O economista político Ladislau Dowbor, professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nas áreas de economia e administração, concedeu entrevista ao Blog Cidadãos do Mundo, no dia 26 de outubro, em que trata do tema do desenvolvimento sustentável e as interfaces com as economias solidária, criativa/do conhecimento e a chamada economia verde, um dos eixos centrais da pauta da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), em junho do ano que vem. Ele é enfático ao afirmar que a pauta central hoje é o combate à desigualdade e ao mesmo tempo considera que a sociedade civil está mais conectada mundialmente, o que pode trazer de maneira mais eficiente, formas articuladas de pressão sobre o processo..
Professor, como as economias criativa e solidária estão inseridas na tarja da economia verde?
Há várias dinâmicas para fazer essa análise. Hoje temos no planeta ainda 50% de população rural e que vive da agricultura. No Brasil, a agricultura familiar produz três quartos dos alimentos que vêm à nossa mesa. Toda a área do pequeno produtor, da pequena pecuária e dos cinturões verdes das cidades são profundamente diferentes do agronegócio. São dois universos distintos. O do agronegócio com intensidade de adoção de agrotóxicos, da monocultura, pecuária extensiva, em que o desmatamento para pecuária e para grãos tem um impacto significativo no conjunto dos problemas ambientais. Isso envolve também contaminação dos lençóis freáticos, das águas subterrâneas, dos rios e redução da biodiversidade e por aí vai, além do impacto climático. Agora, se observamos parte dos pequenos agricultores, que representa metade da população do planeta, eles podem utilizar a policultura, onde os plantios se equilibram, e outros sistemas naturais de preservação na agricultura em pequena escala, que com mais diversidade, tem menos pragas. Há um conjunto de processos que podem juntar a unidade menor de produção de subsistência com as novas tecnologias, com sistemas de apoio de economia solidária, como de produtos orgânicos; o abastecimento das famílias diretamente do produtor, do sistema de compras governamentais, por exemplo, para a merenda escolar. Na realidade, há uma imensa oportunidade de economia criativa, de aportes tecnológicos e acesso ao conhecimento mais sofisticado, nos sistemas de desentermediação.
Mas quais são os mecanismos que auxiliam para que essa dinâmica, de fato, seja implementada?
Hoje a fragilidade maior desses produtores são os atravessadores comerciais e o isolamento ao sistema de comunicação. Quando a gente vê agricultores no Quênia que fazem as transações pelo celular, mesmo sendo analfabetos, porque sabem falar e têm inteligência, percebemos que se gera, na verdade, outra dinâmica em um setor extremamente importante.
Nesse contexto da economia sustentável, há mais alguma vertente?
Outro eixo de imensa importância tem sido chamado de economia do conhecimento. Hoje na composição dos produtos, três quartos do valor não são matéria-prima ou trabalho físico, mas conhecimento incorporado de design, de pesquisas – os intangíveis. O conjunto das atividades econômicas, portanto, quanto mais densas em conhecimento, mais têm propensão para evoluir a processos colaborativos. Há inúmeros exemplos. Como no sistema da robótica, em que empresas privadas com bens lucrativos decidiram colocar todo o conhecimento on line (um mecanismo de compartilhamento).
A economia do conhecimento, então, é compatível com a preservação ambiental?
Não tira pedaço da natureza. É um conjunto de atividades econômicas que perpassa todos os setores, desde a agricultura até a construção civil, a fabricação de roupas etc. Em que pode se intensificar o conhecimento, melhorar as tecnologias, reduzir o uso de recursos naturais por unidade, utilizar muito mais os sistemas circulares, em que há reciclagem de matérias-primas. Há uma evolução generalizada que potencializa esse tipo de sistema, que ao mesmo tempo, melhora a produtividade econômica e permite a redução dos impactos naturais. Ao se abrir para processos colaborativos, tende a se reduzir o peso da competição e da desigualdade. Na Favela em Antares, no Rio de Janeiro, por exemplo, generalizaram o acesso à banda larga na internet, estão produzindo design, facilitando o uso de pessoas que têm dificuldade com o computador, com serviços on line; além de produzir cultura, se gera inclusão social. Antigamente, tínhamos de esperar que se instalasse uma fábrica na região, para a geração de empregos. A economia criativa possibilita a ascensão social por causa do adensamento do conhecimento dos processos produtivos. O conhecimento não é um bem escasso, uma vez que chegou a ele, sua circulação não é rival. Se eu te passo uma ideia, continuo com ela. Por isso, se multiplica e cada vez mais pessoas irão associar essas ideias de forma inovadora.
O senhor concorda com termo economia verde?
Tenho certas restrições. Por que verde? Há uma tendência de tentar dissociar o ambiental do social, o que é catastrófico. Desenvolvimento sustentável é mais abrangente, porque envolve, o social, o econômico, o ambiental e a governança política.
Qual é a importância do eixo social, na sua avaliação, professor?
O eixo das políticas sociais é imensamente importante. É um investimento nas pessoas, na saúde, educação e cultura, é o que a gente quer da vida, não é um gasto. Quando você pensa que há o massacre das pessoas para comprarem mais caro, por meio de publicidade, você está matando o meio ambiente. Veja São Paulo com os seus 7 milhões de veículos. Quando melhora o acesso à saúde, educação e à cultura promove um impacto zero ao meio ambiente. Economiza os recursos naturais. Hoje a ‘gritaria’ é por mais produtividade, com mais hora/trabalho, em vez de buscar produzir mais com menos recursos da natureza. Podemos usar mais mão de obra com sistemas participativos, em pequenas produções. É outro desenho diante da realidade dos recursos limitados. Uma maneira de mudar a lógica econômica.
O que pode ser feito de diferente na Rio+20?
A ECO 92 e a publicação do documento O Nosso Futuro Comum fizeram um balanço dos grandes problemas ambientais e sociais do planeta e resultaram em uma agenda do clima, da biodiversidade, e na Agenda 21. Mas não foram formuladas as formas de implementação. Com a Rio+20, não precisamos reformular essa agenda, que continua praticamente a mesma; entretanto, os problemas se agravaram. O que se coloca é que a visão da governança e do processo decisório é essencial. Como a gente faz as coisas acontecerem? Isso passa pela compreensão de que passamos por uma crise econômica, que por um lado, restringe recursos, e de outro, gerou um clima político mais forte e de as pessoas dizerem que é preciso mudar. A sociedade civil está mais conectada mundialmente, o que pode trazer de maneira mais eficiente, formas articuladas de pressão sobre o processo. Temos também a fragilidade imensa do sistema multilateral (Fundo Monetário Internacional-FMI; Organização Mundial do Comércio-OMC e a própria Organização das Nações Unidas…). Por outro lado, isso nos leva aos estados-nacionais, que têm a estrutura organizada. Mesmo que o conceito de desenvolvimento sustentável implique a dimensão social, agora vai ter a centralidade no processo da desigualdade. Uma parte do planeta está com o consumo surrealista e o resto do planeta querendo limitar esse consumo sofisticado. A erradicação da miséria ou da pobreza estará no centro. É possível fazer políticas redistributivas.Temos de investir nas infraestruturas sociais, como habitação, saneamento básico. Por outro lado, enfrentaremos a resistência das grandes corporações e do sistema financeiro mundial…