“Rejeitar liberalismo e fundamentalismo é o começo”

A ativista antiglobalização Naomi Klein procura mostrar como as corporações mais poderosas do mundo oferecem condições de trabalho precários no terceiro mundo enquanto vendem conceitos de democracia e ética. A jovem canadense de 31 anos vem pela segunda vez à capital gaúcha para participar do FSM e recolher informações sobre as estratégias colocadas em prática aqui, como o Orçamento Participativo. A promoção de seu livro, No Logo, traduzido em 18 línguas e lançado no Brasil durante o Fórum, segunda ela, é mera consequência.

II Ciranda: O Fórum Social Mundial é uma feira de alternativas. São centenas de vozes e idéias diferentes circulando, durante essa semana, em Porto Alegre. Como partir dessa diversidade para uma unidade? Isso é possível? E será que é necessário?

Naomi Klein: É importante que haja um consenso no jogo. Tem de haver, algumas regras são necessárias para o desenvolvimento democrático e devemos concordar nessas regras. Mas é diferente, porque deve haver o respeito pela diversidade. Por exemplo, rejeitar o neoliberalismo e o fundamentalismo, para mim, é o ponto inicial. Jamais conseguiria colaborar com pessoas que não aceitam esses valores. Temos que, de algum modo, realizar mais discussões sobre princípios e menos discussões sobre fórmulas. As fórmulas finais nem sempre são o mais importante. Eu espero que resoluções sobre alguns principios sejam geradas no Fórum.

II Ciranda: Há quem pense que o Fórum não formula resoluções práticas.

Naomi Klein: Algumas pessoas possuem um visão muito tradicional e imediatista da política. Elas subestimam o poder dessa troca de informações, bem como nós estamos fazendo agora. Você não sabe o que pode sair dessa troca, uma idéia realizada aqui pode servir para o Canadá. Você não tem como prever. Essa troca, essa diversidade é extremamente política. Infelizmente, algumas pessoas não vêem isso assim, olham para o Fórum e não percebem as contribuições que estão sendo trocadas internacionacionalmente.

II Ciranda: Qual a importância do FSM nessa nova conjuntura, na qual parece que não somos mais nós na ofensiva e sim os poderosos do mundo, como se eles estivessem contra-atacando?

Naomi Klein: Eles sempre estiveram contra nós. Só que, agora, eles estão mais preocupados em solicitar unanimidade de suporte em torno de seu pensamento. Isso estava para acontecer de qualquer modo. Nós já estávamos tendo mais força e expressão, como em Gênova e no Quebec. Eles estavam definitavamente vendo que o que faziam lá não era aceitável. Acho, inclusive, que eles já haviam declarado essa guerra contra nós lá quando as manifestações aconteceram. Mesmo que por um lado se diga “sim, é verdade, a partir de 11 de de setembro eles se consideraram livres para declarar guerra”.

II Ciranda: E, agora, o Banco Mundial e o FMI também querem estar em Porto Alegre durante essa semana. Como se explica esse fato?


Naomi Klein:
Depois de terem nos expulsado dos seus encontros com cães policiais, spray de pimenta e balas, não entendem porque não estamos estendendo um tapete vermelho para eles. Não acreditam realmente possuir o poder para desconsiderar o que está acontecendo aqui. Estamos em um momento de intensos paradoxos e, por isso, é tão importante e tão assustador, porque todos ficamos com uma responsabilidade muito grande, de tomar as decisões certas aqui.

II Ciranda: No Logo está sendo lançado essa semana no Brasil e já foi bem sucedido no mundo todo. Quais são as expectativas em torno deste lançamento?

Naomi Klein: Não tenho expectativas. Para ser honesta, o sucesso do livro já é isso que vem acontecendo, coisa que eu não poderia imaginar nem no meu mais louco sonho. Eu sinto que tive muita sorte, mas também não quero pasar minha vida promovendo um livro, se as pessoas quiserem lê-lo, ótimo. Eu farei algumas entrevistas, mas tomei a decisão de não passar todo o FSM promovendo o livro. Até agora, essa é minha terceira entrevista e quero ter certeza de que terei tempo para ouvir e conhecer pessoas, para aprender. Porque você vê as estrelas do movimento, sabe? E elas estão sempre sendo entrevistadas, sempre têm uma câmera na frente. Eu não quero ser essa pessoa. Você tem de interagir com as pessoas, achar um jeito de rejeitar essa dinâmica de celebridade que parece ter todas as respostas. Eu estou aprendendo como fazer isso, irei para o Rio de Janeiro fazer uma palestra que será a última por algum tempo.

II Ciranda: Você veio a Porto Alegre para, além de participar do Fórum, recolher informações.

Naomi Klein: Esse é o tipo de viagem que quero estar fazendo agora, não para participar de conferências. Não tenho nada contra conferências, mas agora que existe essa espécie de rede internacional está ficando muito fácil das pessoas viajarem e passarem muito tempo em salas de conferência, sem ver realmente os efeitos de certas políticas. Vou ainda a Buenos Aires e, antes, passo em Montevídeo.

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