“E disse o Criador Eterno: ‘Produza à terra ervas verdes, que deem sementes; e árvores frutíferas que deem sobre a terra, segundo a suas espécies, frutos contendo as suas semente; e assim se fez. E a terra produziu erva, contendo sementes conforme a sua espécie; e a árvore frutífera, com sementes conforme a sua espécie; e o Criador Eterno viu que era bom”.
Gênesis 1:11-12
Giovanni Battista Cybo, mais famoso no papel papal de Inocêncio VIII, não foi só o primeiro a criminalizar/demonizar a diamba. Ele foi também a primeira pessoa da história da medicina ocidental a receber uma transfusão de sangue (que não deu muito certo, diga-se passagem).
Inocêncio VIII fosse ser julgado pelos cristãos não-trinitários, conhecidos como testemunhas de Jeová, certamente diriam que ele está encrencado. E, segundo a fé dessa congregação, quem recebe ou faz transfusão de sangue comete uma grande abominação aos olhos d’Aquele que eles chamam de Jeová.
Aos olhos do judeu ortodoxo, os testemunhas de Jeová cometem pecado gravíssimo ao pronunciar, acrescentando vogais, “profanamente” o nome indizível do Deus da Bília, que os antepassados deles escreveram. Na convicção desses judeus hassidim, todas as vezes em que no texto original em hebraico aparece o tetragrama sagrado (as quatro consoantes: yod, heh, vav, heh – algo como YHVH), quem estiver lendo em voz alta deve substituir o impronunciável por algum termo como “nosso Deus”, “o Senhor”, “o nome” (Elohim, Adonai, Ha Shem, etc).
Para quem olhar lá do alto do altar do Vaticano, os judeus ortodoxos estão em pecado grave por não acreditarem que Jesus (em nome de quem tantos judeus foram mortos e aprisionados) é o libertador dos israelitas previsto nas profecias dos ancestrais deles.
Inocêncio está morto. Mas quem vai julgar? Quem pode? A história o julgará? Ou será que Jah* o julgará? É claro que eu tenho minha opinião sobre esse sujeito que foi papa da Igreja Católica Apostólica Romana de 1484 a 1492 e editou a bula Summis desiderantes affectibus, que deu início oficial à chamada “caça às bruxas”. Mas, mesmo tendo minha opinião sobre esse papa, não vou torturar, matar, prender, esquartejar ou queimar quem discorde de meu ponto de vista. Inocêncio VIII faria isso. Hoje em dia, muita gente faria essas coisas de matar e torturar quem discordasse da opinião ou padrão de comportamento dominantes.
Na última quarta-feira, 11, em Porto Velho, o juiz Arlen José Silva de Souza julgou Erisvaldo dos Santos e o condenou à multa e reclusão de um ano e oito meses em regime fechado. Erisvaldo, 33, era pintor de parede. Até ir para a cadeia, não tinha contato com criminosos. Ele não roubava nem mesmo fequentava pontos de venda de droga. Erisvaldo plantava sua erva em casa, não dando nenhum centavo nem para grupos de traficantes, nem para corporações farmacêuticas.
Erisvaldo trabalhava e, na sua casa, quando fora do expediente, regava suas plantinhas que ficavam em latas de tinta (pouco mais de meia dúzia). Eventualmente, quando havia flores femininas secas (não se fuma a folha), Erisvaldo as fumava. Não vendia, nem comprava.
No entanto, no entendimento do magistrado, a alegação de que o pintor é usuário não é suficiente para a desclassificação. Segundo o homem que bate o martelo, a necessidade de destinação onerosa não é elemento subjetivo do tipo penal, bastando apenas, para a incidência do crime, o cultivo de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas. Erisvaldo está preso como traficante de drogas.
Em Brasília, quadrilhas de mensaleiros, privateiros, grileiros e lobbistas estão soltos. Mas isso não importa para Erisvaldo, que cultivava em sua casa uma planta cultivada pela humanidade há mais de 10 mil anos. As mudinhas que Erisvaldo cultivava eram das primeiras dentre todas as plantas que homem domesticou e cultivou que não fosse alimento. Com a maconha, há milênios fazíamos cordas e tecidos (trata-se da fibra natural mais resistente que existe), remédios, papel, óleos combustíveis, mas Erisvaldo não pode plantar.
Como será daqui a dois anos a vida desse usuário que todos sabem que não era traficante? Não sei se ele tem mulher ou filhos. O papa Inocêncio tinha dois filhos e teve muitos e muitas amantes (entre eles o seus antecessores Paulo II e Sisto IV), mas não estou certo se esse tipo de informação deveria interferir nalgum eventual julgamento de Giovanni Battista Cybo. Que diferença faz para os outros o que Cybo fazia com seu corpinho roliço em seus aposentos no Vaticano? No julgamento histórico, por exemplo, deve contar muito mais a expulsão dos judeus da Península Ibérica, os tribunais da Inquisição para perseguir os “infiéis” e a demonização da maconha, que ele associou à bruxaria. Muito do obscurantismo de Inocêncio VIII ainda reverbera até hoje no mundo.
E quanto a Erisvaldo? Que diferença faz para sociedade o que ele fazia na casinha dele lá em Rondônia, nos fins de tarde?
(continua)