Revoluções tecnológicas no feminino

Carol é uma hacker, e gosta de se apresentar assim quando solicitada a
uma entrevista para falar sobre sua atuação. Seja na construção de redes
sociais em software livre, ou sobre a presença das mulheres nas tecnologias
livres usadas na internet e a relação com os novos movimentos sociais,
como o 15-M, do qual ela participa. “Gosto de pensar em
mim simplesmente como hacker, buscando sempre como mudar a realidade para fazê-la
melhor para todos, concretamente, a partir da tecnologia, pois
acredito que há muito a oferecer para esta mudança”. Ela prefere ser
chamada pelo primeiro nome apenas, como muitos/as harckers. “ O sobrenome
não é relevante”, diz ela.

Ciranda – Global Square participará dos debates das tecnologias livres
entre as redes sociais ativistas, no Fórum Mundial de Mídia Livre, e
há mulheres na coordenação dessa rede, como você e Heather. Gostaria
de saber de que se trata a articulação de Global Square. E qual o
papel das mulheres nessa rede?

Carol – A ideia da Global Square surge principalmente da participação de algumas pessoas no movimento 15M na Espanha, vendo que a comunicação e a coordenação entre um amplo número de grupos é complicada. Em muitas ocasiões, o mesmo trabalho é feito várias vezes. E muitas vezes não conseguimos nos conectar com facilidade, pois estamos todos pela rede, mas dispersos, sem nenhuma forma clara de nos localizar. Portanto, surgiu a ideia de uma plataforma desenvolvida em software livre, que cubra algumas dessas necessidades. Além disso, na TGS (The Global
Square) também fazemos uma série de propostas de governança baseados
na experiência do que ocorreu nas praças a partir do 15M e outras
experiências e reflexões levadas a cabo por diversas pessoas que se
agregaram ao projeto.

Portanto, podemos dizer que TGS quer ser uma plataforma de software
livre que promova um entorno organizativo (comunicação + tomada de
decisões) totalmente descentralizado e global, que garanta a
privacidade de cada um de seus habitantes, sejam grupos ou pessoas.
Não saberia como definir a pauta das mulheres na TGS, porque desde o
princípio estamos no grupo, dando forma e cor à ideia, mesmo em um
processo de gestão coletiva. O projeto TGS ainda não é um projeto com
tarefas muito delimitadas, portanto, todos e todas estamos um pouco
“em tudo”.

Ciranda – Qual sua formação e sua ligação com a tecnologia?

Carol – Minha formação é matemática, e estou vinculada à tecnologia livre (que é a que importa) há vários anos, primeiro nos movimentos sociais,
e hoje faço parte de uma cooperativa de mulheres: a Dabne
-Tecnologias da Informação, onde, como diz minha sócia, o que buscamos
é “construir Internet”, a partir da formação, criatividade, reflexão,
economia. A cooperativa é nosso terreno de experimentação tecnológica.

Ciranda – Sempre que queremos debater temas de software e hackers, os nomes que surgem são de homens. A distância das mulheres da tecnologia é um tabú ou existem fatores reais, culturais, para menor participação feminina?

Carol – Penso que em geral pecamos em querer entender a participação das mulheres dentro do marco de uma sociedade competitiva, onde prima o “winner” , onde o “ser líder” é o mais valorizado, onde o egoísmo está presente e o trabalho em equipe é mal visto. Acredito que este não é o ambiente natural das mulheres, por isso, creio que não se pode entender a participação das mulheres em tecnologia a partir daí.
Talvez a pergunta esteja errada e o que devemos nos perguntar é se na
realidade as mulheres não estariam de outra maneira na tecnologia,
onde prima mais um modelo de anonimato, sem identidades tão definidas,
um ambiente de generosidade, criatividade e trabalho conjunto e por
isso elas não querem se reconhecer nos espaços onde geralmente se
enquadram as tecnologias. Talvez existam outros espaços dentro da
tecnologia. Talvez devêssemos pensar se a rebeldia da mulher seja a
de não estar onde querem colocá-la, mas sim onde ela quer. Na
tecnologia, há muitas mulheres fazendo coisas geniais.

Ciranda – Como tem sido tua experiência nos movimentos e ações hackers na Espanha? Você está associada aos atuais movimentos dos “indignados”, e que transformação buscam?

Carol – Sim, sou parte do clima 15M, pois eu diria que nem sequer é um
movimento, é algo diferente, mais mágico, que nâo se pode definir mas
que está criando coisas, buscando alternativas, aprendendo, chegando a
todo tipo de pessoas e questionando tudo o que existe sem ter medo.
Além do 15M, tive a sorte de participar dos movimentos hackers faz
muito tempo, encontrar-me com gente maravilhosa e aprender muito do
que sei 😉 e com muitos seguimos encontrando no caminho enquanto
continuamos tentando difundir e por em prática a ética do software
livre.

Ciranda – Para você, as tecnologias livres fazem parte dos movimentos
sociais, são frutos deles ou são seus propulsores?

Carol – As tecnologias livres estão encontrando um grande apoio nos atuais movimentos sociais muito mais conscientes da importância da
independência tecnológica, da descentralização, da privacidade e da
liberdade que tudo isso pressupõe, especialmente em um movimento onde
estamos vendo ameaçada a liberdade de expressão em todos países.E
também nestes movimentos onde se está trabalhando muito a noção de
bens comuns, a tecnologia se entende dentro destess bens comuns,
inclusive em âmbitos não tecnológicos.

Ciranda – Você sente uma preocupação interior do movimento com a
igualdade de gênero em suas ações?

Carol – Na verdade, pelo menos o 15M, eu o definiria como uma revolução no feminino, que se pensa a partir da “inclusividade” , os cuidados, o estar juntos, sem lideres, sem violência e tudo isso sem tirar-lhe a contundência das ações, das propostas, sem esquivar do conflito, mas
sendo criativo e espontâneo, transcendendo os espaços que lhes são atribuídos “

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