segundo a ambientalista, é que seja um instrumento para “verdejar”, sem que haja mudança do modelo de vida e consumo. “Os pobres não estão aqui com a gente, se não tivermos como trazê-los para cá, o discurso será sempre superficial”.

Leia mais no Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk, sobre os bastidores para a Rio+20:

11/09/11 – Rio+20: a importância do empoderamento da sociedade

11/09/11 – Rio+20: Aldeia da Paz deverá ser referência para alojamento

11/09/11 – Rio+20: pratiquem o exercício de reflexão e cidadania

07/08/11 – O que se fala sobre vulnerabilidade climática (parte 1)

28/07/11 – Atenção às nossas águas

22/07/11 – Alerta sobre o flagelo africano

30/06/11 – Nota: mobilização da sociedade para a Rio+20

06/06/11 – Bastidores do processo da Rio+20

20/02/11 – Rio além do +40: com certeza + 20 é uma redução da história

05/12/10 – Especial Fórum Social Pan-Amazônico – A luta só está no começo

25/08/10 – Bastidores Entremundos – Direto na fonte

Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk – www.twitter.com/SucenaSResk

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *