Mais de 120 milhões de pessoas vivem na Mata Atlântica (http://www.mma.gov.br/biomas/mata-atlantica), que ocupa 1.315.460 km2 em 17 estados, do PI ao RS (correspondente a praticamente o tamanho do País de Gales), num país de quase 192 milhões de pessoas. Essa região representa 70% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Ao ter contato com esses dados, tudo aparece em termos superlativos. Mas o contexto é bem outro, quando nos deparamos com a realidade. Restam apenas 7,9% de remanescentes florestais em 98% do território pesquisado do bioma, que também apresenta o maior número de espécies da flora ameaçadas (276) no país, seguida pelo Cerrado (131), da Caatinga (46), da Amazônia (24), do Pampa (17) e do Pantanal (2), segundo o Sistema Nacional de Informações Florestais (SNIF).
Pau-Brasil, Imbuia, Canela – Sassafrás…Até quando elas subsistirão, entre tantas dezenas de outras espécies? E como o ecossistema funcionará sem elas, se o desmatamento continuar?
As informações contidas no Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica 2012 (http://www.sosma.org.br/projeto/atlas-da-mata-atlantica/), uma iniciativa da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE/MCTI), dão a nítida sensação de que a nossa vida é subtraída a cada destruição, principalmente quando saímos das estatísticas da visão georreferenciada e começamos a olhar ao nosso redor. Afinal, nossa “eco” (casa) está por um fio e não nos damos conta disso…
As condições mais críticas se encontram nos estados de Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso, Santa Catarina e Espírito Santo. E os municípios que lideram esse ranking são: Águas Vermelhas (MG), Canavieiras (BA) e Jequitinhonha (MG). Os três tiveram respectivamente 1.367 ha, 1.337 ha e 1.270 ha devastados. O mais incrível é que essas florestas estão sendo transformadas em carvão e substituídas por eucaliptos (quando ocorre), no chamado reflorestamento econômico, para no final virarem bens de consumo novamente. E quem se preocupa em recompor a mata nativa? Em outros locais, a monocultura e a pecuária extensivas comprometem os solos.
Aí se eleva a importância do encaminhamento do novo Código Florestal sancionado recentemente e sua nova redação que voltou à apreciação do Congresso (que deverá ter novas propostas de emendas analisadas); ressurgem no contexto da Mata Atlântica e dos demais biomas com mais força com relação ao real significado de reserva legal e de área de preservação permanente (APP).
Outra questão colocada em xeque é o real significado do“manejo florestal sustentável”. Ao recorrer às informações do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), a explicação é a seguinte: ‘administração da floresta para obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo e considerando-se, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras, de múltiplos produtos e subprodutos não-madeireiros, bem como a utilização de outros bens e serviços florestais’. E o ponto-chave na realidade: há ainda um abismo quanto ao respeito dos mecanismos de sustentação do ecossistema.
Com essa série de constatações, outra mais contundente evidencia que além das dezenas de espécies ameaçadas da flora, desde o período do Descobrimento, outras centenas da fauna estão identificadas com extintas na natureza, mas criadas em cativeiro (EW) ou extintas (EX), e viraram objeto de literatura e imagens retratadas em nanquim e, por muitas vezes, nem isso. Algo que, de alguma forma, deixa um vazio, em todos os sentidos.
Entre as que constam no Livro das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção, estão desde a libélula (Acanthagrion taxaense) a arara-azul-pequena (Anodorhynchus glaucus). Em praticamente 50% dos casos a extinção foi constatada em unidades de conservação (UCs), o que demonstra um desafio maior, na implementação e manutenção das mesmas.
E para tentar reverter o processo de perigo de extinção, algumas espécies estão na lista dos Planos de Ação Nacionais para a Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção ou do Patrimônio Espeleológico (PAN), como a ave Mutum do Sudeste, os mamíferos Muriqui e os Ouriços Pretos.
Eu, que moro em São Caetano do Sul (SP), não me sinto mais confortável, por causa disso, de não estar hipoteticamente no olho do furacão. No estado, por sinal, foram desmatados 216 ha, no período. E a razão é simples. Não é possível analisarmos essa situação com bairrismos ou isoladamente. O mercado é global e, de alguma forma, todos temos nossa parte nessa destruição, afinal somos consumidores e alimentamos ativamente ou passivamente a prática predatória de extração e/ou devastação (mesmo que involuntariamente).
Se soubéssemos todos os caminhos do que chega às prateleiras realmente ficaríamos assustados ou não? Esse é o meu receio. O quanto a conscientização é capaz de mudar atitudes em um modelo de desenvolvimento permissivo.
Quando retrocedemos nos últimos 25 anos, o comprometimento da Mata Atlântica, no período, foi 1.735.479 ha. Ano a ano o rankeamento sofre alterações nas primeiras colocações, mas o fato é incontestável: o problema continua. Por quê?
Todos os caminhos levam à educação ambiental e ao padrão de produção e consumo. Como se aprende a entender o valor da conservação e da vida em toda a sua extensão de biodiversidade? Como compreender que o ar que respiramos, a brisa, a chuva, a harmonia das aves, que nos encantam, ou as centenas de cores verdes de nossas folhagens e do colorido de nossas flores, dependem de nós…? Que o alimento, a fitoterapia, o que vestimos e onde vivemos dependem dos recursos naturais?
Como entender a importância dos pequenos sistemas agroflorestais, da necessidade de implementação de planos de manejo em unidades de conservação, da composição dos corredores ecológicos, do que significa manter as matas ciliares, os manguezais e as restingas? E por que o oceano Atlântico depende da harmonia de tudo isso…e nós dependemos dele?
Cada animal, do unicelular ao maior dos mamíferos, pertence à nossa família nessa cadeia. Alguém tem dúvida quanto a isso? Já nos perguntamos de onde a terra se alimenta e quem se alimenta da terra? Ou de onde nossas águas emergem para nos possibilitar a vida? Então, novamente o porquê ressurge forte.
O modelo de consumo, que corresponde às nossas pegadas ecológica, hídrica…sinaliza o que está errado nessa matemática da destruição. As respostas, em um primeiro momento, parecem fáceis: precisamos consumimos para viver. Mas quando refinamos os questionamentos, outro cenário se forma. E para viver necessitamos de quanto da natureza? E o que ela pede de mim em troca?
E a violência de saber que restam 7,9% dos remanescentes de Mata Atlântica toma as suas devidas proporções. Dá até um arrepio imaginar como somos vorazes ou apáticos diante dessa constatação. E o medo de não ouvir mais o som do bem-te-vi, da maritaca, do vento soprando, de não sentir mais o orvalho e só encontrar a terra seca, com sulcos tão profundos, que dela só se extrai poeira, que nos cega diante da realidade. E pior – de não ouvir mais a nossa respiração. Enfim, depois de tantos questionamentos, quanto da Mata Atlântica deixamos morrer dentro de nós em cada atitude do dia a dia?
Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk – www.twitter.com/SucenaSResk