Assim como em outras partes do mundo em 2011, também os jovens de São Paulo estiveram envolvidos esse ano em uma série de manifestações por mudanças na política e na sociedade. E também como em outros lugares, as repressões policial e midiática foram uma constante. Um exemplo é a Marcha da Liberdade, realizada com ampla pauta após o Supremo Tribunal Federal reafirmar o direito do cidadão à livre expressão incluindo reivindicações para a mudança das leis de entorpecentes (algumas semanas antes, a Marcha da Maconha havia sido reprimida com violência pela polícia paulista). Outro é o movimento Ocupa Sampa, que acampou por várias semanas no Vale do Anhangabaú com aulas livres que atraíram centenas de pessoas e teve uma simpática acolhida por parte da mídia. O mais emblemático, contudo, foi o movimento pelo fim do convênio entre a Polícia Militar – PM e a Universidade de São Paulo – USP, para a vigilância do Campus.
Há anos a comunidade acadêmica vem lutando contra a progressiva militarização dos serviços de segurança da USP e a criminalização dos movimentos estudantis e de trabalhadores da universidade. Em 2007, o ex-diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e atual reitor da USP, João Grandino Rodas, já havia pedido a entrada da PM no prédio histórico no centro de São Paulo para, com violência, acabar com uma ocupação de apenas 24 horas do pátio para a realização da Jornada Nacional em Defesa da Educação Pública com alunos, professores e representantes da União Nacional dos Estudantes – UNE e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST entre outras entidades. Dois anos depois, a então reitora da USP, Suely Vilela, solicitou a entrada da Tropa de Choque da PM para impedir a realização de piquetes numa greve de funcionários. No confronto, pelo menos três pessoas foram presas e dez feridas, incluindo vários estudantes alvejados por balas de borracha ou espancados com cassetetes.
Desde então, a PM vinha fazendo rondas esporádicas no principal campus da Universidade. Mas com a morte, no início do ano, de um estudante que reagiu a um assalto na saída de um caixa eletrônico dentro da Cidade Universitária, a comunidade acadêmica passou a pedir mais segurança. A resposta do Estado veio com fechamento de um convênio com a PM em agosto para a vigilância regular no Campus. Parte dos alunos e professores aplaudiu a iniciativa. Por outro lado, uma parcela significativa de estudantes e funcionários viram no convênio a quebra da autonomia universitária e uma ação que, longe de acabar com a violência, visaria reprimir ainda mais as manifestações políticas, sociais e sindicais. Com efeito, apesar da queda na criminalidade desde o latrocínio em maio, dezenas de estudantes (especialmente os mais pobres, negros e homossexuais) vem relatando revistas e constrangimentos mais frequentes por parte da PM e até uma invasão sem mandato judicial da sede de um centro acadêmico.
A gota d’água foi a tentativa de detenção de três estudantes que fumavam maconha em um carro no estacionamento da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH, no final de outubro. Ao verem a truculência da abordagem policial ao grupo, dezenas de alunos cercaram os policiais, que pediram reforços. Mais de 15 viaturas chegaram em pouco tempo e houve enfrentamento com diversos feridos e um carro da polícia teve os vidros quebrados. Os estudantes decidiram então ocupar o prédio da FFLCH como protesto contra a ação policial e a presença da PM no campus. Alguns dias depois, quando o reitor conseguiu uma ordem judicial de reintegração de posse, um grupo menor de alunos decidiu, mesmo sem apoio do Diretório Central dos Estudantes – DCE USP, ocupar um alvo de maior visibilidade: o prédio da própria reitoria. Com isso, o movimento conquistou um pouco mais de espaço na mídia, mas o discurso nos meios hegemônicos insistia na tese de “filhinhos de papai, desordeiros, radicais e vagabundos que apenas queriam consumir drogas livremente”.
O ápice da visibilidade do movimento, inclusive com uma participação muito maior de estudantes e outras parcelas da sociedade, se deu com a violenta desocupação da reitoria na madrugada de 7 de novembro por uma tropa de 400 soldados e a detenção de 72 pessoas. As assembléias que contavam com poucas centenas de participantes passaram a reunir milhares de estudantes. Passeatas com mais de 4.000 pessoas tomaram primeiro as ruas do centro da cidade, no dia 8, e depois a Avenida Paulista, em 24/11. Um total de 14 unidades da USP estão em greve até hoje. Contudo, as reais reivindicações publicadas no blog do movimento (atualmente http://uspemgreve.blogspot.com/), como a saída da PM do campus e um novo projeto de segurança não militarizada, jamais tiveram qualquer repercussão nos jornais e TVs. Do mesmo modo, somente quem vive dentro do movimento ou acompanha o blog e as discussões nas redes sociais teve conhecimento da expulsão, esse mês, de dois estudantes da Escola de Comunicação e Artes – ECA e quatro alunos da FFLCH, acusados pela ocupação, em 2010, de salas de um outro prédio que pertenciam originalmente ao Conjunto Residencial da USP – CRUSP.
Evidentemente, os estudantes têm uma imensa dificuldade em se fazer ouvir por parcelas maiores da população o que, num país de mídia tão concentrada como o Brasil, necessariamente passa por veículos de massa como a televisão. Um exemplo claro disso foram os mais de 30 minutos de discussão na assembleia de 06/11 sobre a participação ou não do movimento em uma entrevista ao vivo em um importante canal de notícias. Primeiro os alunos não sabiam se a entrevista seria no canal aberto (TV Record) ou no por assinatura (Record News). Depois descobriram que seria apenas um representante a ser entrevistado e não uma comitiva, como haviam votado. No final, com a prisão dos 72 que ocuparam a reitoria, somente o reitor apareceu na TV acusando os estudantes de prepararem coqueteis Molotov para resistir à desocupação, quando na verdade todos saíram pacificamente portando apenas livros de esquerda como “armas”. Assim, não eram poucas as pessoas na passeata da Paulista chamando os estudantes de “maconheiros vagabundos” enquanto as rádios, TVs e jornais reclamavam dos problemas com o trânsito e pedindo “responsabilidade a quem deveria dar o exemplo”.
Essa falha no relacionamento com a imprensa é inadmissível num movimento que conta em grande parte com estudantes de jornalismo e tem apoio de professores da área. Por causa dessa falha ninguém aponta a óbvia contradição de uma mídia que há poucas semanas abria os microfones para um coronel da PM afirmar que o Estado vai processar os “líderes”, identificados por filmagens na passeata da Paulista, exigindo indenização pela paralisação no trânsito e que agora anuncia como atração turística “para toda a família” as diversas interrupções diárias no tráfego para que os pedestres possam apreciar a decoração de natal dos bancos. Do mesmo modo, os estudantes não conseguem quebrar a imagem de “radicais violentos” pintada pela mídia que expôs dezenas de vezes as fotos dos improváveis coquetéis molotov (garrafas com apenas um dedo de combustível) supostamente encontrados por policiais na reitoria desocupada. E apesar de ser um movimento eminentemente não-violento, eles não conseguem explicar porque escondiam os rostos na tomada do prédio e a mídia não faz a conexão entre esse fato e as dezenas de estudantes processados administrativamente com base num regulamento interno da época da ditadura militar que proíbe qualquer manifestação política na universidade, criminalmente por depredação do patrimônio público e agora civilmente por “atrapalhar o trânsito”.
Contudo, apesar da evidente criminalização do movimento, felizmente não parece provável que os estudantes mudem sua tática para ações violentas, o que poderia acarretar numa antipatia ainda maior por parte da população. Ao contrário, o movimento tem buscado apoio em outros movimentos sociais com mais experiência, especialmente no campo jurídico. Um advogado do MST já havia ajudado a orientar os alunos detidos na desocupação da reitoria e no início de dezembro os estudantes se reuniram com lideranças dos Sem Terra na Escola Florestan Fernandes, em Guararema, para conhecer de perto a organização e estratégias do movimento. A detenção também aproximou ainda mais os estudantes do Sindicato dos Trabalhadores da USP – Sintusp, ligado ao Partido da Causa Operária, de extrema esquerda. Isso pode ajudar muito na estruturação política, proteção jurídica e organização de atos de maior visibilidade. Por outro lado, pode aumentar ainda mais o bloqueio midiático, afinal tanto o MST como o PCO são retratados nos meios hegemônicos como radicais, violentos e anacrônicos.
Talvez a saída seja permanecer o menos partidarizado possível e ao mesmo tempo investir em uma comunicação profissional: elegendo porta-vozes fixos, bem preparados, de fácil acesso aos jornalistas e atentos a qualquer oportunidade de debate ou inserção midiática. Outra boa sugestão seria manter um único blog com as informações, como reivindicações e contatos, consolidadas. Afinal,o blog atual é o terceiro ou quarto endereço do movimento nos últimos três meses. Também é importante ampliar a atuação junto a parcelas da mídia mais simpáticas aos movimentos sociais, como as revistas e blogs de esquerda. Outra ação interessante seria fechar parcerias com ONGs, entidades e movimentos que buscam mais democracia nos meios de comunicação e/ou lutaram contra a ditadura. Por fim, o movimento precisa se aproximar mais de outras iniciativas inovadores como os Occupies e os movimentos estudantis mais organizados na América Latina, como o colombiano e o chileno. Tudo isso sem deixar de lado a atuação que já possui nas redes sociais. O grande desafio hoje, no entanto, é manter a mobilização no período de férias que se inicia.