Ainda dono da popularidade que manteve durante os oito anos de governo, o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva arrancou aplausos do público que lotou o Palace du Souvernir para ouvi-lo falar sobre a África e a geopolítica mundial. A atividade aconteceu nesta segunda, 7, dia dedicado ao tema da diáspora na programação do FSM 2011, que acontece em Dakar, até 11 de fevereiro. Defendendo a autodeterminação do continente, ele propôs uma política mundial visando o desenvolvimento agrícola e a erradicação da fome.
Dividindo a mesa com representantes do FSM Africano, da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e com o presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, Lula defendeu que o desenvolvimento socioeconômico e a democracia no continente entrem no centro da agenda internacional. “A África precisa forjar sua independência em matéria de produção de alimentos, rompendo os laços de dependências com as antigas metrópoles. Não há soberania política sem soberania alimentar.”
Segundo ele, adotando um caminho parecido ao do Brasil, com investimentos em pesquisa e tecnologia agropecuária e políticas apropriadas, seria possível ampliar a produção na savana africana, que tem cultivados apenas 10% dos seus 400 milhões de hectares.
Ele criticou ainda os subsídios agrícolas dos países ricos que sabotam as experiências incipientes das nações em desenvolvimento. “É preciso mudar os padrões de cooperação internacional ou a fome não acabará nunca. Não faz sentido que o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial imponham ajustes que inviabilizem a agricultura dos pobres. “Mais que de ajuda, a África precisa de oportunidade para se desenvolver. Com 800 milhões de habitantes, esse continente tem um futuro extraordinário, que deve e pode ser acelerado”, completou. Para Lula, exigir que se assuma esse compromisso com o continente deve ser uma decisão do FSM.
A vez do Sul
Para Lula, a realização desse potencial está cada vez nas mãos dos povos do Sul, que se mostram aptos a cumprir a tarefa. “Nos últimos dez anos, muitos dogmas foram derrotados. Os que acreditavam no fim da história veem o movimento irresistível dessa história, que acontece na América Latina, no Egito, na Tunísia. Milhões de homens e mulheres se puseram em movimento contra a opressão, a pobreza e a marginalização.” O ex-presidente apontou ainda a impotência dos países ricos diante a crise gerada no centro do capitalismo. “Eles viam a periferia como problemática e até perigosa, mas hoje somos parte da solução.”
Não é possível porém, afirmou, substituir o neoliberalismo por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário. “Essa é a agenda da direita européia e norte-americana, que persegue imigrantes e os direitos dos trabalhadores”. Na opinião de Lula, o momento é o mais propício para se resgatar “a melhor tradição humanista e revolucionária dos líderes da liberação Africana”.
Cultura de paz
Ponto fundamental nessa nova agenda geopolítica é a promoção de uma cultura de paz, que mais que um “adeus às armas”, exigirá o fim da desigualdade, da fome e da intolerância. “Enquanto houver povos do Sul que sejam cotidianamente humilhados, isso não será possível.”
Uma das tarefas para superar esse quadro, disse Lula, é a criação um Estado palestino viável social e economicamente e que conviva em paz com Israel. “A comunidade internacional está numa encruzilhada entre conflito e pobreza e a promoção da paz, da prosperidade e dos direitos humanos, na qual a África e o mundo em desenvolvimento têm mais relevância que nunca.”
Por fim, Lula lembrou a dívida histórica do Brasil em relação à África devido aos milhões de homens e mulheres que foram arrancados do continente e levados para a escravidão do outro lado do Atlântico. “Já pedi perdão em nome do povo brasileiro e a melhor forma de resgatar essa dívida é lutar para que a África seja mais próspera e justa.”